O fim da istória (1)

A maneira mais eficaz de destruir as pessoas é negar e remover qualquer vestígio que lhes permita a compreensão da sua História.

 

Ao que parece, o assunto foi mais uma vez adiado, desta vez para Setembro de 2020. Pois bem, aí está Setembro, veremos. Isto se houver alguma coisa para ver, claro, o que a suceder seria um verdadeiro milagre, sobre o qual (mesmo que tenha de abrir uma excepção absoluta, porque nunca aposto em nada e muito menos em algo que valha coisa nenhuma)  aposto 1 € em que não, não vai haver seguimento algum.

Não carece o apostador de possuir algum tipo de poderes de adivinhação, basta ler os documentos atinentes paridos pela Comissão de Cultura e Comunicação, à qual o texto foi distribuído para verificação dos respectivos requisitos formais e legais, primeiro, e depois o “parecer” (este é vinculativo, pelos vistos, mais um mistério de S. Bento) da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Está visto e atestado para que serviu e como “funcionou” a chamada “casa da democracia” tuga, em especial no que à ILC-AO diz respeito; ou seja, na prática e em descrição sumária, um contínuo e muito mal disfarçado empurrar com a barriga tentando esconder a própria existência da Iniciativa Legislativa de Cidadãos pela revogação da RAR 35/2008Não cabe aqui, ao menos para já e para que não nos dispersemos quanto à essência dos mais recentes não-acontecimentos, qualificar com exemplos a total e absoluta inutilidade da chamada “democracia directa” segundo os preceitos constitucionais e de acordo com o statu quo político-partidário estabelecido: na minha opinião, o regime que vigora nesta novel estância balnear brasileira é uma autocracia de dois partidos que se revezam no Poder e que partilham entre si, estando no Governo ou na chamada “oposição”, todos os esquemas que sirvam os interesses (gerais, empresariais e particulares) de ambos.

Concretamente, no caso da ILC-AO, a sentença desarrolhada pela Comissão de Assuntos Constitucionais, “a pedido” da Comissão regulamentar, serviu apenas para maquilhar — com camadas de uma espécie de pó de arroz constitucional — a recusa liminar da aceitação da Iniciativa para qualquer tipo de seguimento parlamentar. Aliás, não só da recusa da aceitação como da admissão para discussão em plenário: a ILC-AO, liquidada com um tiro na nuca por um tipo qualquer da Comissão onde estão as pistolas, passará assim não à História, ao menos por ter sido a primeira (e última?) iniciativa cidadã genuína alguma vez promovida em Portugal, mas, pelo contrário, apenas passará a ser mais um monte de papeis em qualquer vão de escada do arquivo morto parlamentar. E até que venha o camião da reciclagem lá ficará tudo entregue ao pó, todo o lastro físico da ILC, pressupostos, texto do Projecto de Lei, caixotes com 22.000 assinaturas, centenas de mensagens dos subscritores. correspondência oficial trocada com a Assembleia e respectiva tramitação. 

O truque/golpe final foi “alegar” que a ILC-AO é inconstitucional porque iria interferir num Tratado internacional, matéria da exclusiva competência do Governo. Já anteriormente os acordistas e seus agentes tinham conseguido o objectivo primário (empurrar o assunto o mais possível no tempo até que por inércia se estabelecesse o AO90 como facto consumado) e com isso puxaram a questão, a discussão pública, o interesse dos “média” e a dedicação de inúmeros ingénuos, à mistura com alguns infiltrados, para uma teórica polémica ortográfica — um absoluto contra-senso, já que o AO90 de ortográfico nada tem — desviando assim as atenções do que verdadeiramente não querem que se saiba: por que bulas surgiu o AO90, que interesses económicos e geopolíticos estão subjacentes, quem foram os verdadeiros artífices de tão aberrante experiência de engenharia social (não foram os “linguistas” que deram a cara pela aberração, pobres diabos, esses eram só vaidosos patológicos).