Lisboa, 15 de Fevereiro de 2011.
Eminência Reverendíssima,
Após todas as tentativas levadas a cabo por amigos empenhados numa causa de interesse nacional, verifica-se que os portugueses, como em tudo o resto, se encontram adormecidos perante um grave caso de delapidação de um património inalienável, aquele único que, depois da nossa mãe, tem um valor sentimental que suplanta o da bandeira, do hino ou dos juramentos sem alma a que muitos actores sociais têm levado a sociedade a assistir.
A Língua-mãe é uma herança que, passando incólume por todas as modas, assegura a nossa ligação ao passado, transportando-nos, seguros da nossa identidade, onde quer que passemos no mundo. Ler palavras escritas na nossa língua materna devolve-nos a casa onde quer que nos encontremos e põe-nos em contacto com um mundo do qual nenhum português digno desse nome deveria abrir mão.
Em tempos recentes, tem-se assistido à insidiosa alteração da forma de escrever o português na sua vertente europeia, o “português de Portugal” (que é também o dos chamados PALOP) e, apesar da aparente aceitação de uma maioria anestesiada, muitos há que consideram um crime de lesa-pátria e um total desrespeito por milhões de antepassados, cidadãos deste século XXI e vindouros, alguém ter-se arrogado a alterar, por decreto – e, obviamente, por vergonhosas razões economicistas ou mercantilistas – uma Língua que, como outras, não precisa de leis para evoluir porque, sobretudo, não é de evolução que se trata, mas de um facilitismo que a desfeia, avilta e nos insulta como herdeiros de um património que a ninguém pertence mas de todos faz parte e do qual todos são parte; que ninguém deveria alterar por cartilhas pois evolui por si, com e como o tempo; que nos cabe legar da melhor forma possível: íntegro mas legitimamente marcado pela História.Diz-se, por gasto lugar-comum, que “a História é escrita pelos vencedores”. Por um ignóbil abuso de poder, são pretensos vencedores os que, nestes tempos de vénia fácil ao lucro, fazem em nome da evolução, agiotagem do maior legado comum que temos: a nossa Língua-Pátria, a “Mátria”, a nossa vera matrix, matriz única na qual pensamos, sentimos, amamos e morremos. Resistirá, dúctil como é, a crises, terramotos, dissoluções políticas, dúvidas religiosas, fomes e doenças, mas não resiste ao cancro corrosivo daqueles que, em nome da nação, decidiram desfigurá-la, tão irreconhecível anda por televisões, jornais, gritando em cartazes; os homens anónimos que dela são simultaneamente donos e pertença resignam-se e já nem reconhecem nisto a afronta, mesmo que lhes morda a dignidade.
Como professora de Língua Portuguesa me assumo: sou uma das indignadas com o abuso mais revoltante a que assisti em quase 42 anos de vida. Recuso-me a ensinar uma vertente escrita na qual não me reconheço e me é imposta, ao ponto de colocar a hipótese de recusa da profissão que escolhi: abrirei os pulsos antes de ensinar a aberração imposta aos mais novos compatriotas. Não querendo entrar em aspectos técnicos – de que os linguistas se ocupariam devidamente – sobre as alterações de que o meu país não precisa, restou-me, em puro desespero de causa, apelar escrevendo com o que me resta: uma alma presa às palavras nas quais escuto a melhor das músicas, quando as leio com voz.
Acredito firmemente – porque os membros da Igreja com mais expressão no meu país detêm um inegável poder de apelo à mais profunda alma nacional – que a última esperança é que os melhores conhecedores da Língua-mãe acordem os adormecidos e se insurjam contra este atentado: o chamado “Acordo Ortográfico” avilta-nos no âmago!
Por isso, foi criada a primeira ILC (Iniciativa Legislativa de Cidadãos) que, não pertencendo a um grupo profissional específico ou particular, pretende recolher 35 000 assinaturas de cidadãos portugueses para evitar a imposição do acordo ortográfico que já nos vem asfixiando e se pretende que seja considerado “legítimo”. O site https://cedilha.net/ilcao tem sido o meio através do qual muitos se têm expressado contra um suposto “acordo” que a todos envergonha.
