7. Que fundamentos alegaram os inventores do “acordo ortográfico” para o justificar?
Três completos absurdos, basicamente:
- A “unificação” da ortografia.
- A “projecção e expansão” da Língua Portuguesa no mundo.
- A “maior facilidade” na aprendizagem da Língua.
Não há “unificação” alguma, muito pelo contrário: o AO90 originou ainda mais diferenças entre as duas normas, novos casos de duplas grafias (e triplas e quádruplas). Neste momento (2018) existem não duas mas três “normas”: PT-BR (Brasil), “acordês” (organismos do Estado e algumas empresas em Portugal) e PT-PT (Angola e Moçambique).
Não há qualquer tipo de “projecção e expansão”, acontece o oposto: fecham cada vez mais leitorados de Português no estrangeiro e diversos organismos internacionais extinguem o Português como Língua de trabalho ou institucional.
Não há “maior facilidade” na aprendizagem coisa nenhuma: no Ensino oficial em Portugal a confusão é total e o cAOs instalado afecta gravemente as crianças e jovens, confundindo-as estúpida e desnecessariamente. Não sendo imbecis ou retardados, os alunos portugueses estão mergulhados num caldo de instabilidade ortográfica no qual não só eles mas principalmente eles já não sabem ao certo como se escreve (ou lê). Por isto mesmo os resultados são cada vez piores desde que o AO90 passou a ser obrigatório nos exames.
E os estrangeiros que aprendem Português não são também, em princípio, atrasados mentais: o AO90, abolindo radicalmente a etimologia, afasta ainda mais o Português das demais Línguas de países europeus ex-colonizadores, em especial os das Línguas francesa, espanhola e inglesa.
8. Qual foi a ideia-base para sustentar tecnicamente o “acordo ortográfico”?
Uma ideia de jerico, evidentemente, na qual apenas fingem acreditar alguns idiotas ou pessoas que comem da gamela acordista: prescindir do critério etimológico (a raiz e a evolução ortográfica das palavras) substituindo-o pelo “critério” fonético (“o que não se pronuncia não se escreve”). Uma abominável cretinice, portanto, que jamais passaria pela cabeça de um francês, americano, inglês, espanhol, australiano ou canadiano, para citar apenas alguns povos que são “parvos” por ignorarem as maravilhas dos acordos ortográficos; ideias assim tão asininas, se bem que vendidas como “geniais”, jamais ocorreriam a qualquer cidadão daqueles atrasadíssimos países; só em Portugal e no Brasil, duas super-potências mundiais, como sabemos, existem “génios” capazes de esgalhar semelhante “genialidade”.
Consequência directa do “genial” critério fonético: como no Brasil a pronúncia é completamente diferente das de Portugal e PALOP, a suposta “unificação” resulta em milhares de novas duplas grafias.
Mas esta ideia de jerico deveria levar os ditos “génios” ainda mais longe: sendo o Brasil um país-continente, nada de mais natural do que, apenas ali, existam “dialectos” — o que, segundo a máxima acordista “se não se pronuncia não se escreve”, deveria dar direito a 16 “ortografias” brasileiras diferentes. Fica a sugestão.
Claro que algum estratagema, de preferência suficientemente idiota para impingir a perfeitos cretinos, teria de ser inventado para mascarar as verdadeiras motivações — ambições políticas e económicas do Brasil — e por conseguinte os acordistas atiraram para o ar um dos absurdos disponíveis no seu arsenal de insanidades: o critério fonético “facilita imenso”.
9. O “acordo ortográfico” era mesmo necessário ou é afinal uma imposição sem sentido?
É afinal uma imposição sem sentido. Nenhum sentido. É uma farsa de todo o tamanho.
Nunca tinha ocorrido a alguém, em Portugal ou no Brasil, a mais ínfima necessidade de alterar — e muito menos de “corrigir” — a ortografia do Português-padrão (vigente em Portugal e nos PALOP).
Não existe qualquer registo (ou memória) de alguma vez um único português ter-se irritado porque, por exemplo, os meses e as estações do ano escrevem-se com maiúscula inicial, por o pára-raios ou o pára-quedas terem hífen (e um acento), por ser o Egipto e não o “Egito” a pátria dos egípcios ou por “óptica” e “ótica” serem especialidades clínicas totalmente diferentes.
Bom, vejamos: o AO90 é uma imposição “sem sentido”… prático! Porque o “acordo” faz todo o sentido, na perspectiva dos seus inventores e promotores (e, em geral, por quem tem algo a ganhar com ele), em termos de condicionamento das massas (embrutecimento geral, estupidificação maciça, difusão compulsiva da ignorância, habituação ao chicote mental) e, sobretudo, enquanto pretexto documental (a papelada costuma impressionar pategos) para encapotar as manobras neo-imperialistas brasileiras com a cobertura de alguns assimilados nascidos em Portugal.
10. Quais os antecedentes do “acordo ortográfico de 1990”? (ver nota)
- 1931 – É aprovado o primeiro Acordo Ortográfico entre o Brasil e Portugal, visando “unificar e simplificar a língua portuguesa”. Este acordo acaba por não ser posto em prática.
