Dia: 27 de Novembro, 2020

Quéru u livru dji réclámáçáum, tá légáu?

Já aqui abordámos esta questão (de tacho), mas não deixa de ser interessante, anedótica e “comovedora” a forma como os brasileiros se atiram a assuntos “linguísticos” no caso exclusivo de isso de alguma forma prejudicar os seus recém-adquiridos direitos de potência colonizadora.

Desta vez, também já cá faltava, os queixumes arranham o enxovalho político, o insulto de patrão mal servido que esbofeteia o criado com as luvas de pelica dobradas na mão do castigo. Chamam-nos, o que é para já mera bofetada indolente, “xenófobos” (em brasileiro, como em Espanhol, a designação varia mas pouco). Dizem que nós, portugueses, além de “xenofóbicos” somos do piorio, fazemos-lhes “ilegalidades” (o contrário de “légáu, viu”) e tratamos genericamente mal a brasileirada, coitadinha, ah, mas isto não fica assim, dizem e ameaçam eles, vai já de Itamaratchi em riste, vocês vão ver, seus tugazinhos, até comemos “cês”!

É curioso terem irrompido estes pruridos “linguísticos” apenas recentemente, depois de Portugal ter “adotado” politicamente a língua brasileira (AO90). Mas, ao que já se vai vendo, a vingança está agora a auto-coligir-se, ui, que medo, lá vem retaliação. De facto, onde já se viu, mas o que é isto, indígenas a revoltar-se contra a anexação estrangeira, invasão brutal e ignorante bombardeio, ainda por cima? Como?!

E quanto a nós outros, tugazinhos: ah, isto agora é assim, meia bola e força, até analfabetos temos de gramar, salvo seja? Ah, então está bem, dizem alguns, os tais tugazinhos, gente pequenina cujo modo de vida é bajular.

Uma outra curiosidade, espécie de sub-produto desta telenovela, é a própria diferença (radical) entre as duas designações: em qualquer simples busca, os resultados da (mesma) profissão em Português (“terapia da fala”) e em língua brasileira (“fonoaudiologia“) devolvem resultados evidentemente estanques, separados, num critério  exclusivamente portugueses e no outro só brasileiros. Ora, esta pesquisa simples não deixa de ser interessante (e rara), visto que uma das tremendas aldrabices do AO90 foi a adulteração das profissões, artes, especialidades: o que era português desaparece agora em qualquer pesquisa, passando a figurar nos primeiros lugares das buscas exclusivamente empresas, profissionais, materiais brasileiros; seja o que for que se procure agora, à conta do AO90 passou tudo, “milagrosamente”, a ser brasileiro. Uma golpada “muintu légáu”.

[Nota: o tom “brincalhão” desta “piquena” diatribe, aliás na sequência das imediatamente anteriores, é deliberado: o assunto (a neo-colonização) é de tal forma deprimente (ou nojento) e implica tantas e tão maçadoras considerações (técnicas, históricas, culturais e até psiquiátricas), que utilizar um timbre curial e sério seria algo como um “piqueno” suicídio intelectual. A escolha entre a escrita com uma ruga profunda na testa ou um “piqueno” sorriso na boca é fácil e resulta da escolha entre dois males: a roubalheira alegre ou a alegre roubalheira.]

Fonoaudiólogos brasileiros são impedidos de trabalhar em Portugal por não dominar idioma

Por
br.sputniknews.com, 24.11.20

Fonoaudiólogos vindos do Brasil não podem exercer a profissão em Portugal sob a justificativa de não falarem… português. Essa é a resposta padrão apresentada pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) para negar pedidos de cédula profissional a brasileiros.

Um abaixo-assinado virtual com o objetivo de que o processo da regularização de fonoaudiólogos brasileiros em Portugal ocorra de forma legítima e transparente estima que haja mais de dois mil profissionais “vítimas dessa ação irregular, de cunho ilegal e xenofóbico, que se caracteriza pelo preconceito linguístico“. Segundo o professor português António Veira, terapeuta da fala (nomenclatura dada aos fonoaudiólogos em Portugal), “há de 2.200 a 2.500 pedidos de fonoaudiólogos para aquisição da [cédula de] terapia da fala em Portugal e que estão quase todos a ser indeferidos”.

