Mês: Abril 2020

Retrato

Afinal, macacos me mordam, não apenas a “conversa” descambou — se bem que previsivelmente — para uma amena cavaqueira, como, ainda por cima, amesquinhou-se de novo uma questão que permanece ad aeternum sendo um gravíssimo engulho nacional.

O que temos então é algo simples, querela pessoal ou mal resolvida disputa de egos, cada qual puxando o lustro aos seus intelectuais penduricalhos a ver quais e quantos labregos faz embasbacar pelo rebrilhar dos arreios e faiscações dos prateados. Não é para todos, enfim, que isto ele a ortografia é coisa que faça-me o favor.

Retiremo-nos nós outros, por conseguinte, de tais é tão lixadíssimos assados, deixemos os lustres para os ilustres e reduzamo-nos à nossa pelintra insignificância.

Cumprimentos aos contendores, com o devido respeito, haja saúdinha.

O Acordo Ortográfico de 1990: um pouco mais de chá, sff

Francisco Miguel Valada

Maybe I should make a cup of tea and take Vitamin C. Would you like a cup of tea?
Sam Shepard

 

Agradeço a Vital Moreira a razão que me dá na sua Causa Nossa (CN), com a reacção ao meu artigo Afecções e infecções ortográficas (PÚBLICO, 21/4/2020). Efectivamente, continuo sentado à espera: dois parágrafos e uma adenda e nem uma referência para amostra, apenas e só quatro acusações pessoais. Apesar de tudo, esperava do ex-eurodeputado uma resposta à acusação muito concreta por mim já duas vezes feita: pouco rigor na indicação à Comissão Europeia da data da alegada entrada em vigor do AO90 em Portugal. Quanto a isso, batatas. Já agora, não devolvo ao ex-eurodeputado a deselegância com que me brindou, adrede omitindo o meu nome no seu texto.

Vital Moreira faz quatro acusações: (1) não respondo a qualquer dos argumentos aduzidos sobre as divergências ortográficas remanescentes entre português europeu e português do Brasil depois do AO90 [“Divergências”, senhor tradutor/intérprete?”Remanescentes”, senhor escriba? “Depois” do AO90, coisinho? Mas mas mas mas mas…]; (2) enveredo por “um tipo de polémica pouco recomendável”, porque me limito a explorar um lêem que o ex-eurodeputado grafou, em vez de *leem, como mandam as regras do AO90; (3) sou intelectualmente desonesto, por não ter verificado a correcção feita pelo antigo eurodeputado ao seu texto antes de eu publicar o meu artigo; e (4) ataco pessoalmente os meus adversários.

Comecemos pelas quarta e terceira acusações. Na quarta acusação, Vital Moreira esconde expressamente a incompetência por mim denunciada com o choradinho do “ataque pessoal”. Não aceito nem admito esta acusação. Não lhe fiz qualquer ataque pessoal. Acuso o ex-eurodeputado de ser incompetente na adopção do AO90 [ah, portanto, na opinião do senhor escrevente, as pessoas devem “adoptar” “competentemente” a escrita brasileira: depois chamam a isso AO90 e pronto, “adotaram” “com “competência” a pepineira brasileirófona] , utilizando a mesma medida do professor catedrático jubilado quando atribuía nota fraca a alunos seus por pouco estudo e fraco desempenho. Ora, é exactamente disso que aqui se trata: Vital Moreira não estudou o AO90, limita-se a falar dele, repercutindo-se isso num fraco desempenho. [Certo. O senhor escriba acha que se deve “estudar” o AO90, resultando para os cábulas a “vergonha” do “fraco desempenho”, uma vergonha cambada de preguiçosos.] É só isso e nada mais do que isso.

