Dia: 9 de Maio, 2018

O homem do pântano (1.ª parte)

O 5 de “maio”, dia da língua de vaca (e da cultura do feijão), foi de facto algo de muito estranho e merece, justificadamente, uma investigação mais profunda e detalhada.

Pois então António Guterres, o próprio, cavalheiro a quem jamais foram assacadas as mais leves ou remotas suspeitas de envolvimento no AO90, pois será possível que também ele esteja afinal metido em tal neo-imperialista cambalacho?

Pode lá ser! Há-de haver nisto algum equívoco, certamente; ele mesmo, o próprio cavalheiro, terá sido  levado ao engano. “Só pode”.

Já sabemos que não existe o “Dia da Língua Portuguesa e da Cultura Lusófona” ou, melhor formulando, já sabemos que tal coisa não passa de mais uma aldrabice inventada pelos acordistas para impingir a idiotas e “distraídos” a cacografia brasileira como sendo aquilo a que chamam “maravilhosa língua unificada“.

Mas, se Guterres não está de forma alguma envolvido em tão sinistra vigarice, então como diabo aparece ele agora, qual estrela da rádio, TV e disco, a abrilhantar um pic-nic organizado por uns bacanos da CPLP? Por alminha de quem ter-se-á o (agora) Secretário-Geral da ONU — nada mais, nada menos — dado à maçada de participar em tão deprimente macacada?

Bom, o certo é que a dita macacada foi previamente anunciada na sede da brasileirófona CPLP, a chafarica dos tais bacanos:

«Precisamente no dia 5 de maio, as Missões dos Estados-membros da CPLP junto à Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova Iorque, organizam um evento comemorativo do “ Dia da Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP”. A Secretária Executiva da CPLP, Maria do Carmo Silveira, e o Secretário Geral da ONU, António Guterres, vão estar presentes nesta cerimónia que decorre nos jardins da ONU.»

Palavra-chave: “evento”. Ah, bem, não se tratou, portanto, de algo oficial ou sequer oficioso; um “evento” pode ser qualquer coisa mas o conceito remete para um certo carácter lúdico, informal, festivo e, por conseguinte, popular, particular, privado. O que implica haver no brasileirófono edital uma outra palavra-chave que terá porventura escapado, escorregado, “derivado a” alguma espécie de wishful thinking“cerimónia”. Ou então… não! Se calhar a coisa até confere, “cerimónia” é, por exemplo, qualquer casamento ao ar livre, num jardim cheio de cadeiras enfeitadas e com uma banda a abrilhantar o copo d’água ao som do “Bilu Bilu Teteia” e outros sucessos da “música” popular.

Aquilo foi, por conseguinte e por assim dizer, uma sessão pública de comes e bebes (com os discursos da praxe no intervalo entre os croquetes e a pièce de résistance), uma patuscada ao nível de qualquer arraial de Santo António ou, se preferirmos uma variação mais “fina”, então ter-se-á tratado de um “evento” equivalente ao lançamento de um livro, de um disco, de uma nova campanha da Remax ou de um inovador detergente para tirar nódoas difíceis.

Já sabemos também que o dito evento, apesar de se realizar “nos jardins” da ONU, não teve  absolutamente nada a ver nem com a ONU nem com os reais, verdadeiros, genuínos seis “Dia da Língua” promovidos sob o alto patrocínio da própria Organização das Nações Unidas.

Mas então, cá estamos de volta à nossa inicial perplexidade, como foi possível que o Secretário-Geral da ONU não apenas tenha participado num evento particular realizado nos jardins da Organização como tenha pessoalmente contribuído, enquanto peça-chave dessa mistificação, utilizando (ou permitindo que outros tenham utilizado) o peso institucional do seu alto cargo oficial para propagandear aquele evento privado?

No semanário “Expresso”: António Guterres destaca importância da CPLP no Dia da Língua PortuguesaAs Nações Unidas assinalaram este sábado o Dia da Língua Portuguesa e da Cultura da CPLP. António Guterres discursou nos jardins da ONU, elogiando a diversidade e o papel da CPLP.

No canal público RTP: Secretário-geral das Nações Unidas quer reforçar poder da Língua Portuguesa. António Guterres diz que o mundo está farto da ditadura da língua única.

Extraordinário.

Quando, afinal, como ressalta mais do que evidente no vídeo que se segue, as Nações Unidas não assinalaram coisíssima nenhuma no dia 5 de Maio de 2018; nestas imagens, gravadas num simples telemóvel por um qualquer dos (raros) convivas sentados na relva, podemos ver o que foi de facto “aquilo”: um evento pelintra com meia dúzia de turistas ocasionais e uns quantos  penetras que terão ido ali porque ouviram dizer que havia uns “snacks” à borla (ou muito baratinhos).

Como nota acessória, ainda sobre este vídeo, note-se — além da “multidão” presente mai-la geral pinta de “lusófonos” dos convivas — que até no título há uma aldrabice: «no Dia da Língua Portuguesa na ONU» António Guterres diz umas coisas, sim, mas apenas no fim, durante pouco mais de cinco dos 23 minutos que dura a gravação.

Portanto, depois de verificarmos que esteve de facto presente e depois de ouvirmos o que o homem ali disse, afinal já podemos ir constatando — com surpresa, alguns, e presumo que outros com espanto — que o actual Secretário-Geral da ONU decidiu, por sua iniciativa, conferir credibilidade política e peso institucional a um evento privado, particular e… pago.

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