A terra e a terrinha

Esta política, este S. Bento, esta eloquência, estes bacharéis matam-me. Querem dizer agora aí que isto por fim não é pior que a Bulgária. Histórias! Nunca houve uma choldra assim no universo!
— Choldra em que você chafurda! observou o Ega rindo.
O outro recuou com um grande gesto:
— Distingamos! Chafurdo por necessidade, como político: e troço por gosto, como artista!
Mas Ega justamente achava uma desgraça incomparável para o país – esse imoral desacordo entre a inteligência e o carácter.
Assim, ali estava o amigo Gonçalo, como homem de inteligência, considerando o Gouvarinho um imbecil…
— Uma cavalgadura, corrigiu o outro.
— Perfeitamente! E todavia, como político, você quer essa cavalgadura para ministro, e vai apoiá-la com votos e com discursos sempre que ela relinche ou escoucinhe.
Os Maias’, Eça de Queirós

 

Enquanto a Assembleia da República da “terrinha” conserva intacto o balde do lixo onde serão despejados quaisquer laivos de resistência, o patronato brasileiro comemora o décimo aniversário da sua campanha de terraplanagem linguística e cultural. 

São, de facto, mais do que evidentemente concordantes, consequentes, interligados os sinais de um lado e do outro: a extrema arrogância do “gigante” brasileiro, passeando à trela a “sua” língua pequenina, e a vergonhosa, insultuosa, asquerosa passividade do minorca tuga, encolhido a um canto, sempre fingindo que nada se passa, receoso das chibatadas ou ganindo pelos restos que lhe possa atirar o dono.

Esta “notícia” da “terra” (brasileira, claro) é apenas uma de entre as muitas que de igual forma “parabenizam” a sua nacional golpada neo-colonialista — sem cujos acólitos, mercenários, deslumbrados, vendidos tugas não teria sido possível — e exultam, já cantando vitória, pela extinção radical do Português-padrão.

Note-se como os “caras” já nem se ralam com minudências como sejam a existência de outros países na CPLP (não contando com Portugal, pois, que não é um país, é uma choldra) e que a esses outros também “afeta” a cacografia brasileira. No parágrafo inicial da “notícia”, lá aparecem a “choldra” e os “outros” mas isso serve apenas para efeitos contabilísticos, como lembrete do número, quantas são as novas colónias.

No resto, no corpo da “notícia”, o costume: mentiras atrás de mentiras. Em todos os aspectos. Nem vou, desta vez, dar-me à maçada de acrescentar “links” ou notas; é tudo, de cabo a rabo, um chorrilho de mentiras tão descabeladas que nem vale a pena “atrapalhar” mais a fluidez das tangas, o texto ficaria virtualmente ilegível; e mesmo assim, apenas sublinhando ou destacando algumas das patranhas mais significativas, já se torna difícil ler (e muito mais ainda acreditar na lata descomunal daqueles “caras”).

A vertente política da matéria — a única que de facto interessa — é literalmente “chutada para canto”, mas até quanto ao “acordo” propriamente dito não têm qualquer pejo em reafirmar aquilo que toda a gente sabe e que apenas alguns tugas tentam iludir: o AO90 tenta atenuar um pouco a cacografia nos diversos estados do Brasil e impor a salgalhada daí resultante a sete “colônias” no “isstêriô”. Por isto mesmo referem apenas “dificuldades” brasileiras (sobrantes do AO45, não resultantes do AO90), “hábitos” brasileiros, “especialistas” brasileiros, “populações” brasileiras, “pessoas” brasileiras.

Pois sim, pois sim. Em Angola não há dificuldades nem há populações. Em Moçambique não há hábitos nem especialistas. E em Portugal ainda é pior: aqui na “terrinha” não há pessoas, só há impessoas. E “grupos de trabalho”.

Acordo Ortográfico da língua Portuguesa completa 10 anos

Acentuação e hifenização ainda são maiores dificuldades apontadas por especialistas

No dia 1º de janeiro de 2009, entrava em vigor no Brasil o novo Acordo Ortográfico, medida que pretendia padronizar a grafia das palavras do Português nos nove países que adotam o idioma como língua oficial. Estima-se que as novas regras afetaram de 0,5% a 0,8% das palavras do Português brasileiro, bem menos do que as alterações estimadas para o Português de Portugal, que ficaram em 1,5% – o que explicaria a menor resistência do brasileiro em abraçar o Acordo.

