Mês: Agosto 2017

“Justo para o recorde”

1. Julgando a maioria dos deputados estar a votar a admissão de Timor-Leste, a Assembleia da República aprovou em 2008 a entrada em vigor do AO90.

«Como foi possível que a entrada em vigor do “acordo ortográfico” de 1990 tenha sido aprovada pelo Parlamento? Se a esmagadora maioria do povo português demonstra a sua aversão “àquilo”, como espectacularmente demonstram todos os inquéritos e sondagens de opinião, como puderam 230 deputados aprovar a RAR 35/2008 com 17 abstenções e apenas quatro votos contra?» [ILC-AO, 3 de Fevereiro de 2013]

«Na votação de hoje na Assembleia da República, estava em causa apenas a adesão de Timor-Leste ao Acordo Ortográfico e a possibilidade deste poder entrar em vigor após três ratificações, como estabelece o segundo protocolo modificativo.» [“Despacho” da agência Lusa, 16 de Maio de 2008.]

 

2. Em Julho de 2016 o Parlamento simplificou os procedimentos e reduziu os requisitos das Iniciativas Legislativas de Cidadãos, em especial pela anulação do anacronismo, da inutilidade e da redundância que era a exigência dos dados de eleitor nas subscrições.

Requisitos: As assinaturas de todos os proponentes, em suporte papel ou electrónicas, consoante a modalidade de submissão, com indicação do nome completo, do número do bilhete de identidade ou do cartão de cidadão e da data de nascimento correspondentes a cada cidadão subscritor; [Lei Orgânica n.º 1/2016, Art.º 6.º]

 

3. Absolutamente de repente e sem qualquer espécie de motivo, os deputados aprovaram por unanimidade, em Julho de 2017, a reposição do anacronismo, da inutilidade e da redundância que um ano antes tinham anulado.

Requisitos: A identificação de todos os proponentes, em suporte de papel ou por via electrónica, consoante a modalidade de submissão, com indicação do nome completo, do número do bilhete de identidade ou do cartão de cidadão, do número de eleitor e da data de nascimento correspondentes a cada cidadão subscritor; [Lei n.º 52/2017, Art.º 6.º]

 


 

Já aqui tinha desenhado outra sinopse sobre este mesmo assunto mas confesso, devido a um inopinado ataque de perplexidade, que ainda não entendi patavina: como é possível, como raio sucedeu esta coisa?!

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O “acordo” ortográfico de 1990 em 2017 [por José Pedro Gomes]

Muitos amigos ficarão ou não aborrecidos com isto, não interessa, sejamos pragmáticos e congruentes naquilo que dizemos ser.

Isto a propósito do pseudo-acordo ortográfico de 1990, uma questão que nada tem a ver com partidarismos, nem de direita, nem de esquerda. É mesmo de cidadania e de direitos constitucionais.

Não compreendo, nunca compreenderei, numa sociedade que gasta cuspo a falar da liberdade e dos valores alcançados num pós 25 Abril, a falar sobre os tempos de censura, duma tal coisa do passado quase etérea e maldita que nem sequer pode ser debatida pois os humores ficam inflamados de tal ordem que se torna impossível um diálogo histórico e abstraído de emoções irracionais… como é possível perante isto acarretar-se tornando-a aceite, com uma mixórdia imposta e pespegada, compactuada nos bastidores políticos, envolvida em obscuridade… uma coisa abjecta fruto duma política subserviente ao jugo empresarial.

Tal coisa e a forma como se transpôs não deram satisfações em absoluto. Imiscuiu-se impondo-se e castigando quem a questionasse, cortando uma brecha fosso de incongruência e inconsistência na Nossa Língua, um dos maiores patrimónios que dispomos, contra tudo e contra todos, rasgando os direitos mais essenciais e empobrecendo ainda mais a pedagogia e o ensino da Língua Portuguesa. Substância essa tão idiossincrática, tão fundida com a nossa pessoa, tão fundida com um dos nossos maiores direitos e expressões individuais. Não se percebe. Não se quer saber, amorfa-se. Prefere-se ficar na ignorância.

