Dia: 13 de Abril, 2018

Inactivismo (1)

O inactivismo não é o inverso, oposto ou antónimo de “activismo” — tendo este, aliás, uma conotação política (geralmente de cariz esquerdista) que não é para aqui chamada.

O inactivismo engloba o próprio conceito de “activismo”, na acepção que nos interessa, enquanto inactividade militante ou, levando a ideia ao extremo, quando o activismo resulta em prejuízo grave, em desastre para a Causa — cívica, apartidária — que paradoxalmente deveria ser defendida e não atacada, como é evidente.

O inactivismo é bem mais fácil de entender do que de explicar — até porque os absurdos são por definição axiomas, ou seja, apenas constatáveis mas não comprováveis — e por conseguinte será talvez mais fácil ilustrar o conceito com um exemplo concreto.

Não deve existir um único português com mais de 30 anos que não se recorde da campanha por Timor (“Ai, Timor”, ai, ai). Desses voluntariosos militantes da “causa timorense”, a maioria terá com certeza participado nas “manifs”, nas “marchas”, nas “cadeias humanas”, nos “velórios” de “solidariedade” que se realizaram — em massa e em catadupa — por todo o lado, ao longo da década de 90 e em especial logo a seguir ao referendo de Agosto de 1999.

Houve disso e houve também imenso inactivismo. Esta entrevista ilustra perfeitamente o neologismo que, não por acaso, é um velho preceito.

Francisco Godinho lamenta porém o facto dessa iniciativa ter “descambado logo ao fim de dois ou três meses”, degenerando na melhor das hipóteses na adopção de outras causas pelos subscritores que “não eram capazes de actualizar um website, enfim… de fazer um mínimo de trabalho”.

“Isto acontece no mundo real. E na Internet ainda é mais fácil ignorar os apelos porque as pessoas não se confrontam”, desabafa Francisco Godinho. Uma das mailing-lists de Timor (eram duas), recebeu 200 a 300 adesões no primeiro dia, atingindo 400 a 500 adesões num mês.

“Ao fim do segundo mês tornou a descer drasticamente para 200 subscritores”, conclui Godinho. “Quando verifiquei esses 200 subscritores (interrompi a mailing-lists para ver quantas reclamações me chegavam), das 200 pessoas inscritas restavam cerca de 80, os outros 120 eram contas de email já inactivas”.

Para Francisco Godinho o activismo online requer “pessoas com algum espírito de voluntariado”. Não basta encontrar pessoas que pensam que “enviar um email é uma arma espectacular” e “vão a todas”.

“Não é difícil construir um site e colocá-lo online. Difícil é a parte que diz respeito à actualização e à sua dinamização”, confirma Ricardo Silva que, pela diversidade das iniciativas apresentadas através do Guia serem muito diversas, considera que “o Guia do Activismo era tipo um SAPO para a área do activismo online”.

“Lançar uma iniciativa é como lançar um produto no mercado. É necessário vendê-lo, contactar a Comunicação Social e – ao contrário do que muitas pessoas pensam – dar a cara, mesmo na Internet. Face aos Hoaxes (logros), por exemplo, é cada vez mais necessário passar uma imagem de credibilidade da iniciativa e dos próprios organizadores, uma vez que as pessoas andam muito desconfiadas dos emails ‘apelativos’ que surgem nas suas caixas de correio electrónico”

[Publicado em tek.sapo.pt, no dia 28.01.01. Autoria “Casa dos Bits”. Cópia autorizada; ver correspondência de Fevereiro 2002.]
[Sítio de Timor]

Um verdadeiro manifesto do inactivismo, convenhamos. Não está lá tudo, mas está lá muita coisa: a imediata “adopção de outras causas” quando aos “activistas” a coisa começa a cheirar que vai dar trabalho (mesmo que seja mínimo), as “adesões virtuais” em catadupa no início e a conta-gotas daí em diante, pessoas que pensam que “enviar um email é uma arma espectacular” (génios com ideias geniais) e aquelas que “vão a todas” às 2.ªs, 4.ªs e 6.ªs mas não vão a nenhumas às 3.ªs, 5.ªs e sábados, nem nos dias de folga, de férias, de baixa, de “licença”, de “ponte” e de “assuntos inadiáveis”.

É claro que, pelo menos para os activistas em série e para os consumidores de causas em geral, nenhuma bela teoria poderá alguma vez ser demolida pela (porcaria da) realidade, essa enorme maçada por regra inconveniente à narrativa oficial. Se a dita realidade não agrada ou, de forma genérica, não encaixa na “narrativa” correspondente, então mude-se de imediato a realidade porque a narrativa é intocável, inamovível, inalterável, imutável!

