«O (des)investimento na Educação em Portugal» [Ricardo Ferraz, “Eco”, 11.12.20]

Embora o tema do artigo transcrito entre na categoria “Outros Detritos” e não expressamente na secção principal, a do “Acordo Ortográfico”, evidentemente ambos estão umbilicalmente interligados: não existe Educação em geral sem o AO90, o qual contamina em especial aquela recém-misteriosa área lúdica em que se entretêm a destruir metodicamente qualquer vestígio de ensino/aprendizagem alguns políticos avulsos e decerto meia-dúzia de atrasados “técnicos” e linguistas.

Ora, se quem fala de Educação fala de AO90 e, por conseguinte, por mais elaborado que seja o método de demolição em curso, fala também um pouco de caligrafia — a eterna forma de expressão manual (e com alma). E nem a sua extinção administrativa nos planos curriculares — mesmo que no artigo não haja uma única referência expressa a “antiguidades” como os cadernos de duas linhas e os alunos com a língua de fora, concentradíssimos, escrevendo à mão na sua bela Língua — impede que pelo menos se reflicta sobre as mil e uma formas de o “nosso” Ministério da Educação torrar dinheiro.

Daí a imagem que ilustra este “post”. Aniquilar a Caligrafia e tornar em simultâneo obrigatória a “Ginástica” (“Educação Física”, sinal dos tempos), foi e continua a ser mais uma irritante imbecilidade mas, ao que parece, destruir é que é “progresso”. Isto, claro, dizem os “técnicos especialistas” que julgam suficiente para alterar o significado das palavras mudar-lhes o significante. Não é gente de tino, ignore-se os ignorantes diplomados.

Fica portanto à laia de sugestão esta pasta de caligrafia com papeis, carimbos, lacre (?), tinta, canetas de aparo. Por uns somíticos 12 €, agora que apesar de tudo vem aí o Natal.

O (des)investimento na Educação em Portugal

Ricardo Ferraz“Eco”. 11 Dezembro 2020

 

É evidente que Portugal não tem apostado o suficiente num sector que é vital. E um país que não investe no seu futuro está condenado ao insucesso e à insignificância no panorama internacional.

Quando alguém me pergunta onde é que pode aplicar o seu dinheiro, costumo responder: “educação e formação”. Perante um mercado laboral global e feroz, trata-se da solução mais adequada para quem pretende vingar. Para os que já estão fora do mercado, tal significa ocupação e aquisição de novos conhecimentos; há sempre novos mundos para explorar.

Também esta deve ser uma das principais apostas do Estado. Embora a literatura sobre o tema seja vasta, há consenso acerca dos benefícios da despesa pública em educação. Conciliando fontes primárias e secundárias e estimando um modelo econométrico, pude confirmar recentemente a existência de uma relação positiva e estatisticamente significativa entre as despesas do Estado em educação e o PIB per capita português ao longo de um extenso horizonte temporal compreendido entre a segunda metade do século XIX e os dias de hoje (veja-se The Portuguese Military Expenditure from a Historical Perspective publicado na revista científica britânica Defence and Peace Economics). Mais uma evidência acerca da importância da Educação para a economia portuguesa.

De facto, só nos poderemos tornar mais produtivos e competitivos se tivermos trabalhadores mais qualificados. Só assim o nosso país se poderá desenvolver e modernizar. Mas será que Portugal tem apostado verdadeiramente na Educação ao longo dos últimos anos?

Como se observa na Figura 1, a despesa das administrações públicas portuguesas em educação em percentagem do PIB tem apresentado uma trajectória descendente desde o ano de 2011; altura em que a ‘troika’ aterrou em Portugal. A partir de 2016, já após o fim do programa de assistência, começámos mesmo a registar valores inferiores aos da média da União Europeia a 28 (UE-28).

Despesa pública em educação (% do PIB), Portugal versus UE-28, 2001-2018)

Fonte: INE, Eurostat e cálculos próprios.

As estatísticas oficiais demonstram ainda que se no início do presente século Portugal era o 3.º país da UE-28 com a mais elevada despesa pública em educação em percentagem do PIB, no ano de 2018 encontrava-se no modesto 20.º lugar. Caímos a pique no ranking.

Recordo que em 2017, o primeiro-ministro, António Costa, veio a terreiro afirmar que o investimento na Educação era “absolutamente essencial” e uma “prioridade central”. No ano seguinte, Portugal acabaria por registar o rácio despesa pública em educação/PIB mais reduzido desde que há registos oficiais. A realidade não casa com o discurso político. Onde está o Ministro da Educação? Onde está o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior? Afinal de contas, qual é o peso político destes dois ministros no Governo do Dr. Costa?

Destaco que a Formação Bruta de Capital Fixo das administrações públicas portuguesas em educação – investimentos em infraestruturas, máquinas, equipamentos, etc – foi de apenas 0,1% do PIB no triénio 2016-2018; o patamar mais baixo de sempre.

No mesmo período, também os encargos com remunerações se situaram no mínimo histórico de 3% do PIB; algo que não surpreende, principalmente se tivermos em conta a elevada precariedade e os baixos salários que abundam tanto no ensino obrigatório como no ensino superior. A propósito, em tempo de pandemia, quantos docentes em início de carreira continuarão a aceitar ir trabalhar para Lisboa ou para o Algarve, privando-se da companhia das suas famílias, para irem receber menos do que aquilo que terão de gastar em deslocações e alojamento? Um alerta à navegação: Três meses após o início do ano lectivo ainda há milhares de alunos sem professores.

É evidente que Portugal não tem apostado o suficiente num sector que é vital. E um país que não investe no seu futuro está condenado ao insucesso e à insignificância no panorama internacional.

Ricardo Ferraz
Economista, Professor do Ensino Superior e Investigador Académico

[Imagem do original do artigo. Sublinhados meus. A reprodução de artigos e/ou conteúdos da autoria de terceiros tem por finalidade única a constituição de acervo documental sobre tudo aquilo que, segundo critérios meus, interessam ou dizem respeito ao chamado “acordo ortográfico” (e a outros detritos).]

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