As variações da mentira – IV

 

Os homens são tão ingénuos e tão conformados com as necessidades do momento,
que quem engana encontrará sempre quem se deixe enganar.

Nicolau Maquiavel

E pronto, finalmente — ou felizmente — aqui termina a excruciante empreitada. São só mais estas cinco inverdades, apelemos a que não nos falhe agora o caparro para aguentá-las, cumpramos a função até ao fim com o sentimento de uma espécie de dever cumprido (e comprido).

Todas as inverdades aqui arroladas têm apenas três “respostas”, em jeito de A-B-C da desmontagem, mas bem poderiam ter pelo menos mais três, o C-D-E do contra, e na maioria dos casos até poderíamos chegar à alínea Z, tal é a quantidade e a variedade das observações factuais que esplendidamente rebentam com qualquer das tangas acordistas.

Das quais coleccionámos assim uma série de 20, tantas quantas as fracções de um bilhete de lotaria, mas também estas poderiam ser bastante mais, já que são virtualmente infinitas as variações do tema, essa colossal mentira de Estado que políticos e mercenários tentam enfiar-nos meninges adentro.

Aqui ficam, portanto, as variações da mentira, 20 fracções a sortear da “Pseudologia Fantastica“, uma estranha patologia mental com que alguns afectados tentam pôr-nos a cabeça a andar à roda. Só que esta lotaria não dá prémio, dá castigo.

Mas sai sempre.

 

16. O AO90 não é uma imposição do Brasil. Impostura.
«Há uma minoria ruidosa que ainda contesta o Acordo. Seu argumento principal é de que se tratou de uma imposição do Brasil. Obviamente, esse argumento é falso e, por isso mesmo, todas as instâncias decisórias do Estado português vêm negando sistematicamente acolher qualquer das diversas tentativas dessa minoria no sentido de desvincular Portugal do Acordo. Lá como aqui a implantação é irreversível.»  [Carlos Alberto Faraco, “Parábola Editorial” (Brasil), 06.2014] Impostura.

a) «O Acordo é importante para afirmar o óbvio: os destinos da língua portuguesa, daqui para a frente, serão ditados pelo Brasil, como potência econômica emergente e como ator destacado na geopolítica mundial.» [Marcos Bagno, revista “Êxito na Educação” (Brasil), 04.2013]
b) «Como a lógica do acordo é brasileira, poucas foram as modificações graves para a língua do Brasil. A retirada das consoantes mudas, por exemplo, foram uma alteração pequena para os brasileiros, mas muito grande para os portugueses.» [Marcos Nunes Carreiro, “Jornal Opção” (Brasil), 07.2016]
c) «O Brasil, digo-o da minha experiência, não é um país que possa ser analisado com visões de tipo europeísta. O Brasil não vai cumprir seja o que for que não lhe interesse. Dizer que o Brasil cedeu alguma coisa é de uma hipocrisia total.» [Artur Anselmo Soares, “Público”, 12.2016]

17. Com o AO90 os estrangeiros têm maior facilidade em aprender “português”. Trapaça.
«Ademais, a uniformização das normas ortográficas contribui para a internacionalização do português ao reduzir os custos de sua transformação para língua de trabalho ou oficial em organismos internacionais. Ademais, propicia sua disseminação em sistemas de comunicação globais, como a Internet; possibilita a circulação de bens culturais entre os países de língua portuguesa, num espaço ampliado, com mais de 250 milhões de pessoas; e favorece o seu ensino como língua estrangeira ao reduzir a discrepância entre suas variantes.
» [Embaixador do Brasil, “Público”, 02.2016] Trapaça.

a) «Os criadores e propagadores do AO, como qualquer bom vendedor de banha da cobra, juram e ‘trejuram’ que o dito cujo é bom para tudo; vai ser decisivo para a maior divulgação dos autores portugueses no mundo; vai facilitar a aprendizagem da leitura e da escrita; vai projectar a língua portuguesa no plano internacional.» [Olga Rodrigues, 09.2016]
b) «O Acordo é “um erro crasso” que está “a prejudicar fortemente os alunos, portugueses e estrangeiros, que aprendem mal a sua língua materna ou língua segunda, respectivamente“.» [Maria do Carmo Vieira, “Fronteiras XXI”, 05.2018]
c)«O que se pressupunha que iria unir a grafia em português, nunca se irá concretizar, tal como a maior difusão internacional da Língua Portuguesa e uma maior facilidade da aprendizagem para o próprio idioma. Para que serviu afinal o Acordo Ortográfico?» [Wa Zani, “Jornal de Angola”, 08.2014]

