Dia: 15 de Maio, 2018

Um abracinho, “viu”?

À laia de suplemento, este artigo de Miguel Sousa Tavares, publicado há mais de 18 anos, completa na perfeição o “post” anterior sobre Caetano Veloso e a sua recente “conversão” (?) à verdade histórica. Esperemos agora ouvir, na primeira pessoa, a devida retractação pública por parte deste (por vezes) zangadíssimo cantor. Puxemos cada qual de sua cadeira, por conseguinte, para que possamos esperar sentados.
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«Mas não vejo porque é que nós, por razões diplomaticamente correctas, haveremos de ficar envergonhadamente calados, a mendigar que venha comemorar connosco quem acha que não fomos mais do que uns facínoras – como já sucedeu com a Índia, nas comemorações da viagem do Gama. Se o Brasil entende que Portugal é a mancha na sua História, paciência. É como se nós nos lembrássemos de repudiar a nossa herança romana ou árabe: o ridículo seria só nosso.»
Miguel Sousa Tavares

Desculpem lá o Cabral

“Público”, 3 de Março de 2000

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“Se Caetano (Veloso) levanta a voz contra os desmandos dos colonos portugueses, o nosso coração confusamente imperialista sobressalta-se” – escreveu António Mega Ferreira, aqui, na segunda-feira passada, numa muito interessante reflexão sobre este equívoco luso-brasileiro, que a mim também me dá muito que pensar.

Tal como vejo as coisas, há duas atitudes habituais, do lado de cá, e ambas são causa de ilusões: uma, é a tal nostalgia imperial, que talvez seja uma fatalidade de quem algum dia foi Império, e que, na prática, se traduz em alguns desejos tidos como verdades de todos os tempos, tais como a ficção do “país-irmão” ou a presunção de que os brasileiros, só porque falam a mesma língua, hão-de gostar tanto de nós quanto nós gostamos deles; outra, é uma subserviência institucional perante o Brasil, da parte de alguns “abrasileirados oficiosos”.

A questão próxima – as declarações de Caetano Veloso – é apenas um detalhe, mas o detalhe é elucidativo. Preparava-me eu, entusiasmado, para ir a correr comprar bilhete para o espectáculo de Caetano no Parque das Nações, quando dei comigo a pensar se estaria certo ir a um concerto comemorativo dos 500 anos da descoberta do Brasil, ouvir um brasileiro que afirma que “o que Portugal veio fazer ao Brasil foi sugar, sugar, sugar e matar índios.” Se isto é o que ele pensa que Portugal foi fazer ao Brasil, a pergunta óbvia é o que vem ele fazer a Portugal. E como é que nós nos sentiremos a aplaudi-lo no Parque das Nações? Eu sinto-me mal.

Talvez conviesse começar por explicar aos brasileiros que o que se comemora para o mês que vem é apenas a viagem de Cabral: o que Portugal foi fazer ao Brasil, em 1500, foi a descoberta daquilo que existia para lá do imenso “mar oceano”. É isso que está escrito num dos mais belos textos desta nossa língua comum, verdadeiro acto fundador do Brasil, que é a carta de Pero Vaz de Caminha. Compreendo que os índios brasileiros não estejam entusiasmados com a perspectiva de verem comemorada a sua “descoberta”. Compreendo pior que vagamente crioulos, como Caetano Veloso, se juntem ao protesto. Mas o que não consigo acreditar é que haja um só ser inteligente no Brasil que reduza o significado do acto científico, histórico e cultural da descoberta do Brasil à matança de índios ou ao saque do ouro de Minas. Falando claro: morreram mais índios na Amazónia, por acção dos brasileiros, nos últimos 30 anos do que morreram nos 300 anos de colonização portuguesa; e sai mais ouro da Amazónia, numa semana, do que tudo o que Portugal de lá tirou durante três séculos.

Já vi este tipo de argumentação, sobre o extermínio dos índios pelos colonizadores portugueses e espanhóis, usado várias vezes e sobretudo por historiadores anglo-saxónicos. Mas, curiosamente, onde Portugal e Castela estiveram, sobravam e sobram nativos e por onde passaram os outros, não sobra nada. A verdade é que há sempre dois lados para ver a mesma história: o Portugal que matou índios brasileiros também foi o Portugal que lá teve um padre Vieira ou o Portugal que aqui tinha um primeiro-ministro, chamado Pombal, que publicou decretos concedendo terras, dinheiro e alfaias aos colonos portugueses que se casassem com índias (com os sacramentos da Santa Madre Igreja e tudo) e se fixassem no território – com isso fixando as fronteiras que o Brasil independente herdaria e de que goza até hoje.