Não compreendo como é que esse Português que se diz lutador dos direitos fundamentais do passado se deixe vergar perante tal atentado Constitucional no presente, se deixe levar tendo em conta os inúmeros escândalos políticos que já aconteceram e que vão continuando a acontecer, por ideologias sem corpo, atiradas aos ares que se pegam à inércia individual, à apatia e ao comodismo. Porque na realidade se não reagimos quando um direito de opinião de tal ordem que nem sequer é escutado for vilipendiado, não existindo qualquer diálogo ou dialéctica entre Estado e Cidadão… é porque já estamos mesmo a viver uma outra ditadura, esta, sub-reptícia e desta vez bilateral, porque só existe se existir um permissório.

José Pedro Gomes

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“Pitografia” é algo “pitográfico”. E “pitogramas”?

 

«vieram os pitogramas que tinham como base a representação por meio de símbolos. A escrita é resultado de uma evolução contínua da pitografia para formas mais ou menos convencionais»

«A primeira etapa do seu desenvolvimento ficou conhecida como género pitográfico’.»

 

Universidade de Lisboa – Faculdade de Letras

‘O Erro, uma análise necessária: sua implicação no ensino da Língua Portuguesa em Cabo Verde’
Mestrado em Língua e Cultura Portuguesa (PLE/PL2)
Área de especialização: Língua e Cultura Portuguesa (PLE/PL2)
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Imagem de topo de: UFBA (Brasil)

‘Não podemos ignorar’

Não nos torturemos com hermetismos legislativos, que podem tornar-se legiferozes aos olhos das pessoas normais, portanto saltemos de imediato para o que interessa, em jeito de resumo ou sinopse introdutória.

Sucede que o Parlamento português acaba de parir mais uma alteração à lei que regula as ILC. Esta terceira alteração repõe a exigência dos dados de eleitor, ou seja, anula a segunda alteração, a qual, por seu turno, abolia a exigência desses mesmos dados nas subscrições.

Em suma, é isto.

Em suma é isto e isto é sumamente grave: esta terceira alteração à lei das ILC, a segunda em menos de um ano, equivale à liquidação sumária de qualquer verdadeira Iniciativa Legislativa de Cidadãos, representa a extinção radical  das ILC enquanto direito cívico, é um tiro de misericórdia naquilo a que se convencionou chamar “democracia directa” — da qual, exceptuando as apalhaçadas petições, as ILC são (eram) a única forma de expressão verdadeiramente popular, independente e livre.

Na prática, esta terceira “mexida” na lei 17/2003 equivale a eliminar de uma vez por todas a possibilidade de que, sem patrocínios partidários, sindicais, organizacionais ou corporativos, simples cidadãos sujeitem a votação parlamentar um Projecto de Lei produzido e  promovido pelos próprios cidadãos, em representação da sociedade civil e na prossecução da defesa de direitos, liberdades e garantias que extravasem o âmbito ou os interesses do espectro político-partidário.

Liquidação sumária, extinção radical, tiro de misericórdia. Formulações exorbitantes, estas, dirão alguns, ou enunciados catastrofistas, dirão outros. Pois bem, está claro, é apenas a minha opinião. Baseada em factos, porém, não em meros palpites ou levianas impressões.

Factos esses que estão à vista de todos. “Vemos, ouvimos e lemos”. Os surdos podem não ouvir, os analfabetos não ler mas não ver só os que não querem.

Porque isto vê-se, lê-se, ouve-se e até cheira.

Tresanda.


