«By destroying the words themselves, the state would be able to destroy the concepts they represented.»
George Orwell, “1984”
Acompanhei a “votação”, como editor da Wikipedia, aí por volta de 2012 ou 2013, se bem me lembro. Essa “votação” propunha a escolha de uma de três vias possíveis, quanto ao endereço português (pt.wikipedia.com) naquela plataforma: ou a wikipédia lusófona “adotava” o AO90 ou os colaboradores continuavam a utilizar a ortografia correcta ou então tanto os editores portugueses como os brasileiros adicionariam conteúdos consoante a sua preferência, isto é, em conformidade com o AO45 ou utilizando a desortografia brasileira; a única limitação, caso fosse esta última a opção mais votada, seria quanto à edição de conteúdos produzidos por terceiros: neste caso, como é evidente, estaria vedada a alteração da ortografia de cada artigo ou entrada.
A fase seguinte dessa sequência de manobras foi uma espécie de “afinação” ou “resumo” das opções iniciais, com a inerente e mais do que expectável aldrabice: a “votação” passou a ser binária (ou primária), só havia que escolher entre sim ou não, o AO90 seria “adotado” ou não. Pois claro, “ganhou” o sim, ou seja, uma imensa maioria de brasileiros — que tinham o seu próprio endereço br.wikipedia.com — e uma desprezível minoria de mercenários portugueses obrigaram todos os outros à “adoção” faseada do Acordo Ortográfico na WP***.
Será talvez redundante dizer que essa “votação” estava inquinada logo à partida, tal era (e continua a ser) a disparidade entre o gigantesco número de editores wiki brasileiros em relação ao pequeno grupo de portugueses que então (como hoje) ali colaboravam. Por outro lado, essa “votação” inquinada implicava uma outra forma de perversão antecipada dos resultados: como está claramente expresso e perfeitamente formulado no texto do “Público” agora reproduzido (ver em baixo), existiam já naquela altura “relatos sobre empresas, instituições e até partidos que podem estar a pagar a pessoas para alterar artigos.” Bem sabemos que instituições, que partidos políticos e, como executores dessa solução final, que paus-mandados impuseram violentamente a “adoção” da cacografia brasileira a toda a comunidade wiki em Português, dezenas de colaboradores e milhões de utilizadores.
Assim, com um simulacro de votação e a golpes de propaganda, a chamada Wikipédia lusófona passou a ser exclusivamente brasileira. Tal manobra, cavalgando as golpadas dos agentes acordistas (brasileiros e portugueses), foi e continua a ser completa e abjecta: além de terem sido vertidas para brasileiro todas as entradas originalmente escritas e publicadas em Português, foram também substituídos conteúdos por equivalentes brasileiros***: ilustrações, gráficos, tabelas de dados, fontes, referências externas, logótipos, fotografias, o camartelo brasileiro tudo demoliu, as matérias portuguesas foram integralmente eliminadas e trocadas.
Repita-se, porque é mesmo difícil acreditar em semelhante horror: os acordistas extinguiram a Wikipédia portuguesa (e dos PALOP) e substituíram-na pela brasileira. Além da ortografia portuguesa eliminaram também todos os conteúdos portugueses, substituindo-os pelos respectivos equivalentes no e do “país-continente”. A título de exemplo, no artigo sobre o substantivo “palácio” trocaram o Palácio de São Bento pelo Palácio do Planalto .
O próprio endereço (URL) da versão portuguesa (www.pt.wikipedia.com) foi engolido pela sanha brasileirófona e passou a ser o endereço da Wikipédia brasileirófona, pretendendo esta fingir que é a “unificada”, a Wikipédia da “língua universáu”. Quanto ao endereço pt original, agora aloja os conteúdos em… Bretão! Fantástico.
Esta mega-operação de erradicação do Português-padrão é mais do que evidente na Wikipedia e o mesmo exacto processo atingiu, na Internet, todos os outros serviços e plataformas de utilização geral: Google, YouTube, “redes sociais”, “corretores” ortográficos, etc.
Extinguir a nossa Língua nacional substituindo-a pela brasileira, eis, em suma, o enunciado do golpe duplo perpretado por neo-imperialistas brasileiros e por um repugnante grupo de ratazanas. Como nos dizem em meio virtual os meios electrónicos, “operação realizada com sucesso“. Depois de “adotado” o brasileiro, os meios electrónicos passaram a funcionar como mais uma arma política — de extinção maciça.
[*** Nota: desde 2012 muitos dos conteúdos da Wikipedia “pt” foram apagados, alterados e/ou relocalizados.]
