Estranhava (eu) a presença deste fulano em diversos eventos contra o AO90, entre 2011 e 2012, sempre que Vasco Graça Moura era o orador. Na altura, como (eu) ainda era um bocado “anjinho”, pensava que talvez o tipo fosse anti-acordista, ou assim. Pois, se não fosse, o que diabo estaria ele ali a fazer, invariavelmente mudo e quedo, encolhido a um canto, com seu sorrisinho seráfico por única companhia? Seria ele uma espécie de sombra (ou de “sombrero”) que se limitava a seguir fantasmagoricamente “nosso” Vasquinho?
Mais tarde, e não tardou muito, percebi: este acordista empedernido, que agora já nem disfarça, era amigo íntimo do dito orador. Presumo, por conseguinte, que acompanhasse seu amigo a ver se poderia aprender alguma coisinha.
Ah, pois, está bem. Não resultou.
Essas relações de amizade não tiveram jamais nada a ver com as ralações que agora despudoradamente manifesta, em “perfeito” acordês, em relação ao (como diz) “património” linguístico nacional. Fala neste seu textículo de “Palmira (Síria)” e da devastação que fundamentalistas ali provocaram, mas poderia bem falar de Palmela (Portugal) e de todos os outros sítios da nossa terra onde outros fundamentalistas vão ocasionando não menor devastação no património histórico, cultural e identitário nacional. Mas isso, pelos vistos, não incomoda nada o “amigo”, tanto se lhe dá como se lhe deu.
Que tristeza, valha-me Deus. Digo eu.
O outro lado do património…
A motivação e a participação dos mais jovens constitui o desafio mais aliciante desta iniciativa.
Guilherme d’Oliveira Martins
“Público”, 8 de Maio de 2018, 6:04
A escolha do Património Cultural como o tema da União Europeia neste ano de 2018 não foi produto do acaso. Correspondeu à necessidade de dar um impulso novo a um projeto comum que não pode avançar sem a memória das raízes históricas e culturais e sem um forte desafio de aprendizagem, de inovação e de modernidade. Quando Plácido Domingo, presidente da Europa Nostra, pede para que simbolicamente todos possamos fazer do Hino da Alegria de Beethoven, com o magnífico poema de Schiller, no dia 9 de maio, um verdadeiro símbolo capaz de unir consciências em nome da liberdade, da igualdade, da diversidade, da paz e da solidariedade, está a dizer-nos que há uma herança comum que temos de respeitar e dignificar. Só a atenção e o cuidado, a salvaguarda e a proteção, o não esquecer e não abandonar podem permitir a abertura de horizontes no sentido do desenvolvimento humano. Não esquecemos o dia em que Denis de Rougemont e Albert Einstein idealizaram uma instituição como o CERN (o antigo Centre Européen pour la Recherche Nucléaire) para dar à energia atómica o sentido da paz em vez do estigma da guerra. E se recordamos esse facto é para deixar claro que o património cultural, como realidade viva, liga a cultura, a educação e a ciência. Por isso, Umberto Eco disse um dia que a diferença entre aqueles que não leem e aqueles que leem é que os primeiros vivem apenas algumas dezenas de anos, enquanto os segundos vivem o tempo da civilização, três ou quatro mil anos. De facto, só seremos dignos do que recebemos das gerações que nos antecederam se soubermos combater a ignorância e a mediocridade através da compreensão donde vimos e para onde vamos.
As iniciativas do Ano Europeu do Património Cultural são múltiplas, desde o estudo e investigação, do intercâmbio científico e técnico, do aperfeiçoamento profissional, da sensibilização e da informação, até à educação e à formação, à criação e à divulgação; no entanto, a motivação e a participação dos mais jovens constitui o desafio mais aliciante e exigente. Essa é uma das marcas que Portugal tem procurado definir como essencial, distintiva e prioritária. O envolvimento das escolas, das famílias e das comunidades no estudo, compreensão, conhecimento, na atenção e no cuidado do património cultural deverá representar um dos investimentos mais sérios e duradouros desta iniciativa. Será isso que ficará. Daí o envolvimento da Rede das Bibliotecas Escolares, do Plano Nacional de Leitura e da Universidade Nova de Lisboa neste Ano Europeu – permitindo às escolas e aos jovens cidadãos o contacto com diversas formas de património: monumentos, documentos, vestígios arqueológicos, tradições, manifestações artísticas, costumes, línguas, paisagens… Adotar um monumento ou uma tradição (da gastronomia ou do artesanato, da música ou das artes visuais), tornar compreensível um símbolo, impedir que algo de valioso culturalmente seja deixado ao abandono, usar as novas tecnologias para favorecer a ligação aos valores culturais e naturais, ir ao encontro de outras paragens, de outras regiões ou de outras culturas são atos fundamentais… Daí a importância de um culto do património que favoreça o respeito mútuo, o pluralismo, a diversidade e a importância dos valores comuns de culturas diferentes. Tudo isso permitirá entender o património cultural na sua plena riqueza, assegurando que quando terminarmos este Ano poderemos ter contribuído para fortalecer a consciência patrimonial e a cidadania cultural. Nada melhor do que os mais jovens para poderem continuar a tarefa essencial de assegurar que é a sociedade civil que deve assumir em suas mãos a responsabilidade de proteger e valorizar o património. Devendo o Estado garantir o enquadramento rigoroso e incentivador da qualidade, em nome do bem comum.
O que aconteceu há poucos anos em Palmira (Síria) obriga-nos a pensar seriamente – os monumentos foram barbaramente destruídos, mas o historiador que melhor conhecia essas preciosidades também foi morto. Afinal, só as pedras vivas, as pessoas, é que poderão dar força, valor e significado às pedras mortas. Eis por que razão a mobilização das escolas, dos alunos, dos professores e das famílias constitui a melhor marca de perenidade para esta iniciativa. O outro lado do Património tem a ver com a necessidade de irmos ao encontro da História e das Humanidades, no mais rico sentido de enriquecimento mútuo pelas diferenças…Assim continuaremos a criar condições para formar e mobilizar cada vez melhores educadores, investigadores e técnicos, sobretudo cada vez melhores cidadãos ativos, capazes de tornar o património cultural potenciador de desenvolvimento humano.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
Nota: por excepção, propositadamente, para não retirar um átomo ao horror que é assistir à demolição do Português por um fundamentalista, transcrevo a versão abrisileirada do original, conforme foi escrita pelo autor, pessoa raladíssima, segundo diz, com a “destruição do património” (com maiúscula inicial e tudo).
Imagem de topo de: “O Globo” (Brasil) – copyright JOSEPH EID / AFP