Dia: 11 de Abril, 2018

Cultura — de novo a empurrar com a barriga?


Foi Ministro da Cultura entre 1995 e 2000. Portanto, estava no Governo — e numa “pasta” de relevância equivalente à da Educação, não façamos a coisa por menos —  quando o AO90 estava, muito descansadinho, a repousar numa qualquer gaveta do Terreiro do Paço.

Apesar de nunca ter mexido uma palha a respeito do assunto enquanto podia, se calhar rezando a todos os santinhos para que o assunto esquecesse entretanto, porque Manuel Maria Carrilho sempre foi contra o “acordo ortográfico”, a verdade é que, na prática, limitou-se a empurrar com a barriga o problema. Ainda mais na prática, se tal é possível, “passou a pasta” do AO90 quando passou a “pasta” da Cultura.

Em 1990, quando aquela abominável porcaria (o AO90) foi assinada por todos os Estados da CPLP, ainda não tinha responsabilidades governativas. E em 2008 já não as tinha e portanto não teve nada a ver com a aprovação da malfadada Resolução parlamentar (RAR 35/2008), aquela tremenda vigarice que determinou a entrada em vigor do AO90 em Portugal.

Em 2004 também já não estava no Governo mas não tugiu nem mugiu, que se saiba (posso bem estar enganado, se calhar escreveu na época sobre o tema), quando o Estado português subscreveu a dita vigarice, a mesma que o Parlamento aprovou quatro anos depois e que é afinal a causa primordial daquilo que vemos agora, todos os dias, suceder com a Língua Portuguesa: o processo de destruição em curso.

Este ex-Ministro da Cultura poderia ter feito alguma coisa para liquidar o AO90 “no ovo” durante os cinco anos em que teve poderes para isso. Ou poderia ter tentado ajudar, já sem responsabilidades governativas, a impedir que chegássemos a “isto”. Que tivesse tentado fazer alguma coisa, intervir, actuar. Antes, durante ou depois. Mas não. Limitou-se, como a esmagadora maioria dos políticos, a assobiar para o lado, meditabundo, mudo e quedo, ainda que soubesse perfeitamente — só os deputados que aprovaram a RAR 35/2008 não sabiam o que estavam a aprovar — quais seriam as consequências da vigarice e o que era (é) de facto aquele “acordo”.

Mas vá, agora escreve Carrilho alguma coisinha sobre o assunto, pronto, menos mal.

Cultura – de novo a caminho do grau zero?

Manuel Maria Carrilho
“Público”, 06.04.18

A cultura portuguesa vê-se assim, neste momento, sob a ameaça de uma prolongada indigência político-orçamental.

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A cultura não é excepção. A não ser por a escassez em que vive ser bem maior do que a de outros domínios e de, em alturas de aperto, ser sempre ela a primeira vítima. Daí a justa cólera dos protestos em relação à actual política cultural e, em particular, à que diz respeito ao teatro.

Ora, se há área em que os socialistas têm uma responsabilidade histórica incontornável, ela é, indubitavelmente, a da cultura. Com efeito, foi por sua iniciativa que, por três vezes (em 1983, em 1995 e em 2015), ela teve um ministério próprio. Em 1995 ela foi mesmo objecto da definição de uma estratégia global muito precisa no âmbito do XIII Governo Constitucional, bem como de políticas sectoriais bem definidas, depois sempre acompanhadas de reforço orçamental. Foi certamente por isso que o actual Governo repôs o estatuto ministerial da cultura, interrompido pela direita em 2011.

Mas uma coisa é repor o estatuto, outra é retomar uma linha de acção política que lhe corresponda. Discrepância que, contudo, já vem de longe, quando em 2005 os socialistas voltaram ao poder. Foi aí que a herança da segunda metade dos anos 90 se começou a perder.

Foi aí, como o escrevi em 2009 ao procurar contribuir para o balanço da política cultural da legislatura 2005/2009, que o Governo de José Sócrates abandonou a responsabilidade histórica que os socialistas tinham no domínio cultural, tendo preferido retomar algumas controversas (e bem esquecidas…) ideias cavaquistas, como aconteceu com o Museu dos Coches, com o Acordo Ortográfico ou com o estrangulamento orçamental das instituições, das actividades e das expectativas do mundo da cultura.

(mais…)

Nova página: “Números”

«O Brasil cedeu mais do que Portugal no Acordo Ortográfico», diz Evanildo Bechara.

«Contrariamente ao muito que se diz por aí, as alterações que vão ser introduzidas são muito poucas», diz Feytor Pinto.

Pois estão ambos estes senhores a mentir descaradamente, digo eu.

Ou, melhor, não sou eu quem o diz. São os números que o dizem. E os números, ao contrário das pessoas, não mentem: as “alterações” provocadas pelo AO90 são muitas e o Brasil cedeu zero no “Acordo Ortográfico”.

