No fim de contas é muito simples.
Depurados os erros de digitação nos dados de origem, importados do ficheiro do Portal da Língua Portuguesa, afinados os algoritmos de pesquisa, análise e seriação, temos agora resultados com uma margem de erro de 0,01% (anteriormente era de 0,08%).
Vejamos então, usando uma linguagem o mais simples possível, como os números não só não mentem — por definição — como desmentem qualquer mistificação.
Dos 6620 lemas que constituem o “dicionário de mudança”, apenas 617 correspondem a entradas cuja ortografia, segundo o AO90, passa a ser igual à ortografia “antiga” do Português-padrão, substituindo-se aos respectivos casos na ortografia brasileira. Terá sido nisto que “o Brasil cedeu mais do que Portugal“.
Analisemos então estes casos, um a um, contando-os por tipo de alteração, para assim vermos quantos dos 617 lemas são efectivamente “cedências” do Brasil e quantos não o são.
Logo à cabeça temos a abolição do trema: 307 casos. O trema foi abolido1 pelo AO45, coisa que o AO90 apenas repete. O trema foi abolido no Português-padrão mas o Brasil “desassinou” o acordo de 1945 dez anos depois de o ter assinado. Não pode portanto vir agora alegar que “cedeu no AO90” aquilo que não cumpriu unilateralmente no que tinha acordado 45 anos antes.
Portanto: nas 617 “cedências do Brasil” não podem contar (ou constar) estes 307 casos de acentuação com trema. Então restam 310 “cedências do Brasil”, certo?
Errado.
O mesmo princípio de invalidade cobre os restantes casos de acentuação (“éia”, “éico”, “ôo”, “iú”, “ói”, “oí”)2 e os de hifenização em “ii” 3.
O que vem a dar na seguinte adição simples: 173+92+10+17+11+2+5=310
TODOS os casos da lista de “cedências do Brasil” correspondem a alterações que Portugal acatou pelo AO de 1945 e que o Brasil ignorou desde então.
Descontando todas estas ocorrências (307+310=617) ao total (617) em que o Brasil teria “cedido” perante a norma portuguesa, então chegámos a este resultado: zero. O Brasil cedeu zero.
Portugal já tinha cedido em todos aqueles casos e o Brasil em nenhum, porque deu o dito por não dito e rasgou o acordado no AO45, portanto não há cedência brasileira no AO90 coisíssima nenhuma.
TODAS as alterações estruturais, suprimindo letras (as chamadas “consoantes mudas”) sucederam exclusivamente na norma-padrão.
E se, como já vimos, as 617 “cedências” do Brasil são integralmente fictícias, isto é, não são 617, são ZERO, já quanto aos casos em que o Português-padrão cedeu realmente estamos a falar de 1544 casos reais, efectivos, de estropiamento da nossa ortografia, de “adoção” da cacografia brasileira.
Na variante brasileira o AO90 apenas afectou sinais gráficos (acentuação e hifenização) mas NENHUMA forma estrutural. Repita-se, ad nauseam se preciso for, este facto (agora) transparente: a “cedência” brasileira foi zero por cento, logo, a vergonhosa cedência portuguesa é de 100%.
Neste “acordo” em que uma das partes cedeu tudo e a outra parte não cedeu absolutamente nada, a desfaçatez dos “negociadores” foi tal que até as duplas grafias que o AO90 “aceita” (com consoantes “mudas”) são TODAS brasileiras! Note-se: aquilo que no Brasil era possível anteriormente escrever de duas formas constitui agora… “norma” ortográfica.
E são a maior parte destes 183 os únicos casos, ainda por cima, para cúmulo do descaramento, em que portugueses e africanos poderão continuar a utilizar as respectivas consoantes “mudas”. O Brasil concede-nos assim esta extraordinária benesse, de novo segundo a (sua) impecável lógica: vocês, indígenas, passam a escrever como nós e nós continuamos a escrever como queremos, tá légau?