Opinião
“Camarados”
Pedro Filipe Soares
“Público”, 20 de Novembro de 2018
A linguagem inclusiva é mais um passo numa luta em várias frentes com um mesmo objetivo: vencer a agenda patriarcal.
A utilização da expressão “camaradas e camarados” durante a recente Convenção do Bloco de Esquerda mexeu no vespeiro do politicamente correto. A prova disso foi a inesperada atenção nacional que a frase mereceu.
Ter realçado essa parte específica da minha intervenção evidencia o que tira o CDS do sério. Eu tinha começado essa alocução por realçar que CDS e PSD decidiram apoiar o conservador alemão Manfred Weber como candidato à presidência da Comissão Europeia – a mesma pessoa que queria forçar a aplicação de sanções a Portugal no rescaldo das eleições legislativas de 2015, que tiraram a direita do governo. Tinha, ainda, acusado Nuno Melo de alta traição por se aliar a esses carrascos do povo português. Sobre isso, nada. O que o tirou do sério foi eu ser um aparente kamikaze da gramática. Diz muitíssimo sobre Nuno Melo e as suas prioridades políticas.
Um outro exemplo é de um militante contra a linguagem inclusiva, o humorista Ricardo Araújo Pereira (RAP), que decidiu abrir um novo capítulo neste dossier, desta feita no radiofónico Governo Sombra. O epíteto “ridículo” foi repetido pela enésima vez. A argumentação está longe da imaginação que caracteriza o humorista, mas mantém a coerência neste seu ideário.
Que a linguagem é política, ninguém duvida. RAP, como fervoroso adepto de futebol, saberá que o Estado Novo trocou o “vermelho” pelo “encarnado” para retirar quaisquer conotações de esquerda ao apoio ao Sport Lisboa e Benfica. Se assim foi no futebol, é absurdo achar que essa regra prevê uma exceção nas relações sociais.
O modelo patriarcal e machista de sociedade modela os idiomas? Não é a única causa, mas tem relevância. Tomemos França como exemplo. As fundações do absolutismo francês passaram pela estruturação e a normalização da língua francesa. Curiosamente, basta ler o que pensava um dos grandes arautos desse processo e perceber as suas intenções. Dominique Bouhours sustentava que, na gramática, “quando os dois géneros se encontram, o mais nobre deve prevalecer”, sendo obviamente da opinião que o género masculino era o mais nobre. Estamos conversados sobre a fraude que é a ideia de um suposto processo histórico neutro. Se tudo é político, por que é que algo tão importante como a linguagem deixaria de o ser? A língua tem história e ideologia.
Dia: 22 de Novembro, 2018
O grande timoneiro
Mais uma vez lá vem Marcelo, no seu peculiar estilo nacional-porreirista, meter o bedelho onde não é chamado. Na verdade, para estes números circenses da “lusofonia” já temos um especialista em malabarismos, o inefável Augusto Santos Silva. “Negócios estrangeiros”, desde logo por inerência terminológica, são trapalhadas da competência exclusiva do MNE; ao PR, nesta como em qualquer outra matéria de gestão da “coisa pública”, toca um papel meramente protocolar, içar a bandeira, escutar em sentido o hino, acenar ao povo, etc. Identificar as diferenças entre “poder executivo” e “poder passar revista às tropas”, distinguir “negócios estrangeiros” de “ócios no estrangeiro”, conhecer estas comezinhas evidências não implica necessariamente um doutoramento na Sorbonne, aprende-se até na Wikipedia ou nos pacotinhos de açúcar do acordista Nabeiro.
Mas “prontos”, o que se há-de fazer, Marcelo é omnipresente, Marcelo é omnisciente, Marcelo “comenta tudo, tudo, no próprio dia” — como afirma Pereira — e portanto lá temos que levar com ele, salvo seja, também debitando seus palpites em matéria de “livre circulação” dentro da CPLB (Cambalacho de Países de Língua Brasileira) e sobre a forma como Portugal poderá, enquanto membro da União Europeia, aldrabar em simultâneo e pela mesma via as regras do Acordo de Schengen.
Entretanto, ou por acréscimo a esta saga palpiteira, à laia de recheio, assim como se abríssemos uma carcaça e lá dentro aparecesse um Pokémon (vivo), diz Marcelo sobre o AO90 que ah, e tal, “não quero pronunciar-me para não abrir uma querela”.
