«Em Lisboa há uma Academia Real das Ciências, grande título que por si se impõe, deduzindo-se que Lisboa possui sábios e se encontra dotada com um lugar onde se honra e cultiva as ciências… Risum teneatis amici, porque esta Academia não passa de um madeiro que, ao flutuar na água, por vezes pode aparentar um grande barco.»
«Esta Academia é uma monstruosa agremiação de pessoas, umas que não sabem nem têm nada a fazer, outras que não sabem nem querem fazer nada, e ainda de alguns sujeitos que se mexem muito para fingirem que andam muito ocupados e que, no entanto, não produzem mais que aqueles que nada fazem.»
«Está dividida em seis classes: a primeira é formada por dezasseis sócios honorários, prelados, ministros do Estado, grandes senhores que se exibem orgulhosamente nas suas cadeiras académicas, julgando que o nome pode substituir os talentos que não possuem e os trabalhos que não fazem. A segunda é a dos sócios estrangeiros, em número de oito. Ali se encontram inscritos os nomes de famosos sábios europeus, que a Academia elegeu sem os consultar e que certamente ficariam muito surpreendidos de encontrarem os seus nomes figurando à frente de uma academia desconhecida em toda a parte e quase ignorada dentro dos limites da cidade onde está estabelecida. A terceira classe é composta pelos sócios fundadores, em número de oito. Estes sócios transitaram da classe dos sócios efectivos, onde permaneceram pouco tempo, não fazendo nada, para ingressarem nesta, destinada ao seu repouso. A quarta compreende vinte e um sócios efectivos, a única, nesta Academia, onde os sócios trabalham e dos quais trataremos particularmente. A quinta é a dos sócios livres, trinta e três em número; estes usufruem, em toda a plenitude, a liberdade de não fazerem nada, o que está adstrito a tal categoria. A última é a dos correspondentes, cujo número é ilimitado e conta presentemente cento e quatro sócios. Residem em diversos lugares de Portugal, outros são sábios estrangeiros, cujos nomes a Academia cobiçou para ornamento do seu elenco e que, exactamente como os sócios da segunda classe, ignoram a existência desta Academia.»
«A Academia dividiu os seus trabalhos em três classes: a das ciências naturais, que tem seis sócios efectivos; a das ciências exactas, com oito sócios, e a de literatura portuguesa, que conta sete sócios. Assim, os sócios que trabalham encontram-se reduzidos ao número de vinte e um, dos quais catorze destinados ao cultivo das ciências.»
«Esta Academia suou as estopinhas para publicar algumas produções. O público português prestou-lhes pouca atenção, certamente por não ter bastante boa opinião dos sábios da sua Academia — o público das outras nações ainda menos, pois não as conhece, nem nunca delas ouviu falar.»
«A maior aplicação do engenho desta Academia, o seu mais penoso trabalho, o mais glorioso para ela, o mais inútil, o mais fastidioso, o que ao público se afigura mais cansativo, é o seu Dicionário da Língua Portuguesa, de que até agora só está publicado o primeiro volume, um enorme tomo in-fólio de mil páginas. Versa apenas sobre a letra A. Será obra para não menos de vinte volumes, se alguma vez chegar ao fim.»
“Panorama de Lisboa no ano de 1796”, J.B.F. Carrère, B.N., 1989
Tradução, prefácio e notas de Castelo Branco Chaves.
Capa de António Pedro.