Diz que coiso e tal

Lari e Hugo – 135K subscribers
Larissa, como é que você aprendeu a falar português de Portugal? É muito difícil? É muito diferente? Você demorou quanto tempo pra entender tudo? haha Recebo várias mensagem assim diariamente!! E no vídeo de hoje resolvi ser professora por um dia e vim “vos ensinar” a “FALAR PORTUGUÊS DE PORTUGAL” de uma maneira rápida, prática e fácil!! Quem aí tá animado? Vamos lá comigo que tenho a certeza que vai ser divertido!!

Uma das bacoradas favoritas de acordistas (e outras não menores mas de aparente sinal contrário) é esta coisinha intocável: «o falar influencia a ortografia mas no sentido inverso ‘no pasa nada’». Estabelecido na sua mirrada cabecinha tão grosseiro quanto idiota axioma, estendem-no como se fosse um tapete a outras “verdades” de igual ou semelhante calibre: por exemplo, diz que «a ortografia não passa de um código arbitrário para simples transcrição da fala», assim como diz que, ainda por exemplo, que «o AO90 não altera o modo de falar, só “afeta” a escrita».

Ora, evidentemente — e neste ponto dá imenso jeito aos acordistas a metáfora do tapete, para debaixo do qual varrem os argumentos contra os seus ditames –, qualquer aluno da 4.ª Classe (do 5.º Ano, vá) sabe e já percebeu que a via é bi-unívoca, dá para os dois lados, salvo seja, a fala afecta a escrita assim como a escrita influencia o modo de falar. Veja-se (e oiça-se) o que já se vai passando por aí, o emudecimento (por via da caça à consoante dita muda) daquelas coisinhas que antes eram sílabas tónicas (em Portugal e PALOP) e que agora até locutores de TV ou rádio fazem soar conforme lêem textos estropiadas pelo AO90 segundo a “lógica” fonética brasileira (em que todas as vogais são mais tónicas do que o Gin); a peçonha acordista já chegou ao inimaginável ponto de alguns não apenas tentarem ler o brasileiro com sotaque português (ou seja, sem sotaque algum) como, ainda por cima, os mais expeditos a engraxar brasileiros desataram já a “imitar” o próprio léxico brasileiro: os advérbios de modo foram abolidos (é tudo “fácil”, nada é feito facilmente, o que antes se fazia rapidamente agora faz-se “rápido”, e assim por diante), já não há pessoas, o que há é “oi, minha gente” (ou algo do género, igualmente asqueroso), volta-e-meia ouve-se tugas a balbuciar “registro” em vez de registo, o verbo “dizer” foi também administrativamente abolido, agora é “falar”, ele “falou” que ou, pior ainda, “ele me falou que”.

São aberrações destas (sim, isto é que são aberrações, fora o resto) que levam um ser-humano a interrogar-se “mas onde raio guardei eu a pistola”.

De semelhante cambada, de tais e tão estranhos fenómenos, temos aqui dois exemplos (também eles) contrastantes; lá em baixo, como o tiroliroliro, temos uma espécie de exposição do “mundo das línguas”; lá em cima, como se fosse o tiroliroló da loucura, temos a demonstração prática do processo de colonização linguística em curso.

Ao mundo dos conceitos básicos na matéria, traduzido sem calão da árvore em imagem, junte-se o vídeo com efeitos especiais de uma rapariga brasileira ensinando a seus patrícios como comunicar com os selvagens que habitam nesta sua nova província.

Que horror.

Viagem ao extraordinário mundo das línguas – Opinião

Marco Neves
24.sapo.pt
24.01.21

 

Fechado em casa, apetece-me fazer uma viagem pelo mundo das línguas. Vou escrever um facto sobre uma língua de cada vez. A língua seguinte terá de estar ligada à anterior pela geografia ou de outra maneira. No fim, regresso ao nosso país.

 

GALEGO | Será uma surpresa em Portugal, mas há galegos que consideram o galego e o português a mesma língua. As opiniões dividem-se, mas uma coisa é certa: se não forem a mesma língua, dificilmente encontraremos duas línguas mais próximas do que estas.

CASTELHANO | A língua aqui ao lado tem 5 vogais. Por cá, usamos umas 14 da boca para fora. É uma das razões pelas quais é tão difícil aos vizinhos perceber o que dizemos. Para compensar, na escrita, têm uma letra vogal adicional: o <y>.

