Don Quijote soy, y mi profesión la de andante caballería. Son mis leyes, el deshacer entuertos, prodigar el bien y evitar el mal. Huyo de la vida regalada, de la ambición y la hipocresía, y busco para mi propia gloria la senda más angosta y difícil. ¿Es eso, de tonto y mentecato? Miguel de Cervantes, ‘Don Quijote de La Mancha’
Uma situação embaraçosa que se torna cada vez mais corriqueira nos desgraçados tempos que vão correndo: estão pessoas normais e educadas conversando com toda a pacatez, quando, inopinadamente, um idiota interrompe ou vários dos circunstantes resolvem esparramar em redor toda a sua boçalidade.
Não fora a epidérmica simpatia da senhora a salvar a situação, estivesse ali um homem e decerto outro galo cantaria, poderia ter acontecido algo muito mais aborrecido, como, por exemplo, o dito ter dado um murro na mesa e uma palmada num dos rufias ou, pior ainda, vice-versa, uma palmada na mesa e um murro no gajo.
“Não estamos na RTP Memória”, arrotou um qualquer garoto, por entre as gargalhadas postiças de outro cretino de serviço. Mas que idiotas, valha-nos Deus, mas que abjectos yuppies caseiros, rudes, ignorantes e mal-educados “fatinhos”, mas que desoladora imagem do subúrbio mental em que vegetam tecnocratas e onde apenas e sem nenhum préstimo sopra o vento.
Inês Pedrosa saiu-se muitíssimo bem, de facto, com a sua natural classe, poupando a todos os espectadores e ouvintes o enxovalho da vergonha alheia — esse sentimento já vulgarizado pela corrupção hedonista da juventude, pelo galopante enobrecimento da estupidez, pelo inexorável triunfo da mediocridade.
Honra lhe seja feita, a senhora tem o que é preciso. Conseguiu muito mais com um simples sorriso do que teria valido uma singela chapada.
Tal asinina formulação, aprovada por unanimidade em sede de Comissão “especializada”, atestava plenamente a vacuidade que em geral assolava à época (esperemos que já nem tanto hoje em dia) a esmagadora maioria da nacional deputação.
Traduzindo o que diz a lápide, em breve glossário, de politiquês acordista para Português corrente: “muitas das” significa (evidentemente) “nenhumas”, “preocupações” quer dizer “ah, e tal, aquilo não é nada, são manias lá do velho Vasquinho”, “deverão ser” é o mesmo que “igual ao litro, faz de conta, já toda a gente sabe que não vamos fazer porra nenhuma”, “tidas em conta” equivale a gargalhada geral, “eheheheheheh, mas que cromos, estes gajos, ai, tirem-me deste filme que ainda me dá uma coisinha má”.
E, como se ainda não bastasse o gozo dos preliminares, a retumbante “apreciação” parlamentar sintetizada na frasezinha de Barreiras encerra com chave de lata: «de forma a permitir uma operacionalização e implementação do acordo ortográfico». Ou seja, nunca, jamais, em tempo algum outra hipótese esteve sequer em cogitação. Era tudo a fingir, uma risota pegada.
Fantástico, ó Barreiras. Realmente, a lata destes tipos, destes parlamentares malabaristas, tal é o seu desplante, a arrogância, o desprezo que nutrem pelo “poviléu” que sucessiva, bovina e estupidamente os elege!
É este mesmo Barreiras quem, do alto da sua sapiência e das suas altas qualificações para o efeito, continua amiúde a abrir caminho à “língua universal”, a derrubar barreiras para que nada atrapalhe a “universalização” da sua querida língua, a brasileira.
Das cerca de sete mil línguas e dialectos que o mundo tem, duas mil e quinhentas estão em risco de extinção. E, para além destas, existem muitas mais ameaçadas e outras em situação muito vulnerável.
«Enquanto cidadão sou contra, mas enquanto Presidente tenho de o respeitar». Marcelo Rebelo de Sousa 2016, sobre o Acordo ortográfico
A saída do Reino Unido da União Europeia veio levantar problemas de diversa ordem, um dos quais é a política das línguas à escala europeia e mundial.
Trata-se de uma matéria que, sendo demasiado séria, tem estado afastada da ribalta mediática e da prioridade de muitos países, a começar por Portugal. O multilinguismo – no contexto da globalização vigente e da diversidade cultural e linguística num mundo aberto e cosmopolita – deve implicar políticas públicas que valorizem não só as línguas maternas mas também duas línguas estrangeiras por cada cidadão, independentemente da sua origem territorial, idade ou condição social.
Das cerca de sete mil línguas e dialectos que o mundo tem, duas mil e quinhentas estão em risco de extinção. E, para além destas, existem muitas mais ameaçadas e outras em situação muito vulnerável.
Tal acontece em vários continentes, sobretudo em territórios onde a desflorestação, através da destruição da fauna e da flora, está a contribuir para a extinção de línguas, muitas delas ancestrais.
Neste quadro de línguas em extinção, por um lado, e de línguas hegemónicas, por outro lado, os linguistas interrogam-se sobre o que fazer para salvar as primeiras.
Ora, há muita coisa que pode ser feita. Desde logo, criar as melhores condições para a efectiva regulação linguística à escala europeia e mundial. As línguas (nacionais e afins) são património cultural, educacional e social dos seus falantes e dos territórios de pertença.
A saída do Reino Unido da União Europeia vai colocar um grande desafio à Europa, no que diz respeito à língua. De língua não oficial da União Europeia, o inglês transformou-se numa ‘língua dominante’ ou até ‘hegemónica’. De ‘língua franca’ (o latim dos nossos dias?), o inglês vai ou não perder poder e influência?
Note-se que o inglês é a língua materna de apenas 14% dos cidadãos da União Europeia. Dos outros 86%, só 8% são fluentes em inglês, e 17% dominam a língua bem ou razoavelmente. Feitas as contas, dois terços dos europeus não falam ou falam mal o inglês. Ora, para ser aprendida, a língua inglesa precisa de 15.000 horas de estudo e de prática…
Com o Brexit, o inglês ficará circunscrito a Malta (meio milhão de pessoas) e à Irlanda (cerca de 5 milhões). Ou seja, o Brexit não poderá deixar de se aplicar ao ‘inglês’, com as consequências que daí advirão, política, económica e socialmente. Poderá ou não continuar a ser a língua dominante e/ou hegemónica?
Os cultores do multilinguismo europeu devem estar atentos e activos no reforço da democracia linguística europeia. Uma língua é também um instrumento de poder – e da sua manifestação externa resultarão impactos económicos, sociais e culturais positivos. Não é por acaso que, no seio da Academia europeia, existem cada vez mais movimentos a defender o reforço da latinidade e das línguas francófonas e latinas. Voltaremos a esta temática na próxima semana.