Os sete “posts” reunidos nesta nova página foram publicados de Abril a Julho de 2017 e não apenas comprovam que é mentira o que dizem aqueles senhores, como demonstram a dimensão das patranhas que bolçam amiúde Bechara, Feytor e outros acordistas de igual desfaçatez.

Esta demonstração (uma abordagem até agora inédita, vá-se lá saber porquê) sustenta-se, porque isso é inevitável, em alguma estatística elementar — com dados, quadros, contagens, cálculos — mas tendo sempre em atenção a paciência das pessoas, a qual tentei ao máximo poupar a hermetismos algébricos e probabilísticos maçadores.

Parece-me que, para o efeito, uma recomposição sequencial e cronológica poderia facilitar a leitura e, principalmente, a compreensão dos quadros, tabelas e imagens (que abrem agora em nova “janela”), bem como dos resultados em texto corrido ou  em tabela.

À excepção de algumas alterações técnicas e de aspecto gráfico, absolutamente necessárias (por exemplo, retirei dos “posts” originais as imagens não essenciais), esta nova página funciona como simples compactação daquilo que já tinha sido aqui publicado, de forma dispersa, sobre este tema específico.

Enfim, em suma, espero que (ao menos) assim a coisa fique (ao menos de novo) um pouco mais inteligível.

Não adianta para nada tergiversar, que é o pouco que se vê por aí, ou tentar impressionar o pagode com paleio de academia, que é o que (não) se lê ainda mais em areópagos caseiros.

Adiantaria talvez um bocadinho tentar perceber o que se está a passar, digo eu. E o que se está a passar, também digo eu mas ao menos comprovo o que digo, é que tentam impingir-nos uma mentira colossal. Um dos “argumentos” dessa mentira é a “cedência do Brasil” no AO90.

Pronto, estão aí as provas, esse “argumento” vale zero.

Ou o zero também já foi abolido? Pois, às vezes um zero atrapalha que se farta…

Imagem de: Facetoons

Governo de Moçambique “à espera de um cheque”

Governo de Moçambique e deputados da Assembléia da República não sabem onde pára o novo Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa

Por Adérito Caldeira  – @Verdade, 10.04.18

 

Questionada durante uma Audição parlamentar, esta segunda-feira (09), sobre quando o novo Acordo Ortográfico entrará em vigor em Moçambique a ministra da Educação e Desenvolvimento Humano afirmou que “(…) no mandato passado constou-nos que o Acordo andou na Assembléia da República, estava a ser trabalhado mas não chegamos a receber. Para este mandato o Acordo está a ser trabalhado”. O @Verdade descobriu que o polémico Acordo, criado em 1990, já foi entregue à Assembléia da República por duas ocasiões, “(…) no mandato do Presidente Guebuza quer agora no mandato do Presidente Nyusi o Acordo foi aprovado e foi remetido ao Parlamento”, revelou Lourenço do Rosário, o académico que lidera o processo no nosso país.

Impulsionado por razões políticas da efémera Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e pelo interesse do Brasil afirmar-se como nova potência há quase três décadas o escritor Luís Bernardo Honwana, então ministro da Cultura de Moçambique, firmou o nascimento do Acordo Ortográfico (AO) que deveria ter entrado em vigor em 1994 mas ficou refém da ratificação de todos Estados membros. Até à data o AO já foi ratificado pelos parlamentos do Brasil, Portugal, Timor-Leste, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde.

No nosso país, o Acordo que foi durante anos mais um dos milhares que não passou de letra morta, foi aprovado pelo Conselho de Ministros de Armando Guebuza e submetido à Assembléia (que enquanto o AO não entra é vigor continua a ser acentuada) da República em 2012 porém nunca passou das bancadas parlamentares e o Executivo, que na altura estimou em cerca de 90 milhões de dólares norte-americanos o custo da implementação, parece ter ficado à espera de um cheque para empurra-lo na agenda dos representantes do povo moçambicano.

Nesta segunda-feira (09), durante uma Audição Parlamentar conjunta das Comissões dos Assuntos Sociais, do Género, Tecnologias e Comunicação Social (3ª Comissão) e de Administração Publica e Poder Local (4ª Comissão) a ministra da Educação e Desenvolvimento Humano, Conceita Xavier Sortane, para colher subsídios em torno da Proposta de Revisão da lei do Sistema Nacional de Educação a deputada do partido Frelimo pelo Círculo eleitoral de Cabo Delgado, Valéria José Mitilela, questionou: “Já que estamos a fazer a revisão da Sistema Nacional de Educação eu queria saber os nossos filhos continuam a aprender da maneira como nós sempre aprendemos, a palavra acção com do c ou sem, mas lêem livros que vêm do Brasil e de Portugal onde isso já mudou, não sei se estamos a fazer bem ou mal, não sei se o professor corrige o menino que escreve a palavra que ele aprendeu noutros livros, para quando esse novo Acordo Ortográfico para o nosso país?”