BASCO | É a única língua não indo-europeia da Península. Na Europa, há mais umas quantas: o maltês, o turco e as línguas urálicas como o húngaro, o finlandês e o estónio (sem esquecer outras da família, como o lapão). O basco é a única sem familiares.

CATALÃO | Na Idade Média, foi uma importante língua do Mediterrâneo. Os primeiros textos conhecidos em catalão são mais antigos do que os primeiros textos escritos em galego ou português.

OCCITANO | A língua tradicional do Sul de França é hoje falada por poucos, mas recebeu um Prémio Nobel da Literatura antes do inglês ou do italiano. O laureado foi Frédéric Mistral, em 1904.

FRANCÊS | A ortografia francesa está particularmente distante da fonética da língua. Uma palavra como «août» é lida por muitos franceses simplesmente como [u]. A conjugação verbal é também muito mais simples na oralidade do que na escrita.

NEERLANDÊS | Apesar de, em Bruxelas, ser mais fácil encontrar quem fale francês, o neerlandês é a língua mais falada na Bélgica, onde era tradicionalmente chamada de «flamengo». Por cá, também usamos o termo «holandês» para designar a língua.

FRÍSIO | Esta é a língua mais próxima do inglês. Mesmo assim, são muito diferentes, porque o inglês sofreu profundas alterações (e o frísio também não deve ter ficado parado). Aqui fica uma frase em frísio: Myn namme is Marco en ik kom út Portegal.

INGLÊS | É uma língua germânica apaixonada pelo léxico de origem latina. Vindas do francês, do latim ou de outras línguas românicas, há tantas palavras latinas no inglês que é quase um membro honorário do nosso clube. Note-se: no inglês, as palavras latinas tendem a ser mais formais.

SCOTS | Ane leid is ne’er eneuch!* Na Escócia, fala-se gaélico (nas Terras Altas), inglês (à escocesa) e ainda Scots, considerado por uns dialecto do inglês e por outros língua separada. Uma coisa é certa: tem uma antiga tradição literária. [*Uma língua nunca é suficiente!]

NORUEGUÊS | Tem duas normas oficiais, ambas ensinadas nas escolas, cada uma com variedade interna considerável: o nynorks («novo norueguês») e o bokmål («língua dos livros»). Esta última é a mais usada e também a mais próxima do dinamarquês.

SUECO | É língua oficial da Suécia, mas só desde 2009. É também língua oficial na Finlândia, a par do finlandês (excepto nas Ilhas de Aland, parte da Finlândia onde só o sueco é língua oficial).

LAPÃO | Se o Pai Natal existisse, desejaria um Feliz Natal em lapão: Buorrit Juovllat!

RUSSO | Apesar de haver muitas línguas na Rússia (incluindo o lapão), o russo é, de longe, a língua mais falada no país. Aliás, o russo é a língua mais falada na Europa como língua materna. A Europa, note-se, vai até aos Urais…

CAZAQUE | Esta língua está a mudar de alfabeto. Até 2025, passará a escrever-se com o alfabeto latino. O anterior alfabeto (cirílico) continuará muito presente no país, pois o russo continua a ser uma das duas línguas oficiais.

CHINÊS | Em Macau, as línguas oficiais são, de acordo com a legislação em português, o «português» e a «língua chinesa». Só que a língua chinesa oficial é o cantonês e não o mandarim, como também acontece em Hong Kong. Cantonês e mandarim são duas línguas consideravelmente diferentes uma da outra.

CHINÊS (2) | Em Taiwan, a língua oficial é o mandarim, tal como na República Popular da China (RPC), mas os caracteres usados são os tradicionais e não os simplificados, usados na RPC. Em Macau e Hong Kong, usam-se os caracteres tradicionais, mas a língua oficial é o cantonês.

COREANO | As duas Coreias partilham uma língua, mas não o nome da língua. Na Coreia do Norte, a língua chama-se chosŏnmal, aliás, 조선말. Na Coreia do Sul, chama-se hangugeo, aliás, 한국어.

JAPONÊS | Para ler japonês, é necessário conhecer 3 conjuntos de caracteres: os silabários hiragana e katakana e os caracteres kanji, de origem chinesa. Uma só palavra pode incluir caracteres dos três tipos. É, provavelmente, o sistema de escrita mais complexo do mundo. ありがとう

FILIPINO | Nas Filipinas, as línguas oficiais são o inglês e o filipino, uma padronização do tagalogue, língua da área de Manila. Este padrão oficial já se chamou «pilipino», quando havia o objectivo de tentar expurgá-lo de influências espanholas e inglesas (o <f> não era próprio do tagalog).

