«The United Nations also joined the celebrations with an event for more than 200 hundred participants, including the president of the General Assembly, the General Secretary of UN, and the former president of Timor-Leste, Nobel Peace Prize winner Jose Ramos-Horta. The event had a Brazilian band playing songs from all Portuguese-speaking countries, food prepared by a Portuguese chef and décor inspired on Timorese art.»
Isto significa, to make a long story short, que o evento do 5 de “maio” foi promovido, organizado e — muito provavelmente — pago pelo Brasil.
“Muito provavelmente”? Sim, muito provavelmente.
Já vimos que há eventos pagos na nova-iorquina sede das Nações Unidas. O cartaz da CPLP a publicitar o evento até indica o preço do “snack de almoço”: 10 dólares americanos (“reserva prévia“).
Mas a pagantimus não são apenas as patuscadas (com ou sem “snack”) deste género, “nos jardins” ou no interior do edifício-sede da ONU; há outros tipos de eventos (claro, os americanos são tramados para o negócio) e não custa nada (pois sim, para variar, isto ainda é grátis) procurá-los no “site” das Nações Unidas. Por exemplo, os briefings também estão devidamente tabelados pela mundial Organização e palpita-me que os respectivos preços até são bastante em conta.
Uma outra secção (com alguma piada, parece-me) onde aparecem uns preços jeitosos é a dos “tickets”. Confesso que desconhecia ser necessário pagar bilhete de entrada no quartel-general da ONU para ver uns senhores muito circunspectos a governar o mundo, assim como quem vai a Sete Rios para ver o elefante a tocar o badalo, mas é bem verdade que andamos cá para aprender mais um bocadinho todos os dias.
Curiosidade acessória, ainda nesta visita virtual (é o que se arranja, o orçamento não estica, de momento não me dá muito jeito ir à América conferir pessoalmente estas “info”), é o nível de detalhe a que chegam os trâmites de pagamento para as “visitas em grupo” (grandes grupos, salvo seja):
«Large groups payments
We accept payment via credit card through our on-line vendor. If we assist you over the telephone with a credit card payment, a $5.00 agent’s fee per reservation will be added.
Otherwise, payment can be made with a company, organization, or school cheque (no personal cheques), or (international) money order. We do not accept purchase orders. Once we identify an available date/time slot and you accept, we will email you an invoice within two business days in order to make payment arrangements. Your payment must be received within 15 days of the confirmed reservation or your reservation will be cancelled.
If you would like to book your tour directly with us, please read the Group Reservations Policy and afterwards complete the Group Reservations Form for 40 persons or more.»
Ora, assim sendo, não se passará nada de estranho no facto de o evento comemorativo do dia da língua de vaca (e da cultura do feijão) ter custado umas lecas valentes a alguém, subentendendo-se neste pronome indefinido (e vago) que não terá evidentemente sido uma só pessoa, mas sim uma organização ou entidade concreta (e definida) a abrir os cordões à bolsa para o efeito. Aposto, como já disse, em que terá sido a Embaixada do Brasil a pagar a conta, ou então, quem sabe, a guita poderá ter saído dos “cofres” da CPLP (igualmente paga pelo Brasil, vem a dar no mesmo), mas não me parece — a julgar pela propaganda oficial evidenciada — que os demais países da “comunidade” tenham também inchado com alguma coisinha em metal sonante. A CPLP, propriamente dita, como aliás faz parte do seu código genético, teve uns figurantes a circular por entre os convidados (e os penetras), tentando conferir algum lustro formal ao ridículo evento brasileirófono.
Veja-se, na mesma linha do anterior, este outro vídeo — de igual amadorismo e também recheado de mentirolas avulsas — obscenamente publicitado como sendo “das Nações Unidas”.
Impressionante. No exacto momento em que escrevo isto, a gravação “das Nações Unidas” regista 113 visualizações. Caramba! 113 seres humanos, dos quais pelo menos 113 são cidadãos “lusófonos”, viram aquela “peça”! Como dizem os brasileiros, “uau”! Isto as “Nações Unidas”, ou ele há poucas nações ou ele são pouco unidas. O “apresentador”, com seu quê de cómico (bem, deve ser só impressão minha mas acho que o bacano viu-se aflito para não desatar a rir com aquela palhaçada toda), chega ao ponto de dizer que [quote] esta é já considerada a maior celebração que alguma vez já houve aqui na Organização [unquote]. Fantástico. Os meus agradecimentos ao canal brasileiro “ONU News” pelo seu extraordinário sentido de humor, eheheheheheh, fartei-me de rir.
Enfim, anedotas à parte, esforcemo-nos por não brincar com coisas sérias, (“a maior celebração que…” AHAHAHAHAHAHAHAH, ahrhum, peço desculpa), aqui o caso é — sumariando o já exposto — que tudo estaria nos conformes caso a patuscada paga pelo Itamaraty:
a) Não tivesse sido falsamente divulgada como sendo a comemoração de um (inexistente) “Dia da Língua Portuguesa na ONU”.
b) Não tivesse sido falsamente publicitada como sendo uma cerimónia oficial “das Nações Unidas”, patrocinada e organizada pela própria ONU.
c) Não tivesse sido falsamente anunciada a presença do Secretário-Geral das Nações Unidas, enquanto tal, isto é, no exercício das suas funções institucionais, naquele evento particular estranho à ONU.
d) Não tivesse sido falsamente difundida como de carácter oficial a intervenção oral do Sr. Eng. António Guterres naquele evento particular.
Poderão quiçá interrogar-se alguns, se calhar com surpresa: mas porque não? Não pode o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas participar num evento privado?
Ah, mas por quem sois, é claro que pode! O senhor até pode comparecer numa sardinhada e enfrascar-se em carrascão, se lhe apetecer e lhe der na ocasião a fome ou a sede. Quem sou eu, valha-me Deus, para estar aqui a debitar palpites de moral e bons costumes. Não é disso que se trata, claro. De todo.
Do que se trata aqui, e nesta matéria limito-me, como qualquer outro cidadão, a formular uma opinião, é que a questão extravasa largamente a esfera pessoal, logo, privada — trata-se nitidamente de um caso que remete para o âmbito institucional, logo, político.
António Guterres pode fazer tudo aquilo que lhe der na real gana enquanto cidadão. O Secretário-Geral das Nações Unidas não pode fazer nada do que lhe der na real gana.
Portanto, o cidadão Guterres pode ir a um evento particular e ali dizer o que entender.
Mas o Secretário-Geral da ONU, cargo que transitoriamente o cidadão Guterres ocupa, não pode emprestar o peso institucional e político do seu cargo para apoiar determinada tendência de opinião, patrocinar uma organização (em) particular ou de alguma forma privilegiar um qualquer evento em detrimento de outros similares ou congéneres.