18. Só os saudosistas, velhos e reaccionários são contra o AO90. Peta.
«De resto, o que a língua ganha ou perde? Nada. Tirando alguns saudosistas que sofrerão por muito tempo com a queda do trema na linguiça, a língua não mudou. O que mudou foi a ortografia, o sistema de representação escrita.» Peta.

a) «É preferível aprender com todo este processo, estudá-lo, sair do Acordo Ortográfico e devolver a discussão – ou melhor, dar finalmente a discussão – à comunidade científica e literária na definição de objectivos e princípios de partida para uma nova negociação das bases e termos de um Acordo Ortográfico, assim seja entendida a sua necessidade, junto dos restantes países da CPLP.» [PCP, 02.2018]
b) «Devemos, portanto, como bons patriotas, celebrar a diversidade da nossa língua, e não uniformizá-la, rejeitando qualquer tipo de eugenia linguística sumária originada num decreto que não simplifica, não unifica e muito menos une!» [Juventude Popular, 05.2018]
c) «Estou no 11º ano, comecei agora o ano lectivo e todos os dias entro em “luta” com a minha professora português por causa deste assunto. Todos os professores parecem submissos e conformados, mas eu simplesmente não me consigo conformar e faz-me ainda mais confusão a posição dos professores (especialmente os de português) em relação a isto.» [Maria (merry_a_22@hotmail.com), 09.2011]

19. O AO90 apenas afecta a escrita, não a pronúncia. Engano.
«Um acordo ortográfico em nada influi diretamente no funcionamento de uma língua. Uma língua e seu sistema de escrita são duas entidades diferentes, de naturezas diferentes.» [“Gazeta do Povo” (Brasil), 05.2018] Engano.

a) «(…) em Portugal fala-se um português com “típico fechamento de vogais”, o que “pode levar à incompreensão entre falantes de duas variantes da mesma língua”» [Augusto Santos Silva, MNE, “Jornal de Negócios”, 11.2016]
b) «Não é possível chegar-se a um acordo perfeito porque 100 anos de ‘guerra ortográfica’ geraram muitas diferenças assentes em pronúncias também diferentes. E portanto como unificar? Impossível, temos de consagrar a dupla grafia.» [João Malaca Casteleiro, “JN”, 05.2011]
c) «É imperativo que o Ministério da Educação, concertado com o Mistério da Cultura e dos Negócios Estrangeiros – assim poderíamos talvez compreender uma expressão tão vaga quanto essa estafada expressão de “política da língua” – cesse, elimine, acabe de vez com a ilegalidade de facultar aos nossos alunos uma ortografia que conduz a permanentes erros de interpretação, de pronúncia e de morfologia.» [António Carlos Cortez, “Público, 05.2016]

20. As “regras” do AO90 aprendem-se “em meia hora”. Invenção.
«Contrariamente ao muito que se diz por aí, as alterações que vão ser introduzidas são muito poucas e julgo que basta uma meia hora para os professores aprenderem as novas regras. E depois é aplicá-las.» [Paulo Feytor Pinto, “Diário Digital”, 09.2009] Invenção.

a)«As asneiras (…) citadas não foram detectadas em meros, modestos, blogs ou páginas de Facebook de jovens ortograficamente inexperientes, iliteratos e ignorantes. Estavam e estão em sítios oficiais de importantes instituições e empresas, públicas e privadas, incluindo estabelecimentos de ensino superior e órgãos de comunicação social.» [Octávio dos Santos, “Público”, 03.2015]
b) «Este é mesmo um entrave ao ensino da língua. Acusa o Acordo de gerar “o caos e a insegurança ortográficos, na Escola e na sociedade, em geral, constituindo um atentado à qualidade do ensino e a uma aprendizagem inteligente”. Dá como exemplo a “impossibilidade de responder a dúvidas dos alunos sobre as aberrações que o AO 90 trouxe, a delirante elisão de consoantes, seja ‘c’ ou ‘p’ ou outras, ultrapassando o estipulado pelo próprio acordo, a insensatez das facultatividades, o desnorte na omissão de acentos provocando equívocos vários, a confusão no tira e põe de hífens”.»  [Maria do Carmo Vieira, “Fronteiras XXI”, 05.2018]
c) «Um aluno que não domine a nova ortografia e escreva “efectiva” em vez de “efetiva, “pára” em vez de “para” ou “acção” em vez de “ação” por exemplo, pode perder “entre quatro a cinco valores em 20, segundo a presidente da APP. O que, admite Edviges Ferreira, tem consequências potencialmente graves, nomeadamente no que respeita à nota final e ao acesso ao ensino superior.» [Edviges Ferreira, “Público”, 03.2015]