A terceira acusação é a mais grave. No momento em que enviei o meu artigo para publicação, a grafia correcta (pré-AO90) lêem ainda se encontrava no texto de Vital Moreira. Aliás, ao enviar o meu texto para publicação, enviei igualmente imagens do texto [ver imagens de “antes” e “depois”, em baixo, no fim deste esgalhanço] do ex-eurodeputado captadas nesse preciso momento, para verificarem no PÚBLICO a exactidão das minhas acusações aquando do envio. A alteração cosmética de Vital Moreira é de facto posterior e não anterior ao envio do meu texto. Agradeço ao antigo eurodeputado que se retracte [não carece de retractação; ver as imagens basta].

Passando à segunda acusação, intimamente ligada à terceira. Não é verdade. Não me limito a explorar um lêem em vez de *leem. Aquilo que fiz, ou seja, aquilo que faço é acusar Vital Moreira de não conhecer as regras do AO90, mas de isso o não inibir de emitir opiniões aparentemente técnicas sobre as bases programáticas a adoptar na ortografia portuguesa europeia. E este problema do ex-eurodeputado não se resolve com operações superficiais, como a da substituição de lêem por *leem. O problema resolve-se quando o ex-eurodeputado aprender as 21 bases do AO90. [Pobre Vital. É um aldrabão do piorio mas com castigos destes até fico com pena dele.] Por exemplo, dois dias depois deste lêem, no dia 19 de Abril de 2020, no texto Pandemia (7): O 25 de Abril é de todos!, Vital Moreira grafou vêem em vez de *veem: “não vêem bem que a data que deveria ser de todos”.

Portanto, repito neste momento a acusação: acuso Vital Moreira de ter escrito vêem, sim, mas estou principalmente a acusá-lo de nos querer dar música, apesar de não saber tocar rabecão. Como se vê, a terceira acusação do ex-eurodeputado, mesmo se fosse verdadeira (e repito que não é), não faz qualquer sentido: apesar de leem no lugar do lêem, o vêem mantém-se no CN, porque Vital Moreira não aprendeu a base IX, 7.º do AO90. [Coitado.]

Para terminar o rol, se Vital Moreira tivesse lido o meu texto, não teria feito a primeira acusação. Se o ex-eurodeputado quiser ler aquilo que o meu artigo diz, em vez de ler aquilo que quer fazer crer que ele diz, se tiver o trabalho de verificar as referências que indico sobre o valor grafémico das consoantes cê e pê e a inadequação de um código ortográfico para servir de simples vector aos sons da fala, perceberá que lhe respondi tintim por tintim e sem ocupar muito espaço.

Vital Moreira considera que não estão reunidas as condições para “um debate intelectual decente”. Infelizmente, concordo. De facto, enquanto o ex-eurodeputado continuar a não dominar as regras do AO90, [“regras”? Que “regras? O AO90 não tem regras nenhumas, à excepção de alguns excertos da Convenção Ortográfica de 1945 denunciada unilateralmente 10 anos depois] não há condições. Com muita pena minha.

Francisco Miguel Valada

[Transcrição integral. “Público”, 27.04.20. Destaques e sublinhados meus; chamadas de atenção em cor diferente (vermelho, laranja, verde), notas e observações de minha autoria. Imagem de “Expresso da Linha”.]

 

Cá está: “lêem”, na primeira versão, como consta da cópia guardada em WebArchive, e “leem”, na versão ultra-acordizada do comunista, consoante ele depois “corrigiu” e que neste momento — enquanto o dito esquerdista não mudar outra vez de ideias — ainda lá está.

 


 

A reprodução de artigos e/ou conteúdos da autoria de terceiros tem por finalidade única a constituição de acervo documental sobre tudo aquilo que, segundo critérios meus, interessam ou dizem respeito ao chamado “acordo ortográfico” (e a outros detritos). [“livro de estilo”]

Uma língua Vital

Um “diálogo” muito interessante em que ambos os “contendores”, entrincheirados nas respectivas valas comuns, tentam convencer os demais com a superioridade dos “argumentos” de cada qual e da total ausência de méritos de qualquer deles. No fundo, trata-se de um (educadíssimo, polidíssimo, extremamente alfacinha) diálogo em forma de sporting-benfiquismo, ou seja , segundo a inamovível “lógica” futebolística que infalivelmente postula que “o meu clube é melhor do que o teu porque o meu é meu é o teu não é o meu”.