A Sputnik Brasil conversou com três fonoaudiólogas brasileiras que tiveram o pedido de cédula profissional indeferido pela ACSS após quase um ano de espera pela resposta. O indeferimento, nesses casos, apresenta a justificativa idêntica de que, “durante a prova linguística, a requerente demonstrou não dominar o português europeu nos diferentes domínios semântico, morfossintático, fonético-fonológico, quer na vertente oral quer na vertente escrita“.

A “prova” em questão se trata de uma entrevista presencial de meia hora e uma redação, aplicadas a candidatos brasileiros a partir de 2019, mas sem prazo para resultados. Até então, a ACSS exigia apenas o envio de “declaração original emitida por um terapeuta da fala (devidamente autorizado a exercer em Portugal) em como não possui qualquer perturbação da fala e ou da voz e domina a língua portuguesa tal como é falada ou escrita.

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Cares senhores/as deputades…

Tinha de ser: no âmbito de “patrióticas” e alucinadas experiências “linguísticas”, o Brasil vai a choute com a aparentemente urgente empreitada de demolição sistemática da sua língua. Continuam também, como de costume, a chamar “portuguesa” à cacofonia (e cacografia) da língua brasileira, cujas cada vez mais vagas e remotas parecenças com o Português-padrão são de facto folclóricas e politicamente dementes, tão imenso é o fosso que as separa.

Este modismo politicamente correcto da língua “assexuada” não deixa de ser algo cómica, hilariante por vezes, e ao que parece, em função do processo de colonização em curso, ensombra já a língua brasileira impingida a Portugal (e PALOP) pelo AO90. No fundo, esta Novilíngua que não é “menino” nem “menina” chegará quiçá aos antros acordistas do nosso país, a Assembleia de República, e assim, tornando ainda mais anedótica a sua execrável brasileirada de tribunos (“tribunes”) obedientes/os/as, carneirinhes habituades a proferir barbaridades/os/as à velocidade/o/a de/a/o luz/lamparina/pisca-pisca.

Errata: nos dois talos de folha-de-couve que se seguem, onde se lê “língua Portuguesa” leia-se língua brasileira.

 

Pais decidem se unir contra o “gênero neutro” em escolas

 

Henrique Gimenes
pleno.news – 23/11/2020

Grupo lançou abaixo-assinado contra a medida após colégio no RJ promover a mudança

Após um colégio do Rio de Janeiro decidir inovar e adotar o “terceiro gênero” dentro da instituição, um grupo de pais resolveu promover um abaixo-assinado contra a “neutralização de gênero” da Língua Portuguesa dentro da instituição de ensino.

O documento pede a “não mudança da norma culta da língua Portuguesa em documentos e comunicados oficiais das escolas” por entender a medida “como um movimento de ‘ideologia de gênero’”.

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O abaixo assinado ressalta ainda que “discursos ideológicos e com viés partidário dentro das instituições escolares tradicionais e apartidárias promovem maior polarização e dividem a comunidade escolar e a sociedade como um todo”.

O abaixo assinado ressalta ainda que “discursos ideológicos e com viés partidário dentro das instituições escolares tradicionais e apartidárias promovem maior polarização e dividem a comunidade escolar e a sociedade como um todo”.

A petição já conta com mais de 2.380 assinaturas e pode ser vista aqui.

NEUTRALIZAÇÃO DE GÊNERO
Em um comunicado, o Colégio Franco-Brasileiro, do Rio de Janeiro, informou que a “neutralização de gênero” foi adotada devido ao “compromisso com a promoção do respeito à diversidade e da valorização das diferenças no ambiente escolar”.

No documento, o colégio explicou que a “neutralização de gênero gramatical consiste em um conjunto de operações linguísticas voltadas tanto ao enfrentamento do machismo e do sexismo no discurso, quanto à inclusão de pessoas não identificadas com o sistema binário de gênero.

Eles também citaram como exemplos a substituição de “queridos alunos por querides alunes”, já que a mudança “passa a incluir múltiplas identidades sob a marcação de gênero ‘e’”.

