«Nada lhes é mais suave do que mutuamente distribuírem admirações e louvores, e trocarem saudações. Mas se algum deixa um lapso, de que outro se apercebe, por Hércules! que tragédia, que degladiação! quantas injúrias e quantas invectivas! Caiam sobre mim todos os gramáticos, se exagero.
Conheci um certo politécnico, helenista, latinista, matemático, filósofo, médico, etc., já sexagenário, que tudo abandonara havia mais de vinte anos para se torturar com o estudo da gramática. Julgar-se-ia feliz se pudesse viver o bastante para distinguir de modo certo as oito partes da oração, o que ninguém conseguiu fazer de maneira decisiva entre os gregos e os latinos. Como se fosse causa de guerra reivindicar uma conjugação que de direito pertence aos advérbios.
É sabido que há tantas gramáticas quantos os gramáticos, e até há mais, visto que só meu amigo Aldus já compôs umas cinco. Não há nenhuma, por mais bárbara ou molesta, que o gramático não consulte e examine; ele não inveja senão o inepto que escreve qualquer coisa neste género, e receia sempre que lhe surripiem a glória e que lhe façam perder o labor de tantos anos. Dizei como quiserdes, que isto é estultícia ou insânia; é-me indiferente. Concedei-me, porém, que é devido a um benefício meu que o animal mais mísero de todos, o pedante, atinge uma felicidade tal que não trocaria a sua sorte pela do rei da Pérsia.»
Erasmo, ‘Elogio da Loucura’, 1515
ARRE, PORRA, VÃO-SE CATAR.
Como é possível que gente sensata como NUNO PACHECO, ANTÓNIO CHAGAS (António Chagas Dias?) e ANTÓNIO-PEDRO VASCONCELOS tenham aposto o seu nobre nome a esta abominável mixórdia, cozinhada pela pseudo-linguista ISABEL A. FERREIRA, conhecida detractora do Português do Brasil?
«Existe actualmente uma situação absurda em Portugal, onde, de forma oculta, está a tentar-se substituir a Língua Portuguesa, conforme determinado no artigo 11.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), pelo Dialecto Brasileiro», lê-se no texto.Mais se lê: «O governo português violou a Constituição da República Portuguesa (CRP), impondo de forma brutal, autoritária, ilegal e inconstitucional, o dialecto brasileiro».
Meus Senhores e Amigos: para cozinhados indigestos, já nos chegava o próprio “Acordo Ortográfico de 1990”.
Fernando Venâncio, “Facebook”, Setembro de 2018
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AO90: CULPAR O BRASIL É RIDÍCULO
Os maiores entusiastas do “Acordo Ortográfico de 1990” foram sempre portugueses: Luís Lindley Cintra, João Malaca Casteleiro, Carlos Reis, Edite Estrela, Maria Helena Mira Mateus. Resta-nos saber que Cintra, no fim da sua vida, se deu conta da trapalhada a que apusera o seu nome.
Foi o académico português Malaca Casteleiro quem correu Seca e Meca a convencer linguistas dos outros países a alinharem no projecto. Do Brasil compareceu na reunião definitiva, em Lisboa, o lexicógrafo Antônio Houaiss.
Sim, foram portugueses os que andaram atarefados escrevinhando em cima do joelho esse produto mal concebido, mal elaborado e muito, muito mal conduzido, levando ao caos em que estamos hoje.
Esse antibrasileirismo larvar e primário que culpa o Brasil de ingerência (e não teve praticamente nenhuma) na grafia do Português, esse antibrasileirismo é pateta, é preguiçoso e não raro fanático.
Importa denunciá-lo. E importa ir bater à porta de quem nos serviu tão mal.
Fernando Venâncio, “Facebook”, Setembro de 2018