Talvez isto fosse pasto para psiquiatras. maná para bruxos e adivinhos e outros mecânicos da caixa dos martelos, mas decerto as respectivas operações (leucotomias, por exemplo) iriam revelar-se de uma complexidade escusada; mais vale a abordagem céptico-cínica das pessoas normais, por conseguinte.

Em termos de sinopse, e mesmo dando de barato os já algo mofados antecedentes. o que temos aqui é Vital, um ex-comunista — aflito para que se não confunda o que agora julga com a posição oficial dos comunistas portugueses –, a mandar bocas (isto é, a mentir com quantos dentes ainda tem na boca) a um anti-acordista especializado em minudências (listas enormes de palavras) sem jamais referir o essencial (que não existe “ortografia” no Brasil, que brasileiro é uma coisa e Português é algo completamente diferente): primeiro, o comunista — pobre diabo — chama “sebastianista” ao outro, ao que este, zangadíssimo, retruca umas diatribes tremendas num ralhete de meter medo a qualquer criança. Agora, e ameaçando desde já ambos que muito provavelmente isto não fica assim, Vital ataca de novo com igual soma de meias-verdades, mentirolas, invenções e puras patranhas. Na sua lisboeta cabecinha pensadora, o livre-pensador acha perfeitamente normal enfiar o barrete mais descabelado ao mais circunspecto e sisudo cidadão. Foi este, aliás, o princípio basilar que o comunista adoptou para si mesmo: enfiar o barrete e, já que está enfiado, defendê-lo com unhas e dentes — é meu, o garruço é meu, ninguém mo tira — a ver se consegue, à falta de melhor, já que não convence ninguém, ao menos convencer-se a si mesmo.

Talvez um dia, de tanto se agarrar ao barrete, Vital acredite nele.

 


1. Vital ataca Francisco

Pobre Língua (15): Sebastianismo ortográfico

Publicado por Vital Moreira.
“Blog” Causa Nossa, sexta-feira, 17 de abril de 2020

 

1. Confesso que não deixo de admirar a pequena tribu de opositores ao Acordo Ortográfico, os quais, passados mais de dez anos sobre a sua vigência e a sua aplicação generalizada – o que o torna irreversivel -, continuam a pugnar pelo regresso à antiga ortografia, com a mesma convicção com que os sebastianistas esperavam o regresso de D. Sebastião.
O caso é tanto mais de admirar, quanto eles insistem sem desfalecimento num pequeno menu de argumentos, em geral de uma enorme fragilidade, como se deduz de mais uma peça de um dos seus mais empenhados ativistas, Nuno Pacheco, ontem no Público, um dos poucos periódicos que se mantém fiel à antiga ortografia.

2. O argumento tem a ver desta vez com a grafia dos termos infetar e derivados (infeção, infetado, etc.) no Português europeu, depois do Acordo, quando no Brasil – que também subscreveu o Acordo (e noutros países de Língua Portuguesa que o não ratificaram ainda) – os mesmos termos se escrevem com um adicional (infectar, infecção, etc.).
O que o autor não diz, propositadamente para criar a confusão, é que no Brasil essas palavras se escrevem com o tal c porque assim se pronunciam, sendo esse um dos vários casos da diferença de pronúncia das mesmas palavras nos dois lados do Atlântico (facto e fato, contacto e contato, perceção e percepção, etc.).
Ora, uma das mais-valias do Acordo Ortográfico, sem prejuízo da tendencial uniformização da ortografia, consiste justamente em assinalar essas diferenças incontornáveis entre as duas versões da Língua. A ortografia não deve servir para esconder artificialmente reais diferenças de dicção, nem a Língua comum ganha nada com isso.

