Foi Ministro da Cultura entre 1995 e 2000. Portanto, estava no Governo — e numa “pasta” de relevância equivalente à da Educação, não façamos a coisa por menos — quando o AO90 estava, muito descansadinho, a repousar numa qualquer gaveta do Terreiro do Paço.
Apesar de nunca ter mexido uma palha a respeito do assunto enquanto podia, se calhar rezando a todos os santinhos para que o assunto esquecesse entretanto, porque Manuel Maria Carrilho sempre foi contra o “acordo ortográfico”, a verdade é que, na prática, limitou-se a empurrar com a barriga o problema. Ainda mais na prática, se tal é possível, “passou a pasta” do AO90 quando passou a “pasta” da Cultura.
Em 1990, quando aquela abominável porcaria (o AO90) foi assinada por todos os Estados da CPLP, ainda não tinha responsabilidades governativas. E em 2008 já não as tinha e portanto não teve nada a ver com a aprovação da malfadada Resolução parlamentar (RAR 35/2008), aquela tremenda vigarice que determinou a entrada em vigor do AO90 em Portugal.
Em 2004 também já não estava no Governo mas não tugiu nem mugiu, que se saiba (posso bem estar enganado, se calhar escreveu na época sobre o tema), quando o Estado português subscreveu a dita vigarice, a mesma que o Parlamento aprovou quatro anos depois e que é afinal a causa primordial daquilo que vemos agora, todos os dias, suceder com a Língua Portuguesa: o processo de destruição em curso.
Este ex-Ministro da Cultura poderia ter feito alguma coisa para liquidar o AO90 “no ovo” durante os cinco anos em que teve poderes para isso. Ou poderia ter tentado ajudar, já sem responsabilidades governativas, a impedir que chegássemos a “isto”. Que tivesse tentado fazer alguma coisa, intervir, actuar. Antes, durante ou depois. Mas não. Limitou-se, como a esmagadora maioria dos políticos, a assobiar para o lado, meditabundo, mudo e quedo, ainda que soubesse perfeitamente — só os deputados que aprovaram a RAR 35/2008 não sabiam o que estavam a aprovar — quais seriam as consequências da vigarice e o que era (é) de facto aquele “acordo”.
Mas vá, agora escreve Carrilho alguma coisinha sobre o assunto, pronto, menos mal.
Cultura – de novo a caminho do grau zero?
Manuel Maria Carrilho
“Público”, 06.04.18A cultura portuguesa vê-se assim, neste momento, sob a ameaça de uma prolongada indigência político-orçamental.
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A cultura não é excepção. A não ser por a escassez em que vive ser bem maior do que a de outros domínios e de, em alturas de aperto, ser sempre ela a primeira vítima. Daí a justa cólera dos protestos em relação à actual política cultural e, em particular, à que diz respeito ao teatro.
Ora, se há área em que os socialistas têm uma responsabilidade histórica incontornável, ela é, indubitavelmente, a da cultura. Com efeito, foi por sua iniciativa que, por três vezes (em 1983, em 1995 e em 2015), ela teve um ministério próprio. Em 1995 ela foi mesmo objecto da definição de uma estratégia global muito precisa no âmbito do XIII Governo Constitucional, bem como de políticas sectoriais bem definidas, depois sempre acompanhadas de reforço orçamental. Foi certamente por isso que o actual Governo repôs o estatuto ministerial da cultura, interrompido pela direita em 2011.
Mas uma coisa é repor o estatuto, outra é retomar uma linha de acção política que lhe corresponda. Discrepância que, contudo, já vem de longe, quando em 2005 os socialistas voltaram ao poder. Foi aí que a herança da segunda metade dos anos 90 se começou a perder.
Foi aí, como o escrevi em 2009 ao procurar contribuir para o balanço da política cultural da legislatura 2005/2009, que o Governo de José Sócrates abandonou a responsabilidade histórica que os socialistas tinham no domínio cultural, tendo preferido retomar algumas controversas (e bem esquecidas…) ideias cavaquistas, como aconteceu com o Museu dos Coches, com o Acordo Ortográfico ou com o estrangulamento orçamental das instituições, das actividades e das expectativas do mundo da cultura.