Uma questão de milhões

O que dizer sobre isto? Por vezes não é nada fácil conseguir, mesmo retendo com tremendo esforço os palavrões, apresentar ou sequer comentar aqui um artigo; bem sei que a principal “missão” deste modesto blog é constituir acervo sobre o AO90 (e outros detritos), e que, portanto, tenho mesmo de me aguentar à bronca, mas, porém, contudo, no entanto, bálhamedeus, já são demasiadas as ocasiões em que este masoquista exercício torna-se absolutamente insuportável. Estes acordistas (e também os assimilados, ou seja, os que fingem ser contra) são, de facto, uns aldrabões do piorio; por regra, como agora de novo é o caso, mentem com quantos dentes têm na boca e apenas são capazes de debitar as tretas do costume.

Nem de propósito, como espectacular demonstração de tão inamovível quanto arrepiante premissa, eis aqui uma (inacreditável) entrevista de certa ex-governante, calculo, ex-Directora-Geral de Nãoseiquê, presumo, e ex-pessoa decente, imagino. Escusado será dizer, até porque isso é um vício comum entre os políticos em geral e os acordistas em particular, que mentem por método e sistema, de cabo a rabo, sem ponta por onde se lhe pegue no paleio de chacha: um chorrilho, uma torrente, um tsunami de galgas.

Claro que o objectivo é promover os interesses geoestratégicos do Brasil, aproveitando as raspas dos negócios (estrangeiros), se possível, isto é, correndo atrás das migalhas que porventura possam sobejar dos milhões traficados entre o “país-continente” e, por exemplo, o petróleo venezuelano, a carne argentina, as minas chilenas e até, se calhar, nunca se sabe do que são capazes os meliantes da “língua universáu”, produtos da Colômbia. Uma versão revista e aumentada da CPLP, por conseguinte, sustentadas ambas as teatralizações pela patranha fundamental, aquilo a que chamam “difusão da língua“; da língua brasileira, bem entendido, porque, dizem os mesmos, “eles são 220 milhões e nós somos só 10 milhões“. O Estado português, que paga a CPLP e as demais despesas das negociatas, incluindo os “pacotes” de “turismo linguístico” (ahahahah, boa malha, têm imensa piada com as desculpas para as roubalheiras, são uns pândegos), cala-se muito caladinho ou, mil vezes pior, alinha no caldinho.

Na promoção de eventos propagandísticos, sessões de esclarecimento de mentiras delirantes, igualmente escabrosas mas também hilariantes, o Estado português faz a todos nós, em nome da “expansão da língua” brasileira no mundo, o favor de torrar milhões sonegados aos nossos impostos.

Fica assim explicado, com todos os éfes e érres, esplendorosa e escarrapachadamente, o significado da expressão “valor económico da língua“, essa fulcral aldrabice que tanto os fascina e de que tanto se esticam nas suas ridículas prelecções.

Agora era capaz de citar o “jingle” do Euromilhões mas não queremos abusar, enfim, por algum motivo isto dos milhões (de dólares, por hipótese) provoca uns reflexos condicionados aborrecidos, é fácil, é barato e rima com aldrabões.

Já quanto a outro tipo de milhões, por assim dizer, ao que parece os 280 da CPLB (Comunidade dos Países de Língua Brasileira) afinal não chegam, agora o alvo da “difusão” é constituído por 800 milhões de alminhas, nada menos, soma aos tais 280 do Brasil e anexos (incluindo Portugal) os 50 de Espanha e os sobrantes 470 milhões acumulados no Uruguai, no Peru, na Argentina, na Colômbia, no Chile e nos restantes países da América do Sul e arredores.

Bem, convenhamos, de facto é um magote de respeito. E devem estar todas elas, as referidas alminhas, da cordilheira dos Andes às Pampas, até aposto, lá estarão todos contentes, felizes da vida com esta coisa da OEI que uns señores simpáticos pariram, oh, extraordinário milagre, isto ele nem na América.

São tão altos dignitários — e destes, em especial, os que têm dedo para o negócio — realmente uns cómicos, por conseguinte (se bem que não tenham gracinha nenhuma) e, como se vê, essa chusma de maduros (salvo seja) apenas pretendem, segundo protestam — além da “difusão”, ou lá o que é –, o melhor para apascentar os povos: e estes outros, perdidos no meio de 800 milhões, agora também alardeiam com imenso salero e não menor precisão a vinda de tão fantásticos salvadores linguísticos da Pátria, oops, melhor dizendo, das pátrias.

Bem, longa história, abreviemos. A ver se a Espanha cai desse cavalo abaixo. Palpita-me que não.

Y olé, olé, ¡arriba, arriba! ¡Ándale, ándale!

 

A Estratégia da OEI para a língua Portuguesa

raiadiplomatica.info, 05.03.21

 

Em 2017 foi inaugurada a delegação em Portugal da Organização dos Estados Ibero-americanos para a Ciência, Educação e Cultura (OEI). Em entrevista à Raia Diplomática, Ana Paula Laborinho, directora da OEI em Portugal, contou-nos a estratégia desta organização internacional para a difusão da língua portuguesa no espaço ibero-americano. Para além disso, ainda houve tempo para falar da dimensão científica, cultural…e da cidadania ibero-americana.

Quais foram as razões para a abertura de uma delegação em Portugal da Organização de Estados Ibero-americanos para a Ciência, Educação e Cultura (OEI)?

Portugal é Estado membro da OEI desde 2002 e, nesse sentido, desde essa data se perspectivava a abertura de uma representação nacional. Portugal tem participado desde [o] princípio nas Cimeiras Ibero-americanas e tem reforçado o seu interesse pelo espaço ibero-americano onde tem dois parceiros relevantes – Brasil e Espanha – mas também tem havido um aumento das relações com outros países da região, seja económica, seja cultural como foram os casos das Feiras do Livro de Bogotá (2013) e de Gu[a]dalajara (2018) em que Portugal foi o país convidado.

Durante vários anos foi a Directora do Instituto Camões. Quais são as diferenças nas suas competências na promoção da Língua Portuguesa como directora em Portugal da OEI com as anteriores funções de Directora do Instituto Camões?

As minhas actuais funções têm um âmbito centrado na região ibero-americana, o que desde logo se distingue das anteriores funções. Também se concentram nas áreas de actuação da organização – educação, ciência e cultura – enquanto as responsabilidades na área da cooperação da instituição que dirigi são muito mais alargadas. Fui recentemente nomeada Directora-Geral de Bilinguismo e Difusão da Língua Portuguesa da OEI, sendo a minha primeira acção melhorar a cooperação entre línguas em áreas em que a sua relevância é grande, desde logo a educação, incluindo o ensino superior, mas também ao nível da produção científica aberta e plurilingue, área fundamental para o reconhecimento internacional das duas línguas. Estamos também a desenvolver um grande esforço para tornar a OEI verdadeiramente bilingue, desde logo produzindo toda a sua documentação nas duas línguas, incluindo relatórios técnicos, mas também conferências, reuniões técnicas, o que tem possibilitado o envolvimento da CPLP, de que somos Observadores Associados e que também é Observador Associado da OEI.

Em linhas gerais qual é a estratégia para OEI para a promoção língua portuguesa no espaço Ibero-americano?

Como referi, a Direcção-Geral de Bilinguismo e Difusão da Língua Portuguesa assenta a sua acção, antes do mais, na cooperação entre as duas línguas. O Programa para este biénio desenvolve-se a partir de 5 linhas estratégicas: i) Fortalecimento da presença das línguas portuguesa e espanhola na produção e divulgação da ciência e da tecnologia; ii) Promover experiências de bilinguismo e interculturalidade em escolas de fronteira; iii) Converter a OEI numa organização bilingue de referência regional; iv) Formar professores e outros profissionais nas áreas da Educação Bilingue e Intercultural e da Tradução; v) Promover e divulgar internacionalmente as duas línguas, nomeadamente através da organização de conferências como a CILPE 2019 ou o Fórum sobre Línguas e Economia (2020), estando em preparação a CILPE20121.

O anterior Secretário-Geral da OEI, Paulo Speller, defendia a integração dos outros países de língua oficial portuguesa como membros da OEI. Esse assunto continua a ser discutido?

A OEI é Observador Associado da CPLP e a CPLP é Observador Associado da OEI, o que permite um trabalho conjunto e uma triangulação entre regiões (Europa-África-América Latina), mantendo a identidade e o espaço próprio de cada organização.

A aprendizagem de várias línguas é muito benéfico como o desenvolvimento cognitivo dos alunos. Já termos experiências sobre a internacionalização da língua portuguesa no Uruguay, e aqui ao lado a Extremadura e na Galiza há uma maior procura pela aprendizagem da língua portuguesa. Será utópico implementar uma política educativa que crie condições para que a língua portuguesa seja a 2ª língua estrangeira no sistema de ensino em Espanha, e o mesmo aconteceria em Portugal, em que a