Dia: 7 de Dezembro, 2018

Há dinheiro, há palhaços

Orçamento do Instituto Camões não diminui e poderá ir até 70 ME em 2019

Lisboa, 30 Nov (Lusa) – O orçamento de 2019 do Camões não deverá baixar face a 2018, ficando entre 60 e 70 milhões de euros, e é suficiente para cumprir os objectivos da entidade, agregando orçamento de instituições europeias, disse hoje o seu presidente.

Em entrevista à Lusa, a propósito do seu primeiro mandato como presidente do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, Luís Faro Ramos afirmou que, no próximo ano, o Orçamento do Estado deve prever “um valor entre 60 a 70 milhões de euros”, mas o responsável ressalvou que ainda se desconhecem quais serão as cativações.

No ano passado, o orçamento do Camões “foi de 60 milhões de euros, mas desse valor, 20 milhões são para pagar à rede de professores de ensino do português no estrangeiro”, destaca.

O facto de não estar prevista uma diminuição do orçamento no próximo ano já é, para Faro Ramos, “muito bom”.

Além disso, explica, o Camões está a tentar agregar ao orçamento financiado pelo Orçamento Geral do Estado “orçamento que vem de instituições europeias”.

“Existe uma modalidade de cooperação para o desenvolvimento, que é a cooperação delegada, que o Camões, que é uma entidade certificada para executar projectos em nome da União Europeia irá aproveitar”, explicou.

“Isto também nos ajuda a reforçar a área da cooperação”, afirmou o diplomata.

Por isso, assegurou, “os recursos financeiros do instituto são suficientes [para dar resposta às ambições do Governo em termos de metas]”, mas é necessário alocá-los “de uma maneira judiciosa às várias actividades – cooperação, cultura e língua -, e obviamente à estrutura, que tem um peso significativo no orçamento”, sublinhou.

Temos o que precisamos” e as metas coadunam-se com o orçamento, garantiu Faro Ramos.

No âmbito da cooperação delegada, estão alguns dos projectos que estão a ser pensados com Angola e que vão ser certamente executados nos próximos anos. “Projectos, aliás, muito importantes e que se enquadram num contexto do novo relacionamento estratégico com Angola”, afirma o diplomata.

Luís Faro Ramos faz um balanço “positivo” de um ano de mandato à frente do Camões e diz que as perspectivas para 2019 também são boas.

“Obviamente que também houve dificuldades, mas também se não as houvesse não teria sido tão desafiante. É o que temos, os recursos humanos que temos e os recursos financeiros que temos. E os números estão todos em crescimento. O balanço de 2018 é muito positivo e as perspectivas para o próximo ano também”, afirmou.

“Há mais alunos a estudar de português pelo mundo fora, 200 mil, há mais professores, há mais pessoas interessadas em aprender o português, há mais protocolos com instituições de ensino assinados, há mais países onde o português está a ser ensinado no currículo escolar, há mais actividades culturais”, descreveu.

O embaixador revela ainda que “todos os dias” recebe pedidos no Camões, vindos do mundo inteiro, de autoridades que querem ensinar o português ou acções culturais com o Camões e isso, considerou, “é o mais compensador”.

E sublinha que esse é o resultado de um trabalho “notável” da equipa, tanto a da sede, em Lisboa, como a que trabalha um pouco por todo o mundo, num total de 600 pessoas.

Sobre a escolha de um diplomata para o lugar que ocupa, Faro Ramos diz que “é um reconhecimento do valor da carreira diplomática portuguesa”.

“Isso é reconhecer que as actividades do instituto, seja a promoção da língua e cultura portuguesas, seja a cooperação para o desenvolvimento, são centrais para a política externa do nosso país e isso é muito reconfortante”, destacou.

A rede do Camões alcança mais de 80 países, embora na área da cooperação as prioridades do instituto vão, como definido há muito pelo Governo português, para os países africanos de língua portuguesa e Timor-Leste.

Para 2019, além do crescimento do ensino do português pelo mundo e do reforço da cooperação Luis Faro Ramos, quer também aumentar o número de bolseiros.

“O Camões pretende reforçar o número de bolsas atribuídas em 2019”, disse o presidente do instituto, não querendo avançar com metas.

Actualmente, o Camões tem mais de 500 bolseiros dos países africanos de língua portuguesa e de Timor-Leste, seja em bolsas externas (as que os estudantes desses países recebem para estudar em Portugal), seja em internas (as que os aluno recebem para estudarem nos seus próprios países), adiantou.

Mas na opinião do diplomata, “em termos de promoção dos nossos valores, as bolsas são fundamentais”.

“Dar a um estudante de um país lusófono uma bolsa no nosso país, é estarmos a dar-lhe directamente a conhecer os nossos valores, a nossa cultura e economia”, salientou.

Além disso, os bolseiros são pessoas que normalmente “no futuro terão um papel importante a desempenhar nos seus países” e são por isso “absolutamente fundamentais na política portuguesa de cooperação para o desenvolvimento”.

Faro Ramos lembrou ainda que, além destas bolsas que o Camões atribui, “há inúmeras outras bolsas que as universidades portuguesas dão a pessoas dos países lusófonos”.

