Dia: 9 de Março, 2021

Os encantos da corrupção

«Eu casualmente conheci Pacheco. Tenho presente, como n’um resumo, a sua figura e a sua vida. Pacheco não deu ao seu paiz nem uma obra, nem uma fundação, nem um livro, nem uma idéa. Pacheco era entre nós superior e illustre unicamente porque tinha um immenso talento. Todavia, meu caro snr. Mollinet, este talento, que duas gerações tão soberbamente acclamaram, nunca deu, da sua força, uma manifestação positiva, expressa, visivel! O talento immenso de Pacheco ficou sempre calado, recolhido, nas profundidades de Pacheco!»
[Eça de Queirós, “A Correspondência de Fradique Mendes”]

 

Chame-se-lhe nepotismo, amiguismo, compadrio ou qualquer outra ternurenta designação do género, a verdade é que nessa alegre actividade, para variar e por excepção, Portugal e Brasil são de facto “países irmãos”; oh, sim, sim, sem dúvida, no que toca a usurpar cargos à conta de “cunhas” ou arrumar tachos consoante a seita, ah, caramba, em tal mister tanto os tugas  como os zucas são verdadeiros especialistas; e se alguém disser que na Itália ainda é pior, isso só pode ser por uma lamentável (e imbecil) carga de ingenuidade: os meliantes que integram organizações de crime organizado como a Mafia (ou a Camorra ou a Ndrangheta) são verdadeiros meninos de coro quando comparados com o crime desorganizado em Portugal e no Brasil.

Vem este intróito a propósito da geral orgia tachista que deu origem ao “acordo ortográfico”, abreviando uma longa história, inventado por agremiações informais de ladrões — de ambos os lados do Atlântico — mas suportado, incentivado e promovido por instituições formais, esses ninhos de compadres, correlegionários, compinchas, tachistas a granel.

A ABL, de que fala um brasileiro no artigo agora reproduzido, o qual, aliás, versa exclusivamente sobre o nepotismo ali vigente, tem o seu lamentável paralelo em membros da tuga ACL; não oficialmente na instituição, propriamente dita, cujo presidente pretende “despiorar” o AO90, mas em alguns bacanos que alegre e ociosamente envergam o traje cerimonial da lisboeta agremiação.

De certa forma, a colaboração — seja ela activa ou passiva — desses académicos na “adoção” em Portugal da cacografia brasileira torna-se compreensível: o papel de tais gerontes brasileiros e portugueses, tradicional e sumamente desocupados, isto é, sem nada que fazer, resume-se a produzir de vez em quando umas papeladas sobre o “acordo” e a mandar umas bocas pseudo-científicas para tentar justificar o AO90. Exercício fútil (e cretino), é claro, dada a impossibilidade técnica (e pragmática) de justificar o injustificável.

Sucede que o AO90, como bem sabemos, não contou na sua atrapalhada feitura com qualquer das duas Academias; quando muito, alguns dos “notáveis” de ambos os tugúrios (como Bechara, por exemplo e desgraça) juntaram umas papeladas à letrada aberração, a ver se porventura conseguiriam aldrabar algum patego ou catolizar um ou outro retardado.

Como sabemos também, ou ainda melhor, o AO90 foi exclusivamente cozinhado entre políticos indiferenciados, governantes (Cavaco, Lula da Silva, José Sócrates) e deputados do PS e do PSD.

Suas académicas sumidades não se meteram na marosca, pelo menos não de forma a comprometer-se em semelhante alhada, guardando assim nas profundidades de si mesmos, gravemente, prudentemente, o que talvez fosse da sua competência mas que o seu imenso talento emudeceu então e agora cala.

Os encantos da Academia Brasileira

jornaldiabo.com

O século XXI marca o fim de uma instituição que passou mais de cem anos no melhor do imaginário popular e das aspirações dos homens ligados de alguma forma à cultura. Trata-se da Academia Brasileira de Letras (ABL), criação de um grupo efetivamente de grandes valores intelectuais, liderados por Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Graça Aranha e outras referências da cultura em sua época.

Tendo a Academia Francesa como modelo, a ABL procurou sempre reunir aqueles que se destacavam, especialmente na criação literária. Mas sempre teve espaço para notáveis, como o caso dos presidentes da República, desde Getulio Vargas, eleito por aclamação em pleno Estado Novo, a José Sarney, com obra compatível, e Fernando Henrique Cardoso, sociólogo de esquerda, cuja contribuição à cultura foi ter tido nos seus dois mandatos um ministro da Cultura eficiente, Francisco Weffort, que, curiosamente, a Academia não elegeu. Mas, em troca de favores para a formação de seu património, hoje robusto, derrotou Juscelino Kubitscheck, campeão da pura democracia no Brasil. Não foi de direita nem de esquerda. A Academia sempre foi sensível a abrigar os donos de ‘Media’, como foram os casos de Assis Chateaubriand e Roberto Marinho.
(mais…)