Decerto que cometemos muitos e vastos crimes de colonização, dos quais o pior de todos foi a escravatura de negros levados de África para o Brasil. Mas não há nada de mais falacioso do que julgar a História pelos padrões éticos contemporâneos. Se o critério fosse aplicável universalmente, nada mais restaria da História da Humanidade do que um imenso e incompreensível relato de barbaridades. Os negros que levámos como escravos para o Brasil são hoje uma parte substancial dos brasileiros. Podemos ficar eternamente a lembrar e a pedir perdão por esse crime, também ele fundador do Brasil. Mas talvez que para os actuais brasileiros descendentes dos escravos da costa ocidental de África fosse mais útil a interrogação sobre os motivos por que, fora do futebol e do samba, não existe hoje um só negro em posição de destaque na vida brasileira (tirando o infeliz prefeito de São Paulo, criatura política do sr. Paulo Maluf).

Sinceramente, não sinto aquilo que Mega Ferreira refere como a incapacidade de Portugal ou os portugueses se “refazerem da perda daquele pedaço precioso de Império”. Primeiro que tudo, porque, por maior que seja a tal nostalgia imperial, não acredito e não sinto que o vírus permaneça vivo quase 200 anos. Depois, porque, tendo feito a minha descoberta do Brasil, como quase todos os portugueses, pelo eixo Rio-São Paulo, não senti que naquela fantástica civilização de cidades e praias houvesse, fosse a que nível fosse, o mais leve vestígio da nossa marca. Pelo contrário, sempre achei que o Brasil é um país à parte, não apenas totalmente diferente de Portugal, como de qualquer outro país que eu conheça. Só mais tarde, viajando pelo Nordeste, Norte e Amazónia, é que comecei a dar-me conta do que terá sido a dimensão da empreitada lusitana naquele continente. E, certamente não por coincidência, foi quando comecei a descobrir também as teses de alguns intelectuais brasileiros, como João Ubaldo Ribeiro, que tendem a reduzir a colonização portuguesa aos seus crimes e que ensaiam a justificação dos males actuais de que o Brasil padece com a herança da colonização portuguesa. Simplificando, a história terá sido assim: até 1820, Portugal explorou, saqueou, matou, destruiu. Do “grito de Ipiranga” para cá, “o povo brasileiro” (do qual, estranhamente desaparecera, com a partida de D. Pedro IV para Portugal, qualquer cromossoma português), tem-se esforçado para das ruínas erguer um país.

De tão absurda, esta versão histórica tem qualquer coisa de patológico. O Brasil foi descoberto há 500 anos, é independente há quase 200: estamos a falar de uma eternidade, em termos de construção de um país, para mais tão rico como o Brasil. Ocorre lembrar que, no mesmo ano em que a América foi descoberta se pôs fim à ocupação árabe da Península. Lembraria a algum espanhol ou português, mesmo que grosseiramente ignorante, lastimar-se hoje da herança dos mouros?

Há, nestas atitudes, uma verdadeira tentativa de reescrever a História: como não se pode apagar o facto de o Brasil ter sido descoberto e colonizado pelos portugueses (apesar de ter sido a única colónia, desde o Império Romano do Oriente, que chegou a ser sede do império), é como se fosse forçoso e patriótico abjurar esse passado. Mas, pese a alguns brasileiros, não foi a Inglaterra, nem a França ou a Holanda, nem sequer a Espanha, a matriz europeia do Brasil: foi um pequeníssimo e insignificante país, hoje como ontem, quem se lançou nessa desmedida aventura, muito para além do imaginável.

Quando hoje, por exemplo, a maior reserva de riquezas naturais do Brasil é constituída pela imensa superfície da Amazónia, talvez os brasileiros não saibam que devem a sua posse ao tal Pombal, que no seu gabinete no Paço, para lá mandou um tal Luís de Albuquerque com a missão de construir sete fortes que constituíssem a linha de fronteira defensiva da Amazónia e o símbolo da soberania brasileira em todo o território virgem. E talvez não saibam que alguns desses fortes, como o do Príncipe da Beira, no Acre, foram erguidos com pedras de granito levadas de Portugal por mar, transportadas de barco Amazonas acima e carregadas por homens e animais, selva adentro, numa desumana empreitada que hoje ninguém se atreveria a repetir. Tanto que, pelo menos, um desses fortes era, há uns anos atrás, ocupado pelo Exército brasileiro com a mesmíssima missão para que o Marquês de Pombal o mandou fazer.

(mais…)

Odiar pelos dois

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Novembro 1999

Caetano Veloso acha que “a colonização portuguesa foi a pior coisa” que alguém pode imaginar. Em entrevista ao jornal português “Expresso”, concedida na semana passada, em Londres, o cantor e compositor disse que os portugueses só foram ao Brasil, “lugar que não lhes interessava nada”, para “sugar, sugar, sugar o que fosse possível e matar os índios”.
No entender do compositor, a colonização do Brasil por Portugal “foi o oposto dos EUA, para onde alguns ingleses foram para criar um país melhor”.
“Bom, os ingleses são melhores a matar índio e a discriminar preto do que os portugueses. Porém, os ingleses criaram na América uma sociedade nova, melhor e mais justa”, disse.»