Ministra da Educação mentiu no Parlamento sobre a ratificação do Acordo Ortográfico

A ministra da Educação e Desenvolvimento Humano explicou aos deputados da 3ª e 4ª Comissão que: “No mandato passado constou-nos que o Acordo andou na Assembléia da República mas eu na altura estive com os colegas que não me deixem mentir os colegas estava a ser trabalhado mas não chegamos a receber”.

“Para este mandato o Acordo está a ser trabalhado e vai chegar (…) pedimos que quando chegar tratem do assunto e nós aguardaremos com toda a expectativa”, acrescentou Conceita Sortane que durante o último mandato de Armando Guebuza chefiou a 3ª Comissão parlamentar até ser indigitada para o cargo que actualmente ocupa no Governo de Filipe Nyusi.

No entanto a titular da Educação foi de certa forma desmentida pelo seu vice, Armindo Ngunga, que declarou na mesma Audição Parlamentar: “Eu acho que esse documento já está na Assembléia da República, sei que já foi submetido à Assembléia da República já há muito tempo e nós só estamos a espera que nos dêem um comando pois na verdade está também a complicar a nossa vida pois temos que ensinar, estamos a elaborar material e não sabemos se o facto vai com o c ou sem c mas entretanto todo o material que a criança lê hoje já vem com o novo Acordo que já foi ratificado em Portugal, no Brasil, em Cabo Verde e na Guiné-Bissau, só falta aqui e em Angola”.

A deputada Antónia Charre, assegurou que a 3ª Comissão, a que preside desde a saída de Conceita Sortane para o Governo, não recebeu em nenhum momento do novo Acordo Ortográfico para apreciado e levado à plenária para ratificação.

“Eu tinha informação que havia sido submetido ainda no mandato passado, mas eu vou-me informar para saber onde está. Mas é um assunto que não é do sector, quem ratifica os Acordos é a Assembléia da República, nos somos apenas beneficiários do Acordo e estamos a espera que a Assembléia da República ratifique-o para começarmos a usa-lo”, reagiu o vice-ministro da Educação e Desenvolvimento Humano.

“Aqui em Moçambique a não ratificação é uma questão meramente processual”

Porém Lourenço do Rosário, que dirige a Comissão Nacional do Instituto Internacional da Língua Portuguesa para Moçambique que tem nas suas atribuições coordenar as acções relacionadas com o Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa, e foi peremptório em declarações exclusivas ao @Verdade: “o assunto foi depositado de facto no Parlamento só que nunca avançou por várias prioridades parlamentares”.

“No Conselho de Ministros posso-lhe garantir, porque eu estive presente nos dois momentos, quer no mandato do Presidente Guebuza quer agora no mandato do Presidente Nyusi o Acordo foi aprovado e foi remetido ao Parlamento, a primeira vez para as bancadas e a segunda vez à 3ª Comissão”, declarou o académico em contacto telefónico com o @Verdade.

Lourenço do Rosário precisou ao @Verdade que “(…) já no mandato do Presidente Nyusi a discussão voltou outra vez ao Conselho de Ministros e foi reconfirmado e depois foi para a 3ª Comissão que era dirigida na altura pela actual ministra da Educação e Desenvolvimento Humano. Foi reentregue sim, pelo então ministro Jorge Ferrão acompanhado pelo vice-ministro Ngunga e por nós que somos a Comissão Nacional do Instituto Internacional da Língua Portuguesa para Moçambique. Pouco depois a presidente da 3ª Comissão foi nomeada ministra”.

Questionado pelo @Verdade se a ratificação não estaria refém de algum oposição, tal como existem vozes contrárias ao novo Acordo Ortográfico, particularmente da sociedade civil em Portugal, Lourenço do Rosário aclarou que “nós aqui em Moçambique não temos o problema de oposição ao Acordo, aqui em Moçambique a não ratificação é uma questão meramente processual”.

“Porque do ponto de vista de passos técnicos, científicos, etc, todos foram feitos e inclusivamente Moçambique é um dos países que depositaram já o seu vocabulário ortográfico nacional portanto, pelo menos até agora, não houve nenhum problema, há naturalmente opiniões”, explicou ainda o académico ao @Verdade.

[Transcrição integral de “Governo de Moçambique e deputados da Assembléia da República não sabem onde pára o novo Acordo Ortográfico“. Jornal “@Verdade”, 10.04.18. Destaques e sublinhados meus. Imagem de topo de: “Gazeta do Povo” (Brasil).]