Não poderia a Igreja Católica intervir na resolução deste assunto, uma vez que é o lugar por excelência dos estudiosos e cultores do português como ele deveria ser sempre? Não tem um contacto privilegiado com um imenso número de portugueses alheios ao seu património maior (por motivos que se prendem com a mentalidade mas agravados pela conjuntura económica que parece sobrepor-se a tudo)? Não deveria a Igreja ter uma palavra a dizer quanto a isto? Até hoje, qual tem sido a posição da Instituição que Vossa Eminência Reverendíssima representa?…
Acreditando que esta luta contra a imposição do poder económico poderá redefinir-nos como povo digno desse nome e poderá ser, eventualmente, a pedra-de-toque que desencadeará uma nova consciência do nosso lugar do mundo e das nossas responsabilidades – porque um povo pode mais do que julgam vendilhões do que não lhes pertence -, deposito nas mãos, na consciência e nas palavras de Vossa Eminência Reverendíssima este resquício de Nação que se leva da palavra primeira até à hora da partida nas derradeiras palavras ditas: por amor da Palavra escrita, em nome de todos os que falaram em púlpitos, fale agora a Igreja e antes que seja tarde, em nome do Padre António Vieira, homem íntegro, que nunca desistiu, salve a nossa alma, a nossa única matriz, a nossa Lingua mater!
Considerando que este assunto fica em boas mãos, agradeço desde já toda a atenção dispensada.
Queira Vossa Eminência Reverendíssima aceitar os meus mais respeitosos cumprimentos.
******** *******(ver nota)
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Esta carta foi enviada, pessoalmente, por correio convencional, a toda a hierarquia superior da Igreja Católica em Portugal. Como se segue.
Dom Manuel Neto Quintas
Largo da Sé, 8000-138 Faro
ANGRA DO HEROÍSMO
Dom António de Sousa Braga
Rua de Barcelos 43, Apartado 55 ou Rua do Barcelos, 43, Apartado 55
Código Postal 9701-901 ou 9700-026 Angra do Heroísmo
geral@diocesedeangra.pt ou diocese.angra@iol.pt
AVEIRO
Dom António Francisco dos Santos
Rua Cândido dos Reis 107
3801-960 Aveiro
BEJA
Dom António Vitalino Fernandes Dantas
Rua D. Manuel I, 1, 7800 – 306 Beja, Portugal
bispo@diocese-beja.pt / diocese.beja@gmail.com
BRAGA
Dom Jorge Ferreira da Costa Ortiga
Rua de Santa Margarida, 181
4710-306 Braga
BRAGANÇA-MIRANDA
Dom António Moreira Montes
Rua Nova da Senhora das Graças
5300-210 Bragança
COIMBRA
Dom Albino Mamede Cleto
Casa Episcopal, Apartado 3069
3001-401 Coimbra
ÉVORA
Dom José Alves, arcebispo de Évora
Largo Marquês de Marialva, 6
7000-809 ÉVORA
diocese@diocese-evora.pt
FUNCHAL – MADEIRA
Dom António José Cavaco Carrilho
Diocese do Funchal – Obra Social Dona Eugénia
Rua Pretas 70, Funchal
Ilha da Madeira – 9000
GUARDA
Dom Manuel da Rocha Felício
Rua do Encontro, 35
6300-704 GUARDA
LAMEGO
Dom Jacinto Tomás de Carvalho Botelho
Rua das Cortes, n.º 2
5100-132 LAMEGO
info@diocese-lamego.pt
LEIRIA
Dom António Marto
Bispo de Leiria – Fátima
Gabinete Episcopal
Rua Joaquim Ribeiro Carvalho, 2
2410–116 Leiria
GabineteBispo@leiria-fatima.pt
LISBOA
Dom José da Cruz Policarpo
Casa Patriarcal
Seminário dos Olivais
Quinta do Cabeço
1800 LISBOA
(Cúria – Mosteiro de S. Vicente de Fora, Campo de Sta. Clara, 1100-472 LISBOA)
info@patriarcado-lisboa.pt
PORTALEGRE – CASTELO-BRANCO
Dom Antonino Eugénio Fernandes Dias
Paço Episcopal – Apartado 20 – 7301-901 Portalegre
geral@portalegre-castelobranco.pt
PORTO
Dom Manuel José Macário do Nascimento Clemente
Paço Episcopal
Terreiro da Sé – 4050-573 PORTO
manuelclemente@sapo.pt
SANTARÉM
Diocese de Santarém
Dom Manuel Pelino
Edifício do Seminário, 2000-135 Santarém, Portugal
diocstr@sapo.pt
SETÚBAL
Dom Gilberto… (ver)
R. Francisco Pacheco, 109
2900-376 Setúbal, Portugal
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VIANA DO CASTELO
Dom Anacleto Cordeiro Gonçalves de Oliveira
Rua Góis Pinto,
4900 Viana do Castelo
VILA REAL
Dom Joaquim Gonçalves
Casa do Carmo – R. Tenente Bessa Monteiro
5000-604 VILA REAL
VISEU
Dom Ilídio Pinto Leandro
Seminário Maior, 3504-517 Viseu
secretaria@diocesedeviseu.pt
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Nota: a pedido da autora desta carta, a sua identidade é omitida.
[Publicação original, 4 de Março de 2011: https://cedilha.net/ilcao/arquivo/1008]