TOK PISIN | Com mais de 850 línguas, a Papua-Nova Guiné tem mais de 10% das línguas do mundo. A lingua franca mais comum é o tok pisin, um crioulo com léxico de base inglesa. O tok pisin é cada vez mais falado em todo o país. «Obrigado» diz-se «tenkyu».

TETUM | Ita bele ko’alia Tetun? Timor-Leste tem duas línguas oficiais: tetum e português. Ambas as línguas são hoje muito mais faladas do que eram quando o país recuperou a independência, em 2002.

MAORI | Um dos nomes oficiais da Nova Zelândia é Aotearoa, em maori, uma das línguas oficiais do país. Todos conhecemos uma palavra com origem no maori: «kiwi». Por lá, «kiwi» refere-se a um pássaro. O fruto que conhecemos chama-se  «kiwifruit» — e veio da China.

PITKERN | Nas Ilhas Pitcairn vivem ainda os descendentes dos amotinados do Bounty. É uma comunidade de aproximadamente 50 pessoas, que falam um crioulo denominado pitkern, com origem no contacto do inglês dos marinheiros com o taitiano das cativas polinésias.

RAPA NUI | Esta é a língua tradicional da Ilha da Páscoa. No século XIX foi descoberta uma escrita denominada rongorongo que, em princípio, serviria para representar o rapa nui. O problema é que ninguém tem a certeza nem consegue decifrar estes intrigantes caracteres dançantes.

QUÍCHUA | Na terra onde nasci, ouviu-se esta língua da boca dos incas resgatados do navio espanhol San Pedro de Alcantara, que naufragou na costa de Peniche em 1786. Entre eles estava Fernando, filho de Túpac Amaru II.

TUPI | O tupi não só foi a base da língua geral brasílica, falada durante algum tempo no Brasil, como deu ao português palavras como «amendoim», «ananás», «jacaré», «jaguar», «mandioca»…

QUIMBUNDO | As línguas bantu, entre as quais se encontram várias línguas de Angola, dividem os nomes em classes assinaladas no início das palavras. Estas classes funcionam como o género nas línguas indo-europeias, com a diferença de que há mais de 10 classes de nomes nas línguas bantu…

SUAÍLI | Esta língua bantu é uma lingua franca falada por muitos milhões de pessoas no Leste de África. Nesta língua, meia-noite diz-se (literalmente) «seis da noite». A primeira hora do dia são as nossas seis da manhã… Todos conhecemos uma expressão em suaíli: «hakuna matata».

COPTA | A língua do Egipto Antigo sobreviveu até ao século XVII, com o nome de copta e com os hieróglifos já esquecidos. Hoje, é usada em liturgias da Igreja Copta e há um movimento para revitalizá-la. Uma bela palavra do egípcio antigo que importámos, através do grego, é «oásis».

ÁRABE | A língua árabe, na oralidade, está dividida em diferentes «dialectos» que são já verdadeiras línguas bem demarcadas umas das outras. Na escrita e nas situações formais, o árabe padrão mantém a unidade. Um pouco como se hoje falássemos em português, mas escrevêssemos em latim.

MALTÊS | O maltês, língua oficial da União Europeia, é uma língua semítica, com origem no árabe que se falava na Sicília. Em árabe, «livro» é «kitāb» e, no plural, «kutub». Em maltês, «livro» é «ktieb» e, no plural, «kotba».

LLANITO | Em Gibraltar, ouve-se o llanito, uma língua de contacto entre o castelhano, o inglês e outras línguas. A fronteira de Gibraltar é chamada «focona», de «four corners». O llanito é usado em alguns programas da televisão de Gibraltar.

MIRANDÊS | Chegámos de novo a Portugal, onde encontramos, para lá do português, mais duas línguas com reconhecimento oficial: o mirandês e a língua gestual portuguesa. Em mirandês, Portugal é «Pertual».

Com mais de 7000 línguas espalhadas pelo mundo, esta foi uma das inúmeras viagens possíveis… Um dia destes, volto a pôr-me ao caminho.


Marco Neves | Professor e tradutor. Escreve sobre línguas e outras viagens na página Certas Palavras. É autor da Gramática para Todos.

[A reprodução de artigos e/ou conteúdos da autoria de terceiros tem por finalidade única a constituição de acervo documental sobre tudo aquilo que, segundo critérios meus, interessam ou dizem respeito ao chamado “acordo ortográfico” (e a outros detritos).]

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