Uma notícia absolutamente surpreendente. De todo incompreensível, até, sobretudo em certas formulações ou expressões utilizadas para transmitir um conteúdo noticioso afinal bem simples, muitíssimo inteligível em toda a sua extensão de mesquinhez, hipocrisia e ganância: Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos (“nome de guerra”, Pepetela) é um cidadão angolano que se manifesta “contra o acordo ortográfico”… desde que isso não lhe custe nem um cêntimo.
A julgar pelas suas próprias (espantosas) declarações ao “Jornal de Angola”, ao longo das quais confunde sistematicamente “português falado” com “português escrito”, Pepetela acha que os custos de edição e publicação de um livro são encargo do autor desse livro e não da editora que o edita, publica, promove e distribui. Portanto, diz o “nome de guerra”, «fica menos onerosa a publicação de livros na nova versão do português do que na anterior. Fazendo uma edição especial só para Angola fica mais caro.»
Bom, assim sendo, admitamos que o autor terá falado, se calhar, com o contabilista da editora, tendo este aventado algo como “eh, pá, tu não te metas nisso, olha que os C e os P agora saem caríssimos”, então teremos de admitir concomitantemente que o cidadão angolano Artur Santos — vice-ministro da Educação do Governo angolano em 1975 — e o escritor Pepetela — Prémio Pessoa, 1997 — terão ambos assinado um muito esquisito contrato de exclusividade com a editora portuguesa Dom Quixote; o qual (esquisito) contrato deverá ter transitado para o super-grupo editorial Leya, o supra-sumo das vendas de papel impresso Brasil/Portugal, o nec plus ultra, em suma, do acordismo panfletário.
Talvez estas “connections” expliquem muita coisa, e em especial o palavreado em apreço na notícia do “Jornal de Angola”, mas aquilo que não explicam é bem mais patente e ainda mais esquisito do que o mais estranho dos contratos: porquê a persistência na “confusão” entre “fala” e “escrita? Porquê a insistência em “custos” inexistentes para as editoras, para as edições e, sobretudo, para os autores?
Face a estas perguntas, cujas respostas estão nelas implícitas, as demais sobram pela sua própria evidência. Mas que nem mesmo essas fiquem apenas sugeridas e não expressas:
- O presidente da Academia Angolana de Letras diz o contrário do que faz o escritor Pepetela ou deveremos inverter os termos da premissa?
- O cidadão angolano Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos usa o pseudónimo literário “Pepetela” ou trata-se afinal de pessoas diferentes com o mesmo alter ego?
- Não existe em qualquer das línguas angolanas o equivalente ao “ditado popular” português “faz o que eu digo, não faças o que eu faço”?
- «Pepetela esclareceu que escreve em português falado em Angola, mas a editora portuguesa publica os seus livros na actual versão do português falada em apenas quatro países lusófonos, com excepção de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste.»
Esta citação da notícia é verídica? O cidadão angolano, o escritor angolano, o ex-governante angolano, o presidente da Academia angolana proferiu mesmo esta enormidade?
É lá possível!
Escritor Pepetela afirma ser contra o Acordo Ortográfico
César Esteves
“Jornal de Angola”, 16 de Novembro de 2018Pepetela afirmou não se sentir confortável com o facto de as suas últimas obras terem sido editadas à luz do Novo Acordo Ortográfico, “uma incongruência” que espera ver que seja corrigida por ser membro da Academia Angolana de Letras.
A opinião do escritor foi feita ao Jornal de Angola que o abordou depois de a Academia Angolana de Letras ter divulgado uma declaração, de seis pontos, na qual disse não ser a favor da adesão de Angola ao Acordo Ortográfico por ser um instrumento que não promove a unificação da grafia da língua portuguesa e por não convergir para a promoção e difusão das línguas nacionais.
A curiosidade jornalística levou o Jornal de Angola a Pepetela, presidente da Mesa de Assembleia Geral da Academia Angolana de Letras, por o seu último livro intitulado “Sua Excelência de Corpo Presente”, editado de acordo com o Acordo Ortográfico, ter sido lançado na mesma altura da divulgação da declaração da Academia, que se afirma contra a ratificação por Angola do Novo Acordo Ortográfico.
Pepetela disse ao Jornal de Angola que, embora os seus livros estejam na versão resultante do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, também não é a favor do novo acordo.
“(…) As línguas evoluem, mas eu não apoio essa nova versão”, afirmou Pepetela, para quem “a anterior versão é melhor”. Aliás, adiantou, “essa foi sempre a minha posição”. Pepetela esclareceu que escreve em português falado em Angola, mas a editora portuguesa publica os seus livros na actual versão do português falada em apenas quatro países lusófonos, com excepção de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste.
O escritor Pepetela referiu que fica menos onerosa a publicação de livros na nova versão do português do que na anterior. “Fazendo uma edição especial só para Angola fica mais caro”, acrescentou o escritor.
À pergunta sobre se pensa trocar de editora, para os seus livros serem editados em português falado e escrito em Angola, o escritor respondeu que tem de discutir com a editora para saber quanto pode custar a impressão de livros na versão falada em Angola para ver se compensa.
“Não me sinto bem vendo os meus livros na versão actual da língua portuguesa. Sinto-me mal, mas que fazer?”
[“Jornal de Angola”, 16 de Novembro de 2018. Transcrição integral. Destaques, sublinhados e “links” meus.]