O colégio, no entanto, deixou claro que “essa iniciativa não configura, absolutamente, a obrigatoriedade da adoção de estratégias de neutralização do gênero” por parte dos alunos e professores, “até mesmo porque a normatividade linguística inerente à redação de documentos oficiais ainda configura certa restrição a esses usos”.

O que você acha dessa história de falar amigues bonites?… –

Reinaldo Polito
Colunista do UOL
24/11/2020
«A gramática é a arte de remover as dificuldades de uma língua; mas a alavanca não deve ser mais pesada que a carga…»
Rivarol

Não é de hoje que ouço falar nessa tendência de mudar a indicação de gênero na língua portuguesa. No começo, parecia ser algum tipo de brincadeira. Sugeriam que palavras terminadas em “o” para indicar masculino e feminino passassem a ser grafadas com “x” ou “@”. Quase caí de costas ao me deparar com um anúncio em uma das faculdades em que leciono: “Atenção alun@s”. Pensei – o assunto é sério mesmo.

Nessa época eu presidia a Academia Paulista de Educação, composta por reitores de grandes universidades, secretários estaduais e municipais de educação e profissionais envolvidos diretamente com o mundo educacional. Levantei essa questão em algumas de nossas reuniões, mas ninguém achou que valesse a pena discutir o tema. Nós nos enganamos, pois deveríamos ter debatido o assunto com mais profundidade.

De uns tempos para cá, tem ganhado força a ideia de que palavras femininas terminadas em “a” e palavras masculinas terminadas em “o” devessem ter a terminação em “e”. A maioria que não concorda quase sempre diz que isso é besteira, coisa de gente que não tem o que fazer. Lógico que o assunto não pode ser debatido nessa superficialidade, de forma tão rasa.

A opinião do professor Sérgio Nogueira

Há pouco tempo fiz uma live com o professor Sérgio Nogueira (está salva no meu instagram), um dos maiores estudiosos da língua portuguesa, e conversamos sobre essa questão. Ele deu uma explicação interessante. Disse que no latim, de onde vem a língua portuguesa, havia três gêneros: o masculino, o feminino e o neutro.

Na língua portuguesa, o neutro acabou sendo absorvido pelo masculino, embora nos pronomes demonstrativos tenhamos este, esse e aquele que são masculinos; esta, essa e aquela que são femininos; e isto, isso e aquilo que são neutros. Afirma o professor Nogueira duvidar que “esse tal neutro” que estão querendo impor funcione. Isso porque a língua é um fenômeno natural. Não vem de fora para dentro, já que não se criam regras para que as pessoas falem corretamente. Nós é que criamos as regras a partir do bom uso.

Entrevista com a Dra. Edna M. B. Perrotti

Por causa dessa polêmica, resolvi entrevistar a professora Edna Maria Barian Perrotti, doutora em Linguística Aplicada ao Ensino da Língua, professora de Linguística e Redação em importantes universidades e autora de vários livros sobre a matéria de sua especialidade. Uma de suas obras, “Superdicas para escrever diferentes tipos de texto”, superou a marca dos 100 mil exemplares vendidos, e foi publicada com sucesso na Itália. Suas respostas nos dão bons subsídios para refletirmos a respeito desse tema.

É possível que regras impostas para a língua sejam adotadas?

As línguas são organismos vivos e naturais, portanto, passíveis de mudanças. Ao utilizá-las, seus falantes vão adquirindo novas palavras e abandonando outras, num processo natural, quase inconsciente e coletivo, sem que haja nenhuma imposição. As pessoas que hoje têm mais de 60 anos certamente se lembram das cartas comerciais em que era preciso usar o pronome de tratamento V.Sa. Hoje ninguém estranha receber uma carta de um banco, por exemplo, e ser chamado por você. E é claro: a mudança não ocorreu de um dia para o outro, nem foi feita por imposição.

Como a senhora avalia essa mudança para indicar o gênero na língua portuguesa?

