Sinal dos tempos. No “maravilhoso mundo novo” tudo é possível, de facto. Neste alucinado e por vezes infecto ambiente virtual tornou-se facílimo mudar de identidade: totalmente, radicalmente, infinitamente.
A “Carla”, por exemplo, que pode muito bem ter sido a criadora (e primeira “signatária”) da sua própria petição para que ela mesma traga bolo, poderia também, já, instantaneamente, mudar de nome, mudar de casa e até… mudar de sexo. Trata-se, nestes avançadíssimos ambientes cibernéticos, de uma operação indolor e rapidíssima (cerca de cinco segundos, incluindo os períodos pré-operatório e de recobro) que garante uma persona novinha em folha, um alter ego com “existência” real, novo endereço postal, casa nova, a estrear, novo emprego, outra idade (à escolha) e, é claro, um endereço de email perfeitamente funcional e “legítimo”.
Este é um dos processos electrónicos de produção de “gente” em série e é desta “gente”, grandes legiões de seres virtuais, que se “recrutam” inúmeros “militantes” cujas “identidades” múltiplas servirão para engrossar, inflacionar, agigantar as “fileiras” de certos (e incertos) “grupos” no Fakebook e para “legalmente” subscrever, por exemplo, petições — também estas integralmente virtuais — a granel.
Aliás, como anteriormente aqui demonstrei, este tipo de “processo” serve em simultâneo para ambos os efeitos: torna-se assim facílimo criar perfis de utilizador no Fakebook e usar estes para “subscrever” petições online. Com a vantagem acessória de que nestes preparos não fica o mais ínfimo rasto nem da aldrabice nem do aldrabão: criado o perfil ad-hoc e “subscrevendo” com esses “dados” uma qualquer petição, bastará então apagar o dito perfil na rede “social”, criar outro, “subscrever” com este outro, apagar, criar de novo, subscrever, apagar… e assim sucessivamente, ad infinitum, à vontade do freguês.
Não pretendo, de forma alguma, com isto dizer que todas as petições virtuais foram já infectadas por esta nova estirpe de vírus cívico. Vigarices e vigaristas sempre existiram, pois está claro. Mas nunca antes em tão esmagadora dimensão, jamais nesta escala verdadeiramente industrial.
Neste preciso momento estão registadas 142 petições no Parlamento português, dizendo aquele total respeito apenas às petições entradas entre 30 de Setembro de 2016 e 9 de Maio de 2017. De entre todas elas, pois com certeza, a maioria será porventura legítima e as respectivas assinaturas — até porque ainda há subscrições em papel e por meios minimamente fiáveis — serão reais e não fictícias.
Porém: os meios fraudulentos existem, a falsificação de subscrições está hoje em dia, como agora se vê e comprova, incrivelmente facilitada.
A lei que regula o Direito de Petição “exige” o nome completo, um número de BI ou CC (ou passaporte) e o endereço de email do subscritor para que uma “assinatura” seja considerada válida.
No mais conhecido site português do género pode ler-se isto:
Porque me solicitam o email para assinar uma Petição?
O pedido do campo email é mais um passo na verificação e autenticação da assinatura efectuada através do site.
Para além de tentar garantir a assinatura única (só uma assinatura por email) tenta também garantir que a pessoa confirmou a sua assinatura através do email. O sistema envia posteriormente um email para esse efeito.
Ah, desde que o email funcione…
Então está bem.
Resta a dúvida: então e o NIC (número de identificação civil)?
Bem, voltemos ao que ficou dito sobre (até) as assinaturas em papel: quem confere o quê? Existe alguma rotina de verificação na origem? Existe mesmo (e funciona?) um sistema parlamentar de “verificação, completa ou por amostragem, da autenticidade das assinaturas e da identificação dos subscritores“?
Não sejamos pessimistas em demasia. Deve haver sistema, há-de haver rotina, se calhar alguém confere alguma coisinha. Que diabo, isto ainda não é o Burkina Falso, digo, o Burkina Faso !
Seja como for, assim como a Carla passou a ser Jorge mas de repente afinal mudou outra vez de sexo e agora chama-se Maria, ficamos cientes de que recursos e processos existem, sim, para… a trafulhice.
Nas petições ainda há essa maçada de ter de esgalhar os NIC mas no Fakebook é uma limpeza, salvo seja: qualquer “grupo” pode inchar desmesuradamente com “militantes” e “activistas” que nunca mais acabam. Basta criá-los, literalmente, num serviço do género Fake Name Generator.
Em qualquer “grupo” do Fakebook, note-se, mas não numa página do Facebook: na página convidam-se pessoas (que aceitarão ou não o convite), nos grupos adicionam-se “membros” sem que estes sequer se apercebam da marosca. Este “processo” explica os fabulosos números de “membros” de “causas” avulsas que por ali vamos vendo, coisa que, além de cómica, deve dar imenso jeito a quem, digamos, tiver algum problema com o tamanho da sua (“causa”) e que portanto costuma entreter-se a comparar a sua com a do colega ou com as dos seus rivais, concorrentes e demais complexados.
Enfim, haja esperança. Talvez um dia alguém com um módico de tino na bola (ou vergonha na cara) e poderes para tal deite a mão ao abjecto regabofe a que genérica e distraidamente as pessoas de bem chamam “redes sociais”.