- 1943 – É redigido o Formulário Ortográfico de 1943, naquilo que constituiu a “primeira Convenção Ortográfica entre o Brasil e Portugal”.
- 1945 – Um novo Acordo Ortográfico torna-se lei em Portugal mas não no Brasil, por não ter sido ratificado pelo Governo, se bem que tenha sido subscrito por representantes oficiais do Estado brasileiro; os brasileiros continuam a regular-se pela ortografia do Vocabulário de 1943.
- 1955 – O Brasil anula unilateralmente o “acordo ortográfico” de 1945 (que tinha subscrito 10 anos antes).
- 1975 – A Academia das Ciências de Lisboa (ACL) e a ABL elaboram novo projecto de acordo, que não é aprovado oficialmente.
- 1986 – José Sarney, Presidente do Brasil, promove um encontro dos então sete países de língua oficial portuguesa. O Acordo Ortográfico de 1986, que resulta deste encontro, é amplamente discutido e contestado, nunca chegando a ser aprovado.
Esta cronologia diz respeito a “acordos ortográficos” entre Portugal e Brasil. Não são neste caso considerados, os antecedentes dos antecedentes do AO90, que foram de carácter unilateral e não entre os dois países: em 1911 a Primeira Reforma Ortográfica em Portugal, em 1915 a Academia Brasileira de Letras (ABL) decide, através de uma “resolução”, “harmonizar” a “sua” ortografia com a norma portuguesa, em 1919 a ABL revoga a sua “resolução” e em 1929 a ABL altera as “suas” regras ortográficas.
Como podemos ver, isto dos “acordos ortográficos” é uma mania dos diabos, uma obsessão, um vício.
11. Se é “acordo” e se é “ortográfico”, então o AO90 deve ser um Tratado legítimo entre todos os países signatários! Ou… não?
Não.
O AO90 nem é acordo, porque num acordo pressupõe-se cedências de ambas as partes e neste houve cedências apenas de uma das partes (Portugal, é claro), nem é ortográfico, pela simples razão de que nega e renega a própria definição de “ortografia”.
Tratou-se de uma golpada exclusivamente política combinada entre cúpulas partidárias e caciques a mando dos que ocupam temporariamente o Poder. Golpada essa que envolveu apenas (ir)responsáveis brasileiros e portugueses; os representantes dos PALOP limitaram-se a assinar de cruz, já que o assunto pouco ou nada lhes interessa, visto que nos respectivos países a Língua Portuguesa não passa de um instrumento oficial: a esmagadora maioria dos povos africanos desses países é totalmente analfabeta e os escreventes de Português são uma minoria residual.
12. «O “acordo ortográfico” está em vigor e já não há nada a fazer quanto a isso.» Isto é verdade?
Não, não é verdade. De todo. O AO90 está realmente em vigor — ao invés da ideia-fixa que uns poucos teimam em apregoar — mas não é verdade que não haja nada a fazer quanto a isso. Não existe lei alguma que não possa ser anulada ou revogada.
No caso vertente nem é uma verdadeira lei, de resto, em termos juridicamente formais, aquilo que é necessário revogar ou anular: o Tratado propriamente dito que de facto é o AO90 não pode ser pura e simplesmente “revogado”; a única forma de reverter o processo por essa via, à luz do Direito internacional (Convenção de Viena), seria através da denúncia unilateral por parte do Estado português… coisa muito pouco provável, convenhamos, porque só à custa de grande dose de ingenuidade alguém poderá esperar que mesma elite política que assinou aquilo vá agora reconhecer que errou.
Mas se é muitíssimo inviável a renúncia unilateral, seria (será?) muito possível a anulação do instrumento legal (RAR 35/2008) que determinou a entrada em vigor do AO90 em Portugal. Esta suprema aldrabice, que o Parlamento português aprovou (não sabendo sequer ao certo a maioria dos deputados aquilo em que estavam a votar), pode ser revogada ou anulada por uma das seguintes vias:
- A apresentação de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos com a finalidade única da revogação da RAR 35/2008 (entrada em vigor do AO90) e, por inerência, de todos os instrumentos de legislação e regulamentação decorrentes daquela ou nela fundamentados.
- A apresentação, por parte de um único Deputado ou de vários, de um projecto de lei de conteúdo e objectivos similares aos da nossa ILC, conforme previsto na alínea b) do Art.º 156.º da CRP. Isto evidentemente, desde que fique garantida a liberdade de voto, ou seja, que em sede de reunião de líderes de grupos parlamentares se convencione a abolição da “disciplina de voto” neste projecto de lei em concreto.
- A constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (Art.º 178.º – 4 CRP), requerida por 46 Deputados, com a finalidade de investigar todos os procedimentos do processo legislativo que conduziu à aprovação da RAR 35/2008 (II Protocolo Modificativo) e tendo por (óbvia) consequência a apresentação de uma iniciativa legislativa em conformidade.
- A apresentação de um pedido de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade da RAR 35/2008, do II Protocolo Modificativo e/ou do próprio AO90, por parte de (no mínimo) 23 deputados de todas ou de pelo menos duas bancadas parlamentares. (Art.º 281.º – f) CRP).
(nota: extractos de um trabalho de Graça Maciel Costa)
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