Ou seja, a aparente querela que “aqui há atrasado” o mesmíssimo Marcelo simulou sobre o assunto, fingindo embirrar com Malaca e devolvendo-lhe este a cortesia, não passou afinal de tremenda fita, uma encenação, uma peça teatral de cabo a rabo. Peça essa que estreou em Maio de 2016 e que teve, ao menos aqui, a devida resposta de um apreciador de Teatro que não aprecia aldrabices em palco, literal ou metaforicamente falando:
«Quando o actual Presidente da República proclamou, em 2008, que “Portugal tem de lutar para dar a primazia ao Brasil” e quando, em 2015, reforçou essa “ideia” defendendo um “acordo militante”… queria ele dizer o quê, ao certo?» [O camartelo (1)]
Marcelo admite que se pode “ir mais longe” na liberdade de circulação dos nacionais da CPLP
O Presidente da República começou por distinguir os problemas do “lado burocrático”, em relação ao quais o MNE tem feito um “esforço permanente e contido para ultrapassar.”
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O Presidente da República português considerou existir “uma janela de oportunidade para a mobilidade no espaço” dos cidadãos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), podendo-se “ir mais longe” na liberdade de circulação.
Em entrevista à Rádio Nacional de Angola, esta segunda-feira difundida, questionado sobre as dificuldades na concessão de vistos para a entrada no espaço europeu, Marcelo Rebelo de Sousa começou por distinguir os problemas do “lado burocrático”, em relação ao quais o Ministério dos Negócios Estrangeiros tem feito um “esforço permanente e contido para ultrapassar”, dos relacionados com a liberdade de circulação.
“Penso que, mesmo respeitando as regras de outras comunidades, como a União Europeia, há espaço para irmos mais longe na circulação”, sustentou o chefe de Estado português, para quem existe actualmente “uma oportunidade muito boa, porventura única, para se avançar em domínios como este”.
Marcelo Rebelo de Sousa disse depositar “muita esperança” nas presidências da CPLP, actual (Cabo Verde) e seguinte (Angola), para a resolução deste problema.
Questionado se o problema deve ser resolvido no quadro da CPLP ou bilateralmente, o Presidente da República português afirmou preferir a forma de resolução global, no quadro da comunidade dos países que falam português. “O ideal era irmos multilateralmente, no quadro da CPLP, mas eu admito que, se isso não puder avançar, que se avance bilateralmente”, acrescentou.
Quanto à questão do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que Angola ainda não ratificou, tal como Moçambique, o chefe de Estado português disse que evita pronunciar-se, “para não abrir uma querela”, embora acompanhe “com interesse” as posições dos vários países da comunidade.
“Muito ruído introduzido pela minha pronúncia não facilitava a convergência”, argumentou, defendendo a necessidade de “aproximar realidades que têm muito em comum, mas, legitimamente, têm posições próprias”. “Essa é uma matéria que poderá vir, porventura, a ser equacionada, se os responsáveis políticos entenderem que merece, a nível de CPLP ou a nível meramente informal, uma troca de impressões adicional no futuro”, salientou.
Na entrevista, interpelado sobre o pagamento das dívidas angolanas a empresas portuguesas, Marcelo Rebelo de Sousa elogiou a “forma franca e honesta, clara e frontal” como o ministro das Finanças do executivo de Luanda colocou a questão, aquando da visita oficial a Luanda do primeiro-ministro português. “Há boa vontade de parte a parte. Tem havido, continua a haver e o trabalho continua”, concluiu o Presidente da República português.
[Transcrição integral de“Marcelo admite que se pode “ir mais longe” na liberdade de circulação dos nacionais da CPLP”, jornal online “Observador”, 19.11.18. Destaques, sublinhados e “links” meus. Texto automaticamente corrigido pela solução Firefox contra o AO90 através da extensão FoxReplace do “browser”.]
[A fotografia, de autoria desconhecida, que utilizei para a fotomontagem de topo, foi copiada do mesmo artigo. Nessa fotomontagem incluí uma fotografia, também de autoria de desconhecida, da estátua do célebre “Cego do Maio“, um homem de bem. ]