3. O mesmo se diga do facto de várias outras línguas (Castelhano, Francês, Inglês, etc.) usarem igualmente o dito c nas palavras correspondentes: só que também em todas elas o c é pronunciado. Curiosamente, o autor regista o caso italiano, que não usa o dito c, escrevendo-se infezione, infettare, infetto, justamente porque é assim que se pronunciam. Ou seja, nos exemplos do autor, o tal c escreve-se lá onde se pronuncia, mas não onde não se pronuncia – o que, portanto, não abona a sua tese
Outra das vantagens do Acordo está justamente em registar para os estudantes estrangeiros as diferenças fonéticas e gráficas entre Português europeu e outras línguas próximas. Já se imaginou o problema de um aluno estrangeiro de Português, em Portugal, ao pronunciar a palavra infetar, se ela se escrevesse com c, como querem os sebastianistas ortográficos? Ou, já agora, as palavras ativo, respetivo, efetivo, etc., se escritas com c, à moda antiga, julgando que elas se leem da mesma maneira que na sua própria língua?
Na verdade, ao eliminar esse e outros arcaísmos da ortografia portuguesa, o Acordo Ortográfico também veio facilitar a aprendizagem do português europeu pelos estrangeiros que estudam a nossa Língua.

 


2. Francisco responde a Vital

«Não conheço o artigo científico que serve de base a esta afirmação peremptória e grave do ex-eurodeputado. Fico a aguardar, serenamente, as referências de Vital Moreira. Obviamente, esperarei sentado.» [Francisco Miguel Valada, publico.pt 21.04.20]


3. Vital fica chateado com a resposta de Francisco

Uma língua, uma ortografia

Vital Moreira, publico.pt, 22.04.20

 

Não existe nenhuma razão lógica para que uma mesma língua mantenha tantas divergências ortográficas

 

Desde a sua assinatura em 1990, sou apoiante declarado do acordo ortográfico para unificar tanto quanto possível a língua portuguesa escrita, eliminando as discrepâncias entre a norma europeia (e africana) e a norma brasileira. E também nunca entendi bem as razões pelas quais Portugal, que ratificou o acordo logo em 1991, não fez depois nada para conseguir a ratificação dos Estados que o não fizeram, nem as que agora justificam uma “moratória” de dez anos para a sua efectiva entrada em vigor.

Afções e infções

«O português europeu,[2] português lusitano,[3] português ibérico ou português de Portugal é a designação dada à variedade linguística da língua portuguesa falada em Portugal, nos PALOP, em Timor-Leste, em Macau e pelos emigrantes portugueses, dos PALOP, de Timor-Leste e de Macau espalhados pelo mundo, englobando os seus dialectos regionais, vocabulário, gramática e ortografia.» [Wikipedia]

Afecções e infecções ortográficas

Francisco Miguel Valada, publico.pt 21.04.20

Não conheço o artigo científico que serve de base a esta afirmação peremptória e grave do ex-eurodeputado. Fico a aguardar, serenamente, as referências de Vital Moreira. Obviamente, esperarei sentado.


—Dios se lo perdone —dijo Sancho—. Dejárame en mi rincón, sin acordarse de mí, porque quien las sabe las tañe, y bien se está San Pedro en Roma.
Miguel de Cervantes Saavedra

Vital Moreira decidiu sair da caverna ortográfica, em que (julgava eu) prudentemente se escondera há uns anos, para vir a terreiro atacar Nuno Pacheco, a propósito do artigo Enquanto combatemos o novo coronavírus, o velho “ortogravírus” não pára (PÚBLICO, 16/4/2020). Com um pequeno texto no Causa Nossa, um blogue colectivo no qual só o antigo eurodeputado escreve, Vital Moreira voltou a dar mostras de falta de rigor em matéria ortográfica. Lembremo-nos da pergunta há uns anos feita à Comissão Europeia pelo ex-eurodeputado (PÚBLICO, 11/8/2012): “se e quando pretende a Comissão adotar [sic] nos textos oficiais a grafia resultante do mencionado Acordo?”. No início dessa pergunta, Vital Moreira indicava que o Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) (chamando-lhe “novo Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa”) entrara em vigor em Janeiro de 2009.

