Afinal, macacos me mordam, não apenas a “conversa” descambou — se bem que previsivelmente — para uma amena cavaqueira, como, ainda por cima, amesquinhou-se de novo uma questão que permanece ad aeternum sendo um gravíssimo engulho nacional.
O que temos então é algo simples, querela pessoal ou mal resolvida disputa de egos, cada qual puxando o lustro aos seus intelectuais penduricalhos a ver quais e quantos labregos faz embasbacar pelo rebrilhar dos arreios e faiscações dos prateados. Não é para todos, enfim, que isto ele a ortografia é coisa que faça-me o favor.
Retiremo-nos nós outros, por conseguinte, de tais é tão lixadíssimos assados, deixemos os lustres para os ilustres e reduzamo-nos à nossa pelintra insignificância.
Cumprimentos aos contendores, com o devido respeito, haja saúdinha.
O Acordo Ortográfico de 1990: um pouco mais de chá, sff
Francisco Miguel Valada
Maybe I should make a cup of tea and take Vitamin C. Would you like a cup of tea?
Sam Shepard
Agradeço a Vital Moreira a razão que me dá na sua Causa Nossa (CN), com a reacção ao meu artigo Afecções e infecções ortográficas (PÚBLICO, 21/4/2020). Efectivamente, continuo sentado à espera: dois parágrafos e uma adenda e nem uma referência para amostra, apenas e só quatro acusações pessoais. Apesar de tudo, esperava do ex-eurodeputado uma resposta à acusação muito concreta por mim já duas vezes feita: pouco rigor na indicação à Comissão Europeia da data da alegada entrada em vigor do AO90 em Portugal. Quanto a isso, batatas. Já agora, não devolvo ao ex-eurodeputado a deselegância com que me brindou, adrede omitindo o meu nome no seu texto.
Vital Moreira faz quatro acusações: (1) não respondo a qualquer dos argumentos aduzidos sobre as divergências ortográficas remanescentes entre português europeu e português do Brasil depois do AO90 [“Divergências”, senhor tradutor/intérprete?”Remanescentes”, senhor escriba? “Depois” do AO90, coisinho? Mas mas mas mas mas…]; (2) enveredo por “um tipo de polémica pouco recomendável”, porque me limito a explorar um lêem que o ex-eurodeputado grafou, em vez de *leem, como mandam as regras do AO90; (3) sou intelectualmente desonesto, por não ter verificado a correcção feita pelo antigo eurodeputado ao seu texto antes de eu publicar o meu artigo; e (4) ataco pessoalmente os meus adversários.
Comecemos pelas quarta e terceira acusações. Na quarta acusação, Vital Moreira esconde expressamente a incompetência por mim denunciada com o choradinho do “ataque pessoal”. Não aceito nem admito esta acusação. Não lhe fiz qualquer ataque pessoal. Acuso o ex-eurodeputado de ser incompetente na adopção do AO90 [ah, portanto, na opinião do senhor escrevente, as pessoas devem “adoptar” “competentemente” a escrita brasileira: depois chamam a isso AO90 e pronto, “adotaram” “com “competência” a pepineira brasileirófona] , utilizando a mesma medida do professor catedrático jubilado quando atribuía nota fraca a alunos seus por pouco estudo e fraco desempenho. Ora, é exactamente disso que aqui se trata: Vital Moreira não estudou o AO90, limita-se a falar dele, repercutindo-se isso num fraco desempenho. [Certo. O senhor escriba acha que se deve “estudar” o AO90, resultando para os cábulas a “vergonha” do “fraco desempenho”, uma vergonha cambada de preguiçosos.] É só isso e nada mais do que isso.
A terceira acusação é a mais grave. No momento em que enviei o meu artigo para publicação, a grafia correcta (pré-AO90) lêem ainda se encontrava no texto de Vital Moreira. Aliás, ao enviar o meu texto para publicação, enviei igualmente imagens do texto [ver imagens de “antes” e “depois”, em baixo, no fim deste esgalhanço] do ex-eurodeputado captadas nesse preciso momento, para verificarem no PÚBLICO a exactidão das minhas acusações aquando do envio. A alteração cosmética de Vital Moreira é de facto posterior e não anterior ao envio do meu texto. Agradeço ao antigo eurodeputado que se retracte [não carece de retractação; ver as imagens basta].
Passando à segunda acusação, intimamente ligada à terceira. Não é verdade. Não me limito a explorar um lêem em vez de *leem. Aquilo que fiz, ou seja, aquilo que faço é acusar Vital Moreira de não conhecer as regras do AO90, mas de isso o não inibir de emitir opiniões aparentemente técnicas sobre as bases programáticas a adoptar na ortografia portuguesa europeia. E este problema do ex-eurodeputado não se resolve com operações superficiais, como a da substituição de lêem por *leem. O problema resolve-se quando o ex-eurodeputado aprender as 21 bases do AO90. [Pobre Vital. É um aldrabão do piorio mas com castigos destes até fico com pena dele.] Por exemplo, dois dias depois deste lêem, no dia 19 de Abril de 2020, no texto Pandemia (7): O 25 de Abril é de todos!, Vital Moreira grafou vêem em vez de *veem: “não vêem bem que a data que deveria ser de todos”.
Portanto, repito neste momento a acusação: acuso Vital Moreira de ter escrito vêem, sim, mas estou principalmente a acusá-lo de nos querer dar música, apesar de não saber tocar rabecão. Como se vê, a terceira acusação do ex-eurodeputado, mesmo se fosse verdadeira (e repito que não é), não faz qualquer sentido: apesar de leem no lugar do lêem, o vêem mantém-se no CN, porque Vital Moreira não aprendeu a base IX, 7.º do AO90. [Coitado.]
Para terminar o rol, se Vital Moreira tivesse lido o meu texto, não teria feito a primeira acusação. Se o ex-eurodeputado quiser ler aquilo que o meu artigo diz, em vez de ler aquilo que quer fazer crer que ele diz, se tiver o trabalho de verificar as referências que indico sobre o valor grafémico das consoantes cê e pê e a inadequação de um código ortográfico para servir de simples vector aos sons da fala, perceberá que lhe respondi tintim por tintim e sem ocupar muito espaço.
Vital Moreira considera que não estão reunidas as condições para “um debate intelectual decente”. Infelizmente, concordo. De facto, enquanto o ex-eurodeputado continuar a não dominar as regras do AO90, [“regras”? Que “regras? O AO90 não tem regras nenhumas, à excepção de alguns excertos da Convenção Ortográfica de 1945 denunciada unilateralmente 10 anos depois] não há condições. Com muita pena minha.
Francisco Miguel Valada
[Transcrição integral. “Público”, 27.04.20. Destaques e sublinhados meus; chamadas de atenção em cor diferente (vermelho, laranja, verde), notas e observações de minha autoria. Imagem de “Expresso da Linha”.]
Cá está: “lêem”, na primeira versão, como consta da cópia guardada em WebArchive, e “leem”, na versão ultra-acordizada do comunista, consoante ele depois “corrigiu” e que neste momento — enquanto o dito esquerdista não mudar outra vez de ideias — ainda lá está.
A reprodução de artigos e/ou conteúdos da autoria de terceiros tem por finalidade única a constituição de acervo documental sobre tudo aquilo que, segundo critérios meus, interessam ou dizem respeito ao chamado “acordo ortográfico” (e a outros detritos). [“livro de estilo”]