Hoje está havendo sim um movimento, em nome da inclusão, para que a indicação de gênero seja mudada na língua portuguesa. Palavras femininas terminadas em -a e palavras masculinas terminadas em -o passariam a ter a terminação -e. E como se trata de uma matéria mais geral, nem vou entrar na questão de que a terminação o não é marca de masculino. O feminino e o plural é que são formas marcadas.

A senhora poderia explicar melhor?

Vou me ater ao movimento de inclusão que diz respeito à terminação das palavras referentes às pessoas do sexo feminino e do sexo masculino para que tenham um gênero neutro. Por este movimento, menino e menina teriam uma só terminação: menine, que seria caracterizada pelo adjetivo bonite. Só que, neste caso, seria preciso também mudar os artigos o(s) e a(s) para e(s)e menine bonite. Mas isso traria um grande problema de comunicação.

Haveria, então, só o gênero neutro?

Pois é, o gênero neutro não poderia abolir as formas de masculino e feminino, substituindo-os, mas sim deveria designar aquelas pessoas que tiveram outra opção que não o sexo masculino ou o sexo feminino. Haveria, então, na língua portuguesa, três marcas de gênero gramatical: o masculino, o feminino e o neutro, como ocorria no latim.

Há diferença do nosso uso e do latim?

Somos uma língua originada do latim, ou continuidade do latim, só que o latim, o clássico em especial, não fazia uso do artigo. Como, em português, o artigo é essencial, e é ele que determina o gênero gramatical (reforço: gênero gramatical, não gênero sexual), a substituição da tradicional marca de gênero masculino (-o) e feminino (-a) para (-e) ou (-x) (meninx bonitx) apenas na terminação das palavras, em nome de uma identidade inclusiva, caem por terra. Se for continuar a oposição o/a pelo artigo, não existirá neutralidade nenhuma.

Como a língua falada entra nessa história?

Essa é uma questão importante. Em primeiro lugar, porque a escrita é e sempre foi consequência da fala. E ninguém diz o menine é bonite ou a menine é bonite ou e menine bonite; nem formula a frase: médique, e farmacêutique, es terapeutes e e psicólogue estão em reunião; nem mesmo todes vão gostar deste suco.

Qual o outro ponto a ser considerado?

A segunda consideração é o fato de que é função do ARTIGO e não da terminação da palavra identificar o gênero gramatical em português. Senão, vejamos:

 

  • palavras terminadas em -a são geralmente antecedidas pelo artigo -a: a menina, a médica, a poeta, a engenheira, a garça, a criança, a vítima, a pessoa (não importa se as quatro últimas são do sexo feminino, do sexo masculino ou de outro sexo).
  • palavras com a mesma terminação -a são gramaticalmente masculinas se antecedidas pelo artigo -o: o psiquiatra, o astronauta, o psicopata, o planeta, o telefonema (vale lembrar: essas palavras são originadas do grego, não do latim).
  • palavras terminadas em -o são gramaticalmente masculinas quando antecedidas pelo artigo -o: o menino, o moço, o muro, o relatório, o médico.
  • palavras terminadas em -o (poucas) são gramaticalmente femininas quando antecedidas pelo artigo -a: a prodígio, a robô, a foto.
  • palavras terminadas em -e são gramaticalmente femininas quando antecedidas pelo artigo -a: a estudante, a principiante, a paciente, a superintendente.
  • palavras terminadas em -e são gramaticalmente masculinas quando antecedidas pelo artigo -o: o estudante, o principiante, o jacaré, o elefante, o cônjuge (esta serve tanto para homem quanto para mulher).
  • palavras com qualquer outra terminação dependerão do artigo para ser consideradas gramaticalmente femininas ou masculinas: o juiz, o/a aprendiz, a perdiz, o homem, o/a general (há também a generala), o/a major, o/a coronel.

A senhora acredita que esteja havendo algum equívoco nessa imposição?

Sim, pois se quem advoga a mudança está pensando numa identidade de gênero inclusiva é porque confunde gênero sexual (o homem/a mulher; o gato/a gata) com gênero gramatical, que serve para identificar não só pessoas ou animais de sexos diferentes, mas também seres inanimados, que não pertencem a nenhum gênero sexual (a casa, a roupa, o dia, o muro, o soluço, a noite, a rede, o pente).
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