ATR // JH – Lusa /Fim
Source: Orçamento do Instituto Camões não diminui e poderá ir até 70 ME em 2019

 

[Via Olga Rodrigues. “Links” e destaques meus. Imagem de: Kisspng]

“O ananás português e o abacaxi brasileiro” [Nuno Pacheco, “Público”, 06.12.18]

Nas voltas da língua, por entre cá e lá

Duas revistas, a ‘Linguará’ brasileira e a ‘Luzes’ galega, reforçam a importância da diversidade da língua, a despeito das distopias “unificadoras” dos novos tempos.

Nuno Pacheco
publico.pt, 06.12.18

 

Entre tantas, e por vezes tão falsas, declarações de amor eterno à língua portuguesa, há uma verdadeiramente notável. Escreveu-a o poeta brasileiro Manoel de Barros (1916-2014) e foi aliás destacada na contracapa da edição portuguesa da sua ‘Poesia Completa’ (ed. Caminho, 2010). Diz assim: “A única língua que estudei com força foi a portuguesa. Estudei-a com força para poder errá-la ao dente.” Ora este errar não deve ser confundido com desacerto ou engano, porque significa (e quem o lê facilmente o confirma) vaguear, não se fixar, andar de um lugar para outro. E se o fez com mestria o poeta, fê-lo igualmente a língua portuguesa.

Tirando partido dessas errâncias, e do resultado delas, acaba de ser lançada uma revista de nome ‘Linguará’, editada por Carla Paoliello, Maria José Amorim e Priscilla Ballarin, todas elas brasileiras e residentes em Portugal, onde a revista é editada. Quadrimestral, começou na primeira letra do alfabeto, o A, e conta percorrê-las todas, incluindo K, W e Y, colhendo nessa viagem frutos da errância do idioma. Ou, como escrevem em editorial, navegarão “na fonética, morfologia, léxico, sintaxe, acordo, desacordo, o comum, o incomum, as inúmeras transformações da língua portuguesa. O que nos une, o que nos separa. A conexão feita pela via da palavra, igual e diferente, dos países desta mesma língua.” E isso faz-se com poesia, artes plásticas, paisagens (e lá estão, lado a lado, Aveiro ou Alter do Chão, as de cá e as do Brasil, ambas no Pará), palavras diferentes para um mesmo objecto ou coisa. Há um léxico breve, no final, na linha do levantamento que, entre Lisboa e Belém do Pará, haviam feito em livro a portuguesa Anete Costa Ferreira e as brasileiras Rosa Assis e Ana Cerqueira. O livro, lançado em Abril de 2006, chamou-se ‘De Olho na Língua – Palavras de Cá e Lá’. Mas a revista ‘Linguará’ (lançada esta quarta-feira na Livraria-Bar Menina e Moça, ao Cais do Sodré) é também “desmontável”, o que faz com que, tiradas duas das suas páginas, surjam lado a lado o ananás português e o abacaxi brasileiro, o primeiro representado num jarro de cerâmica (de Bordallo Pinheiro) e o segundo numa popular jarra de plástico (da Trol). Além dos nomes do fruto, diferem os do recipiente (jarro, jarra) e as frases que, inscritas no verso, querem dizer a mesma coisa: “Faz crescer água na boca” (cá) e “Dá água na boca” (lá). Se nesta primeira edição o jogo linguístico e vocabular se faz essencialmente entre o Brasil e Portugal, prometem vir a alargar fronteiras aonde quer que a língua viva e se transforme.

Antes de ‘Linguará’, porém, saiu ‘Luzes’, revista que se edita na Galiza e que dedica a sua 59.ª edição às ligações culturais com Portugal. Sob o título “PortuGaliza, saudade de futuro”, a revista dirigida por Manuel Rivas e Xosé Manuel Pereiro inclui um lote interessantíssimo de artigos e é inteiramente escrita em galego, mesmo os textos de portugueses (Rui Reininho ou Francisco Teixeira da Mota). Isto quer dizer que, apesar do movimento reintegracionista (que quer, na sequência da lei Paz Andrade, instituir na Galiza o “português-padrão”), a língua galega ainda se afirma como veículo cultural identitário. A Rede da Galilusofonia, constituída em Braga, em 23 de Novembro, ainda emitiu dois comunicados paralelos, um em português e outro em galego. Mas é uma riqueza que a visão estreita ameaça, ao tentar anular as diferenças para fazer valer a “novilíngua” imposta pelo dito “acordo ortográfico”.

Enquanto as botas cardadas dos “unificadores” marcam passo, a língua vive. E é bom ler, no editorial da ‘Luzes’: “O que máis ten que unirnos é a historia por facer: encher a saudade de porvir. E que este novo espazo, a Portugaliza, sexa unha referencia de navegar valente na Europa varada.” Precisaram de tradutor? Não, nem agora nem antes. Nas peças quinhentistas apresentadas na semana passada na Sá da Costa pelo Teatro Maizum (que faz um trabalho meritório na afirmação do Teatro Clássico), lá estavam representados, como personagens, o “português”, o “galego” e o “castelhano”. Nos respectivos falares e a séculos de distância da distopia “unificadora” do “acordo ortográfico”. Poderia o célebre Luís de Matos fazê-lo desaparecer, num passe de mágica, no ‘Impossível Ao Vivo’ que vai apresentar no Tivoli? Milhões de portugueses, brasileiros, africanos e galegos agradecer-lhe-iam de bom grado.

[Transcrição integral de artigo do jornal “Público”, da autoria de Nuno Pacheco, publicado em 06.12.18. “Links” e destaques meus. Imagens de topo de: BordalloPinheiro.pt e de: “mercado livre” (jarro “marca” Troll), Brasil, “LOL”.]