Quem, em algum momento da vida, efectivamente se debruçou sobre esta matéria sabe que Janeiro de 2009 não é data de entrada em vigor de coisíssima nenhuma ortográfica. Na contestadíssima Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011 (Diário da República, 25/1/2011), é 13 de Maio de 2009 a data indicada para a entrada em vigor do AO90 em Portugal. Curiosamente, Vital Moreira viria posteriormente a actualizar a pergunta à Comissão Europeia, mas mantendo intacto o erro na data. Isto é, o ex-eurodeputado pronunciou-se sobre a entrada em vigor do AO90 sem saber quando é que este de facto (alegadamente) entrara em vigor.

Vital Moreira confessa admiração pela “pequena tribu [sic] de opositores ao Acordo Ortográfico, os quais, passados mais de dez anos sobre a sua vigência e a sua aplicação generalizada – o que o torna irreversivel [sic] –, continuam a pugnar pelo regresso à antiga ortografia, com a mesma convicção com que os sebastianistas esperavam o regresso de D. Sebastião”. Quanto a mim, confesso a minha estupefacção, não tanto nem pela alegada dimensão da ‘tribu’, nem pela irreversibilidade desencantada sabe-se lá onde, mas por ver, no penúltimo parágrafo do texto do ex-eurodeputado, a grafia lêem em vez de *leem. Passados os tais “mais de dez anos” sobre a “vigência” e “aplicação generalizada”, esperava-se mais qualidade ortográfica de quem, com tanta autoridade auto-atribuída, vem defendendo o AO90 desde 1990 (PÚBLICO, 18/12/2007) e dando a impressão de escrever segundo as regras do AO90. Curiosamente, ao percorrer o índice onomástico da obra Demanda da Ortografia Portuguesa, organizada por Inês Duarte, Ivo Castro e Isabel Leiria, reparo que o ex-eurodeputado, apesar das abundantes intervenções sobre o AO90 do nosso descontentamento, nunca interveio, pelo menos de forma notória, acerca do AO86 do cágado sem acento.

Há dez anos, precisamente neste jornal, de indicador apontado à rejeição do AO90 pela excelente direcção do PÚBLICO, Vital Moreira manifestava-se preocupado com “o estabelecimento de uma confusão duradoura em matéria ortográfica” (PÚBLICO, 5/1/2010). Curiosamente, com lêem, um tesouro da melhor ortografia portuguesa disponível (a de 1945), o ex-eurodeputado vem, ele próprio, tornar-se foco de “confusão duradoura em matéria ortográfica”. Com lêem, o antigo professor catedrático de Direito vem provar que, ao contrário da garantia de Paulo Feytor Pinto, o AO90, afinal de contas, não se aprende em meia hora. Passados os tais “mais de dez anos sobre a sua vigência e a sua aplicação generalizada”, Vital Moreira continua sem dominar o AO90. Se um professor catedrático jubilado de Direito Constitucional, frequentemente atento a este assunto, não aprendeu as regras do AO90 em dez anos, imagine-se o tempo que não demorará um cidadão comum. Querer adoptar, efectivamente, não é poder.

O ataque mais feroz de Vital Moreira a Nuno Pacheco diz respeito à denúncia das infecções e dos infectados no Brasil e em Portugal antes do AO90 e das infecções e dos infectados que se mantêm no Brasil com o AO90, mas que se transformam em *infeções e *infetados em Portugal com o AO90. O ex-eurodeputado aproveita o Causa Nossa (aliás, tendo em conta o carácter unipessoal da causa, sugiro que altere o nome para Causa Minha) para criar uma doutrina, segundo a qual “a ortografia não deve servir para esconder artificialmente reais diferenças de dicção”. Terão passado ao lado de Vital Moreira quer as expressões “unidade essencial da língua portuguesa” e “contra a desagregação ortográfica da língua portuguesa” da Nota Explicativa do AO90, quer os estudos já por mim aqui indicados de linguistas sobre o valor grafémico das consoantes cê e pê (PÚBLICO, 15/3/2015), quer, em geral, as conclusões dos estudos mais recentes sobre este assunto, bem resumidas por Bentolila, quando lembra o papel já desempenhado pelo alfabeto fonético internacional para quem deseja vectores de correspondência entre letra e som (PÚBLICO, 1/12/2018).