“Variantes da língua” são maior motivo de discórdia entre editores da Wikipédia em português
Karla Pequenino – publico.pt 11.02.21
Homem, estudante e brasileiro, é este o perfil da maioria das 2817 pessoas que editam, regularmente, o conteúdo da Wikipédia em língua portuguesa. Ainda assim, as “variantes do português” são o principal motivo de discórdia entre os editores das páginas portuguesas da enciclopédia colaborativa online. É uma tarefa que junta pessoas a trabalhar no Brasil (70,4%), Portugal (23,9%), Moçambique, Angola, Galiza, Estados Unidos, Venezuela e Alemanha.
Três em cada dez sentem que existe racismo, xenofobia e desigualdade na edição da Wikipédia, em parte, devido às tentativas mútuas de imposição das diferentes variantes da língua portuguesa.
A informação surge numa versão preliminar de um relatório do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do Minho, que se incumbiu da missão de descobrir a identidade dos editores da Wikipédia em português.
“Num tempo em que tanto se discute sobre notícias falsas, pós-verdade e confiança na informação, estudar e perceber como funciona e quem alimenta esta rede colaborativa poderá dar pistas sobre como se instalam socialmente a verdade”, justificou Pedro Rodrigues Costa que coordena o estudo da Universidade do Minho numa apresentação dos primeiros resultados do trabalho.
“[A Wikipedia] é uma das fontes de informação mais visitadas do mundo”, sublinha o investigador.
De acordo com Costa, dados recentes mostram que em Setembro de 2020 os utilizadores em Portugal consultaram 29 milhões de páginas da Wikipédia em português. No Brasil, foram consultadas 273 milhões de páginas e nos Estados Unidos foram consultadas 14 milhões de páginas.
15% de mulheres
Segundo os primeiros resultados do estudo, em Fevereiro havia mais de 10.800 utilizadores activos (fazem pelo menos uma edição por mês) a trabalhar nas páginas da Wikipédia em português. Destes, 2817 são “editores frequentes” (pelo menos cinco edições por mês).
Para chegar ao perfil de cada um, os investigadores da Universidade do Minho enviaram um inquérito aos editores frequentes. Receberam 158 respostas.
Mais de metade dos editores tem menos de 34 anos, 26,4% tem uma licenciatura e 23,9% estava a trabalhar de Portugal. Há cerca de 15% de mulheres a editar a Wikipédia. “Contribuir para o conhecimento livre”, é a principal motivação para o trabalho.
Entre quem trabalha há jornalistas, historiadores e tradutores, mas também engenheiros, informáticos e advogados. Por norma, os editores tendem a permanecer ligados à área em que trabalham. As biografias são o tema preferido para editar (64%).
A falta de mulheres na Wikipédia não é exclusiva às páginas em português. Há anos que a enciclopédia colaborativa está a tentar contrariar o número reduzido de mulheres. Uma das iniciativas são as maratonas de edição e tradução (conhecidas por edit-a-thons, em inglês) só para mulheres, em que se editam artigos sobre diversos temas e se realizam formações gratuitas sobre como melhor utilizar a plataforma.
“Conflitos são principal queixa”
A principal queixa, mencionada por 41,5% dos inquiridos, são “conflitos” entre os diferentes criadores — é repetida, principalmente, pelos indivíduos das duas nacionalidades que mais editam (portugueses e brasileiros) que reportam a existência de “racismo epistémico” devido ao uso da língua.
Os investigadores da Universidade do Minho querem explorar em maior detalhe os constrangimentos associados a este modo de produção colaborativa e o impacto para a factualidade da informação.
“O modo de produção colaborativa possui aspectos positivos, mas também traz à tona os problemas deste modelo de produção e difusão de conhecimento”, aponta Pedro Rodrigues Costa. Os desafios já detectados pela Universidade do Minho incluem “relatos de desigualdade de género e até homofobia”, bem como “relatos sobre empresas, instituições e até partidos que podem estar a pagar a pessoas para alterar artigos.”
É uma possibilidade problemática considerando que a Wikipédia é uma das fontes utilizadas pelo YouTube (da Google) e pela Apple para fornecer informação factual sobre determinados temas e diminuir a proliferação de teorias da conspiração.
Corrigido, 03h00, 11/02/2021: Em Setembro de 2020 foram consultadas 29 milhões de páginas da Wikipédia em português a partir de Portugal. Uma versão inicial da notícia incluía dados das páginas da Wikimedia consultadas — a Wikimedia inclui informação sobre a Wikipédia, mas também inclui projectos como o Wiktionary, Wikidata e Wikinews.
[Transcrição integral de artigo do jornal “Público” com o título “Variantes da língua” são maior motivo de discórdia entre editores da Wikipédia em português”, da autoria de Karla Pequenino, publicado em 11.02.21. Destaques meus.]