Dia: 4 de Julho, 2018

11. Não discutirás com idiotas

Não adianta, pelos vistos, insistir na tremenda inutilidade que é esgrimir com acordistas argumentos “técnicos” a respeito de um assunto que de técnico nada tem. Alguns deles — os que não são perfeitos imbecis — agradecem a deferência e assim, fazendo resvalar a “conversa” para o campo da ortografia, quando o AO90 não tem absolutamente nada a ver com ortografia, disfarçam o carácter exclusivamente político da questão: para cada um dos exemplos citados pelos anti-acordistas que se deixam enredar neste “diálogo” de surdos, é claro, os acordistas citam logo três ou quatro outros exemplos para derrotar — por vezes “tecnicamente” bem, o que pouco ou nada importa para o caso — os apontados pelos “contristas” como sendo “verdadeiras aberrações” ou “contradições flagrantes”.

Ora, como sabemos, o AO90 é uma verdadeira aberração, de cabo a rabo, e não passa, todo ele, de uma flagrante contradição: ninguém o pediu nem a alguém jamais ocorreu a mais ínfima necessidade de tal coisa mas fizeram-no à mesma e impõem-no selvaticamente; não veio resolver problema algum e, pelo contrário, inventou novos (e enormes) problemas onde não existia um único; tenta justificar-se com uma pretensa “simplificação” mas apenas gerou instabilidade, anarquia, o caos total; garantia a “unificação da língua” mas tornou ainda mais díspares as duas variantes… que se transformaram em quatro; pretendia ser um instrumento de “difusão” do Português mas o que se verifica é mais do mesmo, ou seja, “difusão” nenhuma, quando não sucede precisamente o contrário. E por aí fora, são sobejamente conhecidos os factos que explicam o estado a que isto chegou

O que aliás torna ainda mais incompreensível que alguém conceda alguma espécie de crédito “científico” ao acordismo (um fenómeno político normal que se designa como “geopolítica”) e aos acordistas (um fenómeno social paranormal a que se chama “ganância”).

É que tal concessão de credibilidade implica um custo exorbitante, isto é, o luxo a que se dão alguns acaba por sair caríssimo a todos os demais: os membros da seita acordista conseguem, pela via “dialogante” aberta por certos opositores, matar logo dois coelhos de uma cajadada só, transformando uma inacreditável aldrabice numa coisa que até parece ser meramente “técnica” e escamoteando aquilo que de facto está em causa.

Pior: não apenas abatem de imediato um par de coelhos, inteiramente grátis, como — para cúmulo — em simultâneo fazem passar de si mesmos, acordistas empedernidos, ferozes e brutalmente comprometidos, a impressão de que afinal são pessoas condescendentes, tolerantes, até “democratas”.

Nada mais falso, bem entendido. Essas aparentes tolerância e condescendência dos acordistas não passam de puro cinismo (na variante “esperteza saloia”), uma forma de traiçoeiramente esconder da opinião pública a real essência do AO90, ou seja, que se trata de um mero expediente político para justificar o injustificável, um  pretexto verborreico para “explicar” as ânsias expansionistas de um “país-continente”. Por isto mesmo já nem se coíbem de aberta e descaradamente tratar a Língua como um bem transaccionável, exportável, vendável, falando do “valor económico do português” enquanto “facilitador de negócios” e enormidades quejandas. 

Nem todos os agentes acordistas são simples comerciantes, mercadores, vendilhões ou traficantes da Língua, porém. Há uns quantos que se limitam a fazer o papel de idiotas úteis, papagueando as bojardas que interessam aos verdadeiros “donos da língua” —  que o assunto fique, muito bem tapado por uma mortalha palavrosa, enterrado no mofo das academias ou, quando muito, encapsulado nos minúsculos guetos onde “técnicos”  discutem com os botões uns dos outros se os anjos serão meninos ou meninas.

A favor do AO90

Resposta ao núcleo do artigo de Nuno Pacheco, publicado a 21 de Junho, com o título “Ficou a Academia, foi-se o bom senso”.

Ludgero Basto
“Público”, 04.07.08

Irrita-me e enerva-me ninguém responder aos sucessivos, insistentes e entediantes artigos de opinião contra o AO90. Em regra, são escritos por jornalistas e escritores porque têm acesso natural aos media e os leitores são levados a pensar: “se estes tipos dizem isto e são jornalistas e escritores, eles, que usam intensivamente a escrita, devem ter razão.”

Penso que o que move estes jornalistas e escritores é principalmente aquilo que alguns já tiveram o dislate de dizer: “Deu-me tanto trabalho aprender a escrever corretamente (eles escrevem correctamente) a nossa querida língua e agora estes gajos mudam tudo, bolas!” (alguns até levaram reguadas por omitirem o c em reta ou em direto).

Segue a transcrição das alterações ao AO90 que Nuno Pacheco considera de “elementar bom senso” intercaladas com os meus comentários: “Mesmo duvidando que um texto tão tecnicamente mal feito e tão prejudicial possa alguma vez ser ‘aprimorado’, as sugestões dadas pela Academia das Ciências de Lisboa respeitavam o mais elementar bom senso.”

1. Pára, péla, pêlo, pôr, pôde, dêmos eram acentuados (diferenciando-se assim de para, pela, pelo, por, pode, demos);

Podíamos acrescentar: colhér, séde, gósto, fórça, bóla, prégar, segrédo, almóço, acórdo (diferenciando-se assim de colher, sede, gosto, força, bola, pregar, segredo, almoço, acordo)

2. Crêem, vêem e lêem recuperariam os respectivos circunflexos;

Que falta faz aqui a acentuação com os circunflexos?

3. A terminação –ámos (pretérito) voltava a ser acentuada, para se distinguir, no tempo verbal, de –amos (presente);

Concordo com esta alteração, ficando esta como a única exceção à regra de não acentuação das palavras graves.

4. Acepção, corrector, espectador e óptica voltariam a imperar sobre aceção, corretor, espetador e ótica;

A mesma questão que se põe no ponto 1. Aqui o c e o p servem para abrir a vogal anterior exceto em óptica, que nem para isso serve.

Neste ponto, é frequente encontrar o argumento “que se perde a etimologia… e dão como exemplo Egito versus Egípcio”. Pois, mas isso é a evolução normal, também nudo em latim deu nu apesar de o d continuar presente em nudismo.

5. Palavras inventadas como interrutor ou concetível seriam abolidas, restaurando-se interruptor ou conceptível;

Concordo com a dupla grafia. Se os brasileiros dizem interrutor e nós dizemos interruptor, por que não havemos de escrever em concordância?

6. Voltava a olhar-se para o hífen com lógica científica, usando-o “nas combinações vocabulares que formem verdadeiras unidades semânticas” (água-de-colónia, braço-de-ferro, pé-de-meia, etc.) e nas expressões onde a soma dos elementos forma sentido único (faz-de-conta, maria-vai-com-as-outras);

Não tenho preferência: digam-me como se deve escrever, eu seguirei a regra estabelecida.

 

Transcrito de: https://www.publico.pt/2018/07/04/opiniao/opiniao/a-favor-do-ao90-1836805