Todavia, em meu entender, o mais importante trecho deste texto é o último parágrafo. Segundo o antigo eurodeputado, a eliminação do cê de infectar, activo, respectivo ou efectivo “facilita a aprendizagem do português europeu pelos estrangeiros que estudam a nossa Língua”. E isto encontra-se realçado a amarelo no texto de Vital Moreira, para não haver dúvidas acerca da importância da coisa. Não conheço o artigo científico que serve de base a esta afirmação peremptória e grave do ex-eurodeputado. Provavelmente, houve algum estudo através do qual se descobriu a melhoria da aprendizagem do português europeu por falantes de outras línguas, devido à supressão dos cês e dos pês não pronunciados. Fico a aguardar, serenamente, as referências de Vital Moreira. Obviamente, esperarei sentado.

Francisco Miguel Valada

Autor de “Demanda, Deriva, Desastre: Os Três Dês do Acordo Ortográfico” (Textiverso, 2009)

 
[Transcrição integral . Destaques sublinhados e “links” (a vermelho) meus. Imagem copiada da Internet. Tudo o que aqui escrevo é de minha exclusiva responsabilidade e tudo o que aqui reproduzo — com a finalidade de constituição de acervo documental respeitante ao “acordo ortográfico”, em especial — é da responsabilidade dos respectivos autores, que são, sempre que possível, citados com indicação das fontes/autoria. JPG]

O Estudo em Casa “aftado”


«Os alunos do ensino básico terão disponíveis, a partir das 9 da manhã do dia 20 de Abril, um conjunto de blocos pedagógicos transmitidos pela RTP Memória e pela RTP Play. Estes blocos servirão para complementar o trabalho dos seus professores, e respeitam as aprendizagens essenciais determinadas pelo Ministério da Educação.»

«As aulas podem ser acedidas pela televisão (através do cabo e da TDT) e online (via RTP Play), e destinam-se a minorar os prejuízos causados pelo confinamento dos alunos devido à pandemia de COVID-19. O Ministério da Educação anunciou que os blocos pedagógicos serão transmitidos de segunda a sexta-feira, entre as 9h00 às 17h50, sob a designação #EstudoEmCasa.»

infecção | s. f.
in·fec·ção |èç| ou |ècç|
(latim infectio, -onis, acção de tingir)
substantivo feminino
1. Acto ou efeito de infeccionar.
2. Corrupção; contágio.
infecção oportunista
Prática que consiste em manter ou aumentar a distância física entre pessoas ou em evitar o contacto directo com pessoas ou objectos em lugares públicos, sobretudo durante o surto de doenças infecciosas, para diminuir o risco de contágio e a propagação da infecção.
Dupla grafia pelo Acordo Ortográfico de 1990: infeção ou infecção.
Palavras relacionadas reinfecção, auto-infecção, heteroinfecção, multinfecção, oportunista, superinfecção, infeccionar.
“infecção”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/infec%C3%A7%C3%A3o [consultado em 16-04-2020].

Enquanto combatemos o novo coronavírus, o velho “ortogravírus” não pára

Nuno Pacheco, publico.pt, 16.04.20

 

Sabem o que é o “impato” da pandemia? Ou a propriedade “inteletual”? Ou os “artefatos” que a PJ encontrou? Ou a “seção” do talho? Ou o “fato de não irem” sabe-se lá onde? Ou alguém ter ficado “estupefato” com alguma coisa? Se não sabem, deviam saber. São alguns dos recentes efeitos de um vírus que se instalou na escrita portuguesa (mas também na fala: esta semana, na televisão, alguém falou em “adetos” de um clube) e não há maneira de ser erradicado. Está um pouco por todo o lado, desde o oficialíssimo Diário da República aos jornais e à televisão.