“Mudanças na ortografia, por meio de leis e acordos, ocorrem de tempos em tempos no Português. O último acordo, antes do vigente, datava de 1943, com alterações em 1971. Sempre haverá, nesses momentos, quem esperneie e blasfeme quanto às mudanças, mas nenhum Acordo nesse sentido é feito para dificultar – e sim para tornar as coisas mais simples, mais fluentes. O Português carecia de uniformidade em sua modalidade escrita. São 250 milhões de usuários que escreviam e liam com diferenças que atrapalhavam essa uniformidade do idioma. A sintaxe, a forma de combinar as frases, o vocabulário de cada localidade falante dos diversos tipos de Português não sofreram alteração. Sob o ponto de vista simbólico, essa uniformização valoriza a Língua Portuguesa em sua representatividade no cenário internacional”, avalia Yeso Osawa Ribeiro, professor de Língua Portuguesa e Redação no Curso Positivo, de Curitiba (PR).

Gestado desde 1990, como desdobramento de um encontro para unificação do Português ocorrido em 1986, o Acordo Ortográfico deveria ter entrado em vigor em 1994. Em vez disso, por questões burocráticas, ele só passou a ser adotado há uma década, quando o Brasil iniciou a implantação, fazendo com que os outros países iniciassem seus processos em seguida. Por alguns anos, as novas regras conviviam com as antigas sem qualquer problema. Porém, desde 2016, quando terminou o período de transição, somente o novo Acordo Ortográfico passou a ser aceito no Brasil.

O assessor pedagógico de Língua Portuguesa do Sistema Positivo de Ensino, Caio Castro, afirma que, apesar de o novo Acordo Ortográfico pretender facilitar a comunicação entre os países de Língua Portuguesa, é comum as pessoas apresentarem dúvidas em relação à nova ortografia – principalmente aquelas que estavam acostumadas com as normas antigas há mais tempo. Segundo ele, uma das alterações que mais confunde as pessoas, atualmente, estão ligadas à hifenização. “É muito comum nos perguntarem em que situações o hífen deixou de ser usado, como em ‘antirreligioso’ e ‘autorretrato’, e em quais não, como ‘bem-vindo’ e ‘anti-inflamatório'”, explica. Outro caso em que o hífen deixou de ser usado e ainda gera confusão na população é quando o prefixo termina em vogal e o sufixo começa com uma vogal diferente, como em aeroespacial, lembra o especialista.

Com as novas regras do Acordo Ortográfico, palavras como “assembleia”, “ideia” e “jiboia” perderam o acento, por serem paroxítonas, enquanto “herói”, “chapéu” e “anéis”, que são oxítonas, mantiveram o acento. Para Ribeiro, o caso que mais trouxe dor de cabeça, principalmente aos adultos, foi o da mudança nos ditongos abertos em “ei”, “eu”, “oi”. “Antes, todos eles eram acentuados, indistintamente. Agora, apenas quando ocorrem em palavras oxítonas”, explica o professor. Outra dificuldade de assimilação citada por ele foi a extinção do acento circunflexo nos hiatos “oo” e “ee”, o que fez com que palavras como “voo” e “leem” não sejam mais acentuadas; bem como o fim do acento diferencial em palavras com a mesma grafia, mas pronúncia e significados diferentes, como é o caso do verbo e da preposição para, ou do substantivo e da preposição pelo. “As regras dos acentos diferenciais e dos hiatos em vogais dobradas ainda causam problemas, embora a frequência seja muito menor do que os dos ditongos”, explica Ribeiro.

Por outro lado, diz ele, algumas alterações, como o fim do trema, só expressaram o que já acontecia de fato e foram rapidamente absorvidas. “As pessoas, de um modo em geral, não usavam trema; a regra, nesse sentido, facilitou o trabalho para a maioria”.

Source: Acordo Ortográfico da língua Portuguesa completa 10 anos (destaques meus)