Dia: 27 de Março, 2018

Romper a cortina de silêncio

 

«From Stettin in the Baltic to Trieste in the Adriatic, an iron curtain has descended across the Continent.» Winston Churchill, 1946

 

No passado dia 22 de Fevereiro foi votado no Parlamento um Projecto de Resolução pelo recesso (denúncia unilateral, retirada) de Portugal do “Acordo Ortográfico”.

Seguiram-se, durante uns dias, algumas repercussões, mas a verdade — a triste realidade — é que desde então nada mais se passou: parafraseando a célebre frase de Churchill, uma cortina de silêncio abateu-se (pesada, lúgubre, sinistramente) sobre a Causa anti-AO90. Dir-se-ia mesmo ou, por outra, dirão alguns, a avaliar pela quase absoluta ausência de conteúdos, artigos ou notícias ao longo do último mês, que foi mesmo desta, pronto, acabou-se a resistência, terminou a luta. Ora, isto é um absurdo.

Poderá bem suceder que a qualquer momento, hoje mesmo ou amanhã ou num dos próximos dias, alguém se lembre de ao menos publicar alguma coisa que reavive o assunto. Ou até, quem sabe, que de repente surja algures alguma solução milagrosa que estaria entretanto a ser preparada nos bastidores… o que explicaria tão longo quanto confrangedor silêncio.

Esperemos que assim seja, de facto, e que o retomar das hostilidades — isto é, a reactivação da luta contra o acordês — esteja para breve, porque, escusado será dizer, esta lamentável situação já começa a tresandar a… rendição!

Longe vá o agoiro, evidentemente. Aguardemos com esperança e mais do que justificada ansiedade que esta desgraçada situação de total mutismo e geral paralisia tenha sido apenas um acesso passageiro de letargia, um sono estranho e inexplicavelmente prolongado.

De qualquer forma, essa cortina de silêncio — a toda a altura e, medida até hoje, com um mês de comprimento — já acarretou enormes custos; custos estes que poderão tornar-se devastadores, a curto prazo, em termos de mobilização da opinião pública, de dinâmica de acções subsequentes e de credibilidade quanto a qualquer iniciativa futura.

Tão esmagador silêncio é tanto mais estranho quanto (e quando) ocorre precisamente logo após a ocasião em que estivemos mais perto, desde o início da luta, já lá vai uma década, de uma solução para o “acordo ortográfico”. É verdade que a iniciativa parlamentar de 21 de Fevereiro foi uma oportunidade perdida, mas também é verdade que essa mesma iniciativa veio criar, pela primeira (e única) vez desde 2008, as condições políticas necessárias para a liquidação do AO90 — sem mais, sem “revisão”, sem qualquer outra aldrabice.

Os deputados anti-acordistas (dois terços do total, como sucede na população em geral, que eles representam) devem com certeza delinear o projecto mais adequado, mas permita-se-me reiterar que em qualquer dos casos o dito não deverá andar muito longe de uma destas três vias:

  1. A apresentação, por parte de um único Deputado ou de vários, de um projecto de lei de conteúdo e objectivos similares aos da nossa ILC, conforme previsto na alínea b) do Art.º 156.º da CRP. Isto evidentemente, desde que fique garantida a liberdade de voto, ou seja, que em sede de reunião de líderes de grupos parlamentares se convencione a abolição da “disciplina de voto” neste projecto de lei em concreto.
  2. A constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (Art.º 178.º – 4 CRP), requerida por 46 Deputados, com a finalidade de investigar todos os procedimentos do processo legislativo que conduziu à aprovação da RAR 35/2008 (II Protocolo Modificativo) e tendo por (óbvia) consequência a apresentação de uma iniciativa legislativa em conformidade.
  3. A apresentação de um pedido de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade da RAR 35/2008, do II Protocolo Modificativo e/ou do próprio AO90, por parte de (no mínimo) 23 deputados de todas ou de pelo menos duas bancadas parlamentares. (Art.º 281.º – f) CRP).

Ora, assim sendo, apenas há que proceder a alguma alteração de pormenor quanto ao enquadramento técnico em termos constitucionais.

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