E continua assim por sucessivas razões. Quando se fala nos malefícios do acordo ortográfico, há sempre qualquer urgência que adia a discussão: eleições, remodelações, temas candentes no parlamento (aborto, eutanásia, orçamento), crises, um imenso rol. Mas como a língua, falada ou escrita, é coisa de todos os dias e transversal a todas as actividades, da mais pequena etiqueta de vestuário ou bula farmacêutica até aos decretos governamentais, o caos ortográfico é desde há muito um dado adquirido nessa imensa torrente de palavras. Bem pior em Portugal do que no universo mais vasto da língua portuguesa, onde tal vírus só fracamente se propagou.

Um exemplo, actualíssimo. Quando o ministro Tiago Brandão Rodrigues anunciou, nesta quarta-feira, as maravilhas da nova telescola pela “caixinha mágica” (palavras dele) da RTP, no rodapé era anunciado um aumento do “número de infetados” (sic) com o novo coronavírus. Por cá, tudo o que se relaciona com infecções foi amputado de uma letra pelo velho vírus ortográfico (ou “ortogravírus”, como queiram) e passou a infetado, infetada, infecioso, infeção, infeções, infetou, infetar, desinfeção. Pois bem, já que o acordo ortográfico de 1990 é para o universo da língua portuguesa, supunha-se que tal grafia seria comum a todos os países. Mas não. No Brasil, como já aqui se referiu, a norma desta família de palavras não se alterou (está, aliás, igual à que Portugal praticava antes do acordo): infectado, infectada, infectados, infecção, infecções, infecciosas, infectologista, desinfecção. E numa ronda mais recente pela imprensa brasileira (no dia 12 de Abril) confirma-se tal conclusão. Folha de S. Paulo: “Ele [Jair Bolsonaro] negou ter sido infectado, mas não mostrou o resultado dos exames até agora”; Correio Braziliense: “Após 16 dias de infecção, um novo exame e o resultado negativo”; Estadão: “A missão dos governos será retomar a atividade econômica sem desencadear uma segunda onda de infecções.” Jornal do Brasil: “No Ceará, são 1.582 infectados e 67 óbitos.” Veja: “Acompanhe as últimas notícias sobre a infecção no Brasil e no mundo.” Chega?

Não, não chega. Vejamos Cabo Verde. A Semana (12/4): “infectados” e “infecção”; Expresso das Ilhas (11/4): “infectada”, “infectou”. Agora São Tomé e Príncipe. Jornal Transparência (26/3): “infecção” e “infectou”; Téla Nón (8/4): “infecção” e “infectados”; Jornal Tropical (25/3): “infecção”. Convém sublinhar que nestes jornais (dos únicos países que até agora aderiram ao AO90) continua a aplicar-se a grafia de 1945, excepto nos artigos importados de Portugal, via agência Lusa. Mas prossigamos a viagem, com Angola. O Novo Jornal (9/4) fala em “casos de infecção” e o Jornal de Angola (11/4) em “casos infectados”. Em Moçambique, idem: “Infectadas” n’O País (5/4) e “infectados” na Verdade (11/4). Tal como em Timor-Leste: “A cidadã infectada esteve em Portugal para uma acção de formação” (Tornado, 23/3). Só na Guiné-Bissau se verifica uma miscelânea. O comunicado do Ministério da Administração Territorial e Poder Local (11/4) fala em “pessoas infectadas”, mas grafa “atividade” sem C. Nos jornais O Democrata ou Rispito também podem encontrar-se “infeção” e “infetados”.