Salvas as devidas distâncias, pode estabelecer-se um mais do que evidente paralelo, em termos de inactivismo, entre o que se passou de 1992 a 2002, no caso de Timor, e aquilo que tem sucedido desde 2008 no que à luta contra o AO90 diz respeito. De facto, nota-se perfeitamente, o chamado “português médio” tem imenso jeito para, numa palavra (ou duas, vá), não fazer nenhum.

Nunca há tempo para nada. A não ser para dar palpites, bem entendido, travestindo estes, por regra, em ideias “geniais” que nunca tinham ocorrido a mais ninguém (como “lançar uma petição ou, espera, um referendo, eia, um referendo é que era, hem, sou ou não sou um craque das causas, hem”). Ah, sim, claro, para palpites e “ideias geniais” há todo o tempo do mundo. Para fazer alguma coisinha é que não, raios, tenho ali uma panela ao lume e depois vou levar a sogra à calista, num pode ser, que tenho um bídeo p’ra ber, não me dá jeito, que tenho uma dor no peito, isso não posso, que tenho reumático neste osso, agora não, que tenho de ir dar banho ao cão.

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Língua Portuguesa: 11% dos moçambicanos

O português continua uma língua alheia para 89% de moçambicanos, particularmente crianças que estudam pela primeira vez

 

Escrito por Emildo Sambo  em 12 Abril 2018
“A Verdade” (Moçambique), 12.04.18

 

Pelo menos 89,2% de moçambicanos, mormente as crianças que frequentam a 1a. classe, não usam a língua portuguesa, o que faz com que aprender a ler, a escrever e a fazer cálculos nesta língua seja penoso. Diante deste facto, a ministra da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH), Conceita Sortane, alertou, na quarta-feira (11), em Maputo, que “se continuarmos a excluir a língua materna” deste grupo da sala de aulas o seu insucesso estará pré-determinado. Não poderá, igualmente, ter acesso a vários serviços tais como de saúde e justiça.

Dos 15.670.424 moçambicanos de 5 ou mais anos de idade, recenseados em 2007, a língua portuguesa é falada por 50,4%. Mas destes, “apenas 10.8% tem a língua portuguesa como língua materna”.

Aliás, o português, que nos termos da Constituição da República “é a língua oficial”, é um idioma de mobilidade social, de prestígio e predominantemente urbano num país onde a maioria da população vive na zona rural, disse Conceita Sortane, na abertura do Fórum Nacional sobre Educação Bilingue.

O evento, que decorre sob o lema “Por uma Educação Inclusiva, Competitiva e de Qualidade”, tem como objectivo partilhar a experiência do MINEDH na implementação do ensino bilingue, reflectir sobre a importância do reconhecimento do multilinguismo e o uso de vários recursos linguísticos de que o país dispõe, na construção de uma sociedade inclusiva e de oportunidades iguais para todos.

Segundo a governante, um olhar atento às estatísticas por ela apresentadas “permite perceber claramente o quanto os nossos concidadãos não podem usufruir dos serviços de saúde, de justiça, de oportunidades de emprego, de acesso à informação”.

As limitações não esgotam aí. Os compatriotas que não sabem se expressar e/ou comunicar em “língua de Camões” não podem beneficiar de ascensão social e até da participação política, porque não conseguem permanecer no sistema educativo.Tudo isso “por causa de não saberem a língua portuguesa”, uma situação que chama atenção para o quão a questão da educação bilingue é importante e actual na construção da identidade moçambicana e na modernização do sistema educativo de modo a torná-lo relevante e alinhado com a nossa realidade moçambicana, disse a ministra, sublinhando que é uma realidade que não pode e nem deve ser continuamente ignorada sob o risco de se hipotecar o futuro do país.

“A nossa condição de país multilingue e multicultural desafia-nos a sermos criativos e proactivos na gestão do nosso sistema educativo que queremos inclusivo, equitativo e de qualidade para todos sem discriminação”.

Neste contexto, a educação bilingue em Moçambique tem vindo a progredir desde 2003, pese embora as dificuldades enfrentadas, algumas das quais relacionadas com a falta de material didáctico.

“O número de escolas e de alunos tem evoluído de 23 escolas e 700 alunos, em 2003, para 1.620 alunos, em 2004 e 69.863, em 2011. Em 2016, o Programa de Educação Bilingue já contava com 700 escolas e cerca de 100.000 alunos”, explicou a ministra e actualizou o número de instruendos e estabelecimentos de ensino, tendo em 2017 atingido 3.550 escolas primárias e um universo de quase dois milhões de alunos.

[Transcrição integral de: O português continua uma língua alheia para 89% de moçambicanos, particularmente crianças que estudam pela primeira vez. Jornal “A Verdade” (Moçambique), 12.04.18 Imagem de topo de: DW (© Jessica Scheweleit).]