“Folha de S. Paulo”, 17.11.99


Agosto 2012

(…)
E deixe os Portugais morrerem à míngua
Minha pátria é minha língua
Fala Mangueira! Fala!
Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?(…)Letra: Língua – Caetano Veloso

CaetanoVelosoVEVO, 13.08.12

 


Maio 2018

https://youtu.be/SbKJGCFEVuA

Imagem de topo: recorte de original © RegionalPress/DR publicado no “JM Madeira”

Diz que a Guiné Equatorial não quer promover o “brasileiro”…

Esta notícia da Agência Brasilusa, reproduzida pelo pasquim acordista “Diário de Notícias”, é aqui transcrita (sem vénia alguma, dados os créditos expressos) mas a transcrição carece de nota prévia.

A ortografia do original foi, como é costume neste sítio optimamente frequentado onde a escrita é escorreita, corrigida automaticamente pela solução Firefox contra o AO90. Porém, lamentável e inevitavelmente, os demais erros de Português “plasmados” na dita notícia (“enveredar esforços”, eheheheheheh, mas que cromos) não podem ser rectificados.

Guiné Equatorial não mostra vontade de promover português – Conselho Científico do IILP

 

A recém-eleita presidente do conselho científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), a portuguesa Margarita Correia, afirmou hoje que “não tem sido muito visível a vontade” da Guiné Equatorial para difundir o português no país.

Não temos tido a participação dos membros da Guiné Equatorial nas reuniões do conselho científico do IILP. Não posso avaliar dessa vontade, na medida em que, pelo menos, ela não tem sido muito visível”, disse à Lusa a linguista e professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que foi eleita na semana passada presidente, até 2020, do conselho científico do IILP, organismo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) para a promoção e desenvolvimento do português.

A responsável sublinhou que a organização “está consciente e disponível para enveredar esforços para que o português venha a ter outra representatividade na Guiné Equatorial, assim as autoridades do país o desejem”.

“O IILP tem perfeita consciência das suas responsabilidades, mas também das suas possibilidades”, afirmou, recordando que o trabalho é desenvolvido a nível multilateral.

A especialista defendeu que “tem de haver um esforço também da própria CPLP, isso tem de ser reforçado”, sublinhando que “a difusão e desenvolvimento do português na Guiné Equatorial também tem de resultar de vontade política, e essa vontade política não diz respeito ao IILP, mas é assumida por outros órgãos da CPLP“.

Margarita Correia ressalvou que têm havido apoios de Portugal e do Brasil à promoção do português na Guiné Equatorial, um compromisso da adesão desta antiga colónia espanhola quando aderiu à CPLP, em 2014, quando tornou a língua portuguesa como uma das línguas oficiais, a par do espanhol e do francês.

Na reunião do conselho científico realizado na semana passada, na Cidade da Praia, em Cabo Verde, “foi manifestado apoio à elaboração de um projecto multilateral sobre a promoção da língua portuguesa na Guiné Equatorial no seguimento do pedido feito pelo secretariado executivo da CPLP”, refere o comunicado final do encontro.

Questionada sobre as suas prioridades no IILP, a responsável comentou que o organismo tem “normalmente muitas dificuldades de financiamento”, pelo que vai empenhar-se na procura das “melhores soluções para vencer as dificuldades”.

Mais uma vez, a professora advoga que a CPLP deve “repensar a solução do IILP e dotá-lo dos meios necessários e suficientes para que possa cumprir a função que a CPLP exige dele e que tem vindo a ser reconhecida e reforçada ao longo dos anos, mas sem que isso corresponda até agora a um reforço da estrutura e do financiamento do IILP“.

Na reunião da semana passada, em que não participaram representantes das comissões nacionais da Guiné Equatorial nem da Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe entregou o Vocabulário Ortográfico Nacional (VON), que será integrado “tão depressa quanto possível” na Plataforma do Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (VOC).

“Temos seis VON já prontos e faltam os de Angola e Guiné-Bissau”, comentou Margarita Correia, que recordou que Luanda “tem vindo a anunciar a realização do seu Vocabulário Ortográfico Nacional”.

“A Guiné-Bissau tem estado numa situação mais instável e esperamos que possa voltar ao nosso convívio e desenvolver os seus trabalhos”, referiu.

O VOC é um instrumento previsto no âmbito do acordo ortográfico e pretende fazer o levantamento das palavras em uso nos países da CPLP.

Na reunião do conselho científico, “foi reconhecido, relativamente à substituição da direcção executiva do IILP, o direito de a Guiné-Bissau apresentar um candidato ao cargo”.

A actual directora executiva é a moçambicana Marisa Mendonça.

O IILP tem sede na cidade da Praia desde a sua criação, em 2002.

[Transcrição integral de “Internacional – Guiné Equatorial não mostra vontade de promover português – Conselho Científico do IILP”, jornal “DN”/Lusa, 14.05.18. Destaques, sublinhados e “links” de minha responsabilidade. Imagem de topo de: Imagem de topo (extraída da página Wiki “Corruption in Equatorial Guinea“: By Rodrigues Pozzebom/ABr – Agência Brasil, 1650FRP051.jpg, CC BY 3.0 br, Link]