Portanto, “infetados” só mesmo em Portugal e algures em Bissau. No resto do mundo, só há “infectados”. Mas pode dizer-se que Portugal seguiu exemplos de simplificação ortográfica existentes noutros países? Veja-se como se escreve infecção noutras línguas que usam o nosso alfabeto. Mantendo o dígrafo CT da língua matriz, o latim (infectione), temos infection (inglês, francês) e infectie (holandês e romeno, este com uma cedilha no t); com o dígrafo CC, temos infección (espanhol, galego) e infecció (catalão); com o dígrafo KT, há infektion (alemão, dinamarquês, sueco), infektioun (luxemburguês), infektio (finlandês), infekto (esperanto) e infektsiya (uzbeque); com o dígrafo KC, registam-se infekcija (bósnio, croata, lituano, letão), infekcja (polaco), infekcie (eslovaco) e infekce (checo); com KS, há infeksi (indonésio), infèksi (javanês), inféksi (sudanês), infeksie (afrikaans), ynfeksje (frísio), infeksiya (azerbaijano), infeksion (albanês), infeksjon (norueguês), enfeksiyon (turco) e enfeksyon (crioulo haitiano); com KZ há infekzio (basco); e com ZZ infezzjoni (maltês, corso). Com uma só letra, o Z, há o infezione italiano. Que se lê com “e” aberto, ao contrário da infeção acordista, onde o “e” se apaga como em infecundo, infeliz ou inferior. O ministro da Educação devia acordar para isto, quando sugere um interesse por “línguas estrangeiras” nestes tempos de difusão telescolar.

[Transcrição integral . Nesta transcrição foi  mantida a cacografia e ou mantida em gravação a algaraviada brasileira do original . Destaques sublinhados e “links” meus. Imagem copiada da Internet. Tudo o que aqui escrevo é de minha exclusiva responsabilidade e tudo o que aqui reproduzo — com a finalidade de constituição de acervo documental respeitante ao “acordo ortográfico”, em especial — é da responsabilidade dos respectivos autores, que são, sempre que possível, citados com indicação das fontes/autoria. Os “links a verde são meus. JPG]

 

O “corretor”


corretor | s. m.
corrector | adj. | s. m.

cor·re·tor |ô|
(provençal corratier, intermediário)
substantivo masculino

1. [Economia] Intermediário em compras e vendas, especialmente de acções na bolsa, mediante percentagem.
2. Pessoa ou empresa que promove negócios alheios (ex.: corretor de apostas, corretor de seguros, corretor imobiliário). = AGENTE
3. Inculcador.
4. Peça em que gira a roda do moinho de vento.
5. [Depreciativo] Alcoviteiro.
Confrontar: corrector.
Palavras relacionadas: corretora, corrector, correctoria, corretagem, broker, adelo, zângano

“corretor”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/corretor [consultado em 02-04-2020].

Microsoft lança corretor ortográfico para Edge e Chrome; baixe agora

tecmundo, 31/03/2020

Com o anúncio da reformulação do Office 365, que agora chama-se Microsoft 365, a Microsoft revelou novos recursos para os usuários. Entre eles está a extensão Microsoft Editor, um corretor de ortografia e gramática para navegadores baseados no Chromium.

Assim como acontece no Word e outros programas do Office, a ferramenta vai auxiliar o usuário enquanto escreve na internet. Com a ajuda da inteligência artificial, ele vai indicar palavras que podem estar escritas de forma incorreta e corrigir possíveis erros gramaticais.

–Extensão Microsoft Editor já é compatível com português brasileiro

Como dito, um dos destaques do Microsoft Editor é que ele vai atuar como uma ferramenta especialmente para navegadores. Desta forma, além de estar disponível no novo Microsoft Edge, ele poderá ser instalado no Google Chrome. O download para ambos os navegadores é feito na Microsoft Store, e ele já funciona em português brasileiro.

Com isso, alguns especialistas acreditam que a nova ferramenta pode se tornar um grande rival para outras extensões como o Grammarly e o LanguageTool. Ambas possuem funções bem semelhantes ao novo corretor.

De acordo com a companhia, o Microsoft Editor vai começar a ser disponibilizado em alguns países a partir de hoje, dia 31 de março. Desta forma, a previsão é que o recurso esteja disponível globalmente para todos os usuários até o final de abril.

Confira o vídeo de apresentação da nova ferramenta: