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Peanuts. Aquilo que toda a gente aponta como sendo a “principal culpada” pelo AO90 não é a indústria editorial e essa “acusação” ainda menos pode ser assacada a qualquer editora, grupo de editoras ou associação empresarial do sector. Essa treta não passa, como se diz em “americano”, de amendoins. Servirá a carapuça, quando muito, no improvável caso de alguém a enfiar, para — como de costume — quem tenta desviar as atenções da questão essencial e assim enganar totós ou, ainda que não tenham caído no logro, pôr a conversar uns com os outros, de forma inconsequente e ociosa, os “teóricos” e “especialistas” na matéria.
A questão, evidentemente, é em essência de cariz político — privilegiar os interesses geoestratégicos do Brasil — e em função deste mesmo facto envolve, realmente, “operações financeiras”; mais prosaicamente, o que define e explica o AO90 é o dinheiro, o vil metal: em notas de Banco, letras e livranças, cheques à sorrelfa ou, ainda mais “interessante” para a “difusão da língua” brasileira e para a “expansão da língua” brasileira no mundo, em negociatas de todo o tipo.
O “pequeno pormenor” dos títulos de filmes é de facto “amendoins”, se comparado com os cambalachos esconsos, as roubalheiras escandalosas, os negócios escuros (ou totalmente negros) a que o AO90 confere cobertura política. Na mesma linha de “peanuts” estratégico, a banda desenhada fabricada no Brasil para impingir às nossas crianças o mais retinto brasileiro, se bem que ainda mais grave (e asqueroso), é uma golpada igualmente irrelevante, ou de pouca monta, comparativamente falando.
As “traduções” brasileiras, à patada, por grosso e atacado, nos livros e revistas, nas legendas de filmes ou documentários, nas plataformas cibernéticas e nos programas de computador, toda essa parafernália de estupidificação em massa e de anestesia metódica, enfiando-nos goela abaixo, com violência, um linguajar alienígena, até esse triste cortejo de miserável bajulação do “gigante brasileiro” é coisa pouca se nos lembrarmos da abolição do Acordo de Schengen, do ensino do brasileiro em Timor-Leste, da Embraer em Évora, dos governantes brasileirófilos (Durão Barroso, Guterres, Marcelo e tutti quanti), dos vendidos e graxistas, da indústria das telenovelas, do futebol e suas transferências bilionárias, de Angola e suas imensas riquezas…
Efectivamente, vai avançada a anexação da ex-potência colonizadora pela sua ex-colónia. Assim que for nomeada a CTR (Comissão Técnica de Revisão) do AO90 e depois de nela instalados todos os tachistas que já andam por aí em bicos-de-pés, suplicando por um tachinho “académico”, abatidas as derradeiras diferenças (inventadas em 1986) a cacografia da língua brasileira será oficial, integral e radicalmente “adotada” pelo Governo português. Logo após esse sancionamento seguir-se-á a benzedura legislativa (outra golpada, como a RAR 35/2008) e então Portugal passará a ser a única colónia linguística do mundo, isto é, mais exactamente, o único país do sistema solar a escrever numa língua que não existe.
Não é possível escrever numa língua que
não existeNuno Pacheco
Em Janeiro, o diário brasileiro O Globo garantia, em título, que as “Editoras independentes brasileiras preparam ofensiva em Portugal”. Boa notícia, para os amantes da leitura. Porém, logo nas primeiras linhas, trazia esta declaração espantosa: “Júlio Silveira, um dos fundadores da editora Casa da Palavra, que dirigiu a Nova Fronteira e é curador do LER Salão Carioca do Livro, conta que sempre perguntam se os livros que ele vende são escritos em português ou em ‘brasileiro’. Ele responde que são escritos na língua portuguesa do Acordo Ortográfico.”
Não se sabe onde Silveira ou O Globo foram desencantar tal língua, porque ela simplesmente não existe. É uma ficção absurda, inventada por lunáticos. Querem exemplos? Aqui vai um, bem recente. A editora Planeta DeAgostini, especialista em colecções generalistas, vendidas em bancas de jornais ou papelarias, acaba de lançar o primeiro volume (são 61) de uma família bem célebre na história da banda desenhada: Snoopy, Charlie Brown & Friends – A Peanuts Collection. O título vem em inglês, mas a edição é em português… do Brasil. A ficha, logo nas primeiras páginas, não engana e até o serviço de atendimento “ao colecionador” (sic) é, não em Portugal, mas no Brasil: www.planetadeagostini.com.br. Se o Snoopy fosse criação brasileira, fazia todo o sentido. Mas não: o original é americano, criado por Charles Monroe Schulz em 1950. Por isso, quiseram apenas poupar numa nova tradução, à boleia das promessas do Acordo Ortográfico (edições iguais para todo o espaço lusófono) e das crenças do senhor Silveira.
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