Cronologia

  • 4 de Junho de 2003: é publicada a Lei n.º 17/2003, que «regula os termos e condições em que grupos de cidadãos eleitores exercem o direito de iniciativa legislativa junto da Assembleia da República
  • 24 de Julho de 2012: publicação da Lei n.º 26/2012, primeira alteração à Lei n.º 17/2003 . Anula restrições à subscrição por emigrantes recenseados (Art.º 2.º).
  • 26 de Agosto de 2016: publicação da Lei Orgânica n.º 1/2016, segunda alteração à Lei n.º 17/2003. Reduz o número de subscrições de 35000 para 20000 e anula a obrigatoriedade da indicação dos dados de eleitor de cada subscritor.
  • 13 de Agosto de 2017: entra em vigor a Lei n.º 52/2017, terceira alteração à Lei n.º 17/2003. Repõe a obrigatoriedade da indicação dos dados de eleitor e impõe a indicação da data de nascimento de cada subscritor.

Terceira alteração

Requisitos
c) A identificação de todos os proponentes, em suporte de papel ou por via electrónica, consoante a modalidade de submissão, com indicação do nome completo, do número do bilhete de identidade ou do cartão de cidadão, do número de eleitor e da data de nascimento correspondentes a cada cidadão subscritor;

Lei n.º 52/2017, Art.º 6.º (nova redacção)

O número de eleitor não é único, é repetível: a “indicação” do número de eleitor só faz sentido se o cidadão indicar também Freguesia e Concelho de recenseamento. Ou seja, ao preencher um impresso ou formulário, só para “indicar” os dados de eleitor, o subscritor de uma ILC terá de consultar as listas de recenseamento na sua Junta de Freguesia ou consultar via formulário electrónico o Portal do eleitor ou enviar um SMS (escrito de uma certa forma) para o número 3838.

Mesmo assim, como se não bastasse já e apesar de o recenseamento ser automático, é exigida também a indicação da data de nascimento do subscritor. Dupla certificação de maioridade, portanto.

Artigo 57.º
Exposição no período eleitoral
1 – Até ao 44.º dia anterior à data da eleição ou referendo, a DGAI, através do SIGRE, disponibiliza às comissões recenseadoras listagens das alterações ocorridas nos cadernos de recenseamento.
2 – As comissões recenseadoras, através do SIGRE, acedem às listagens previstas no número anterior e adoptam as medidas necessárias à preparação da sua exposição.
3 – Entre os 39.º e o 34.º dias anteriores à eleição ou referendo, são expostas nas sedes das comissões recenseadoras as listagens referidas no número anterior, para efeito de consulta e reclamação dos interessados.

Os dados de eleitor são públicos, não são “dados pessoais”: qualquer pessoa pode consultá-los nas Juntas de Freguesia. (VER)

Assim sendo, porque não facultar o acesso a esses dados aos promotores autorizados de uma ILC? Ao menos isso…

5 – A Assembleia da República pode solicitar aos serviços competentes da Administração Pública a verificação administrativa, por amostragem, da autenticidade da identificação dos subscritores da iniciativa legislativa.

6 – A Assembleia da República verifica a validade dos endereços de correio electrónico, cuja indicação é obrigatória pelos subscritores que utilizem plataforma electrónica.

Lei n.º 52/2017, Art.º 6.º (nova redacção)

Ora, de novo, com todos os dados e mais algum, então para o que serve a “conferência por amostragem”, afinal?

Já sobre a “validade dos endereços de correio electrónico”, valha-me Deus, será preciso repetir, repisar o óbvio?

Pois então não se está mesmo a ver porquê e para quê toda esta confusão, todas estas parlamentares trapalhadas?

Fato consumado

 

«o encerramento da Estação Radionaval da Horta é um fato consumado»

jornal “Tribuna das Ilhas” online, 17.02.17

 


 

«Fato consumado: as nossas forças armadas são uma instituição fechada.»

“dão e demo – diário digital”, 16.07.17

 


 

«Muitos interpretam este versículo como um fato consumado»

Igreja Presbiteriana Renovada de Portugal, 09.10.16

 


 

«O governo dos Estados Unidos está paralisado, querem apresentar a Trump um fato consumado»

“SAPO24”, 19.11.16

 


 

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