O que se segue é um daqueles textos em que se arrisca passar tudo a “bold” e sublinhados, de uma ponta à outra, muito pouco ou nada restando intocado do original, sem qualquer forma de destaque e não implicando anotações mentais. Este Ray Cunha, do qual, confesso, nunca ouvi falar, dá-lhe com força, vejamos, distribui sem parcimónia alguma pontapés e caneladas a eito, mais uns murros para desenfastiar, em plenas canetas e fuças dos neo-colonialistas brasileiros, seus compatriotas mas pelos quais não parece nutrir grandes simpatias, que impuseram o AO90 a um portugalzinho imaginário.
O “estilo” uma no cravo, outra na ferradura desponta porém no arrazoado de Ray, o que é pena, mas não sejamos mesquinhos, no essencial Ray di-las das boas. Como, aliás, tantos outros brasileiros de tino. Nisso. nada de especial; lá como cá apenas uns clubezitos de maluquinhos decidiram aproveitar o espírito negocial (ou seja, o “jeito para o negócio”) de Lula, Sócrates e Cavaco, a ver se lhes toca alguma coisinha na babugem.
Os laivos de grandiloquência as ressonâncias neo-imperialistas, de que o autor não consegue livrar-se, podem perfeitamente tolerar-se na leitura (o Brasil que fique lá com o seu saudoso II Império, é com eles, amanhem-se) se atendermos à mera, sólida e consequente — além de básica e elementar — constatação: uma coisa é a Língua Portuguesa e outra completamente diferente é a língua brasileira.
O AO90 é algo como espetar no chão duas estacas, uma do lado de cá e a outra do lado de lá do Atlântico, esticar entre elas uma corda e assim tentar bloquear a natural deriva dos continentes, algo que ocorre desde os primordiais tempos da Pangeia. Os continentes afastam-se uns dos outros como as Línguas se distanciam entre si. Tentar perverter (ou deter) o curso natural das coisas não é só tremenda estupidez — é impossível.
E ainda bem.
O português falado e escrito no Brasil tem alegria, sons, cheiros, sol, mar e democracia que nenhum decreto ortográfico de Lula poderá mudar
RAY CUNHA, DE BRASÍLIA
O ex-presidente e ex-presidiário Luiz Inácio Lula da Silva, presidente de honra do PT (Partido dos Trabalhadores), assinou, em 29 de setembro de 2008, na Academia Brasileira de Letras (ABL), no Rio de Janeiro, quatro decretos de promulgação do novo Acordo Ortográfico no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em homenagem ao escritor Machado de Assis, que completava cem anos de morto (1839-1908).
“Com esses atos, Machado de Assis será duplamente exaltado: de um lado, a Academia lhe rende a mais expressiva homenagem neste ano em que celebramos o centenário de sua morte. E, de outro, a assinatura pelo presidente Lula dos decretos que promulgam o Acordo Ortográfico dos sete países lusófonos” – declarou, então, o presidente da ABL, Cícero Sandroni.
Segundo Cícero Sandroni, a promulgação do Acordo Ortográfico concretizava uma antiga aspiração de Machado de Assis, manifestada em um de seus discursos, em 1897. “A Academia buscará ser a guardiã de nosso idioma, fundado em suas legítimas fontes – o povo e os escritores, todos os falantes de língua portuguesa” – disse, na altura, o autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas.
O argumento para mudanças ortográficas na língua portuguesa é que a alegada unificação da escrita no Brasil e em Portugal tornaria o português língua oficial da Organização das Nações Unidas (ONU). Supondo-se que fosse possível unificar a escrita das duas variações linguísticas, mesmo frases burocráticas, de documentos, são marcadas pela sintaxe, pelo estilo oriundo da cultura de cada um dos dois países.
O fato é que o novo Acordo Ortográfico não unifica o português de Portugal e o português do Brasil, mesmo que se trate de escrita burocrática. Qualquer tradutor na ONU terá que ser bom de ouvido, tanto para o falar lusitano, típico dos países de clima frio, como para o falar brasileiro, tropical, aberto. Isso, sem mencionar a linguagem crioula.
A pergunta que lateja é: A “unificação” da língua portuguesa escrita no Brasil com o português grafado em Portugal tem alguma utilidade? No caso do Brasil, não seria melhor investir maciçamente no ensino básico? E, depois, o Brasil tem mais com que se preocupar.
Enquanto Lula levava seu palanque para a Academia Brasileira de Letras, o Correio Braziliense, maior jornal da capital do país, publicava uma série de reportagens sobre crianças, meninas e meninos, que embarcavam em carros de luxo, no coração de Brasília, para serem estuprados a troco de comida.
A propósito, exploração sexual de crianças e escravidão sexual são comuns na província potencialmente mais rica do planeta, mas onde a miséria humana, a escravidão, o assassinato, campeiam. Enquanto Lula decretava uma escrita comum entre Brasil e Portugal, a tragédia se abatia na escola pública, por meio da qual universitários semialfabetizados, como Lula, se diplomam.
Não demorou, porém, para que se percebesse a que viera o novo Acordo Ortográfico. Foi para beneficiar editoras, principalmente as que integravam a panelinha do Ministério da Educação. A perspectiva era de faturar bilhões.
Creio que seria mais produtivo criar o Instituto Machado de Assis e, por meio dele, difundir mundialmente a língua portuguesa escrita e falada no Brasil. Os grandes escritores deste continente chamado Brasil são tradutores da nossa mestiçagem mulata, cafuza e mameluca, das nossas cores, cheiros e alegria. Quanto à CPLP, pode e deve influenciar a democracia, que vem sendo defendida com unhas e dentes pelo presidente Jair Bolsonaro, e se aperfeiçoar como bloco econômico.
Considerando-se o Brasil isoladamente, passamos à frente de Portugal, como os Estados Unidos superaram a Inglaterra. No nosso caso linguístico, enquanto o português lusitano se esgotou, o português brasileiro é uma língua jovem, enriquecida por idiomas africanos, pelo tupi-guarani, por estrangeirismos e pelo calor, cores, aromas, sabores e contexturas dos trópicos e da Amazônia.
Cada vez mais o Acordo Ortográfico se assemelha mais a uma peça de marketing do governo lulapetista, em um país de esmagadora maioria de alfabetizados funcionais – que leem mas não entendem o que leem –, com pelo menos 20 milhões de pessoas que vivem na Idade da Pedra – não sabem ler e, muitíssimos deles, não têm sequer certidão de nascimento; outros, são escravos mesmo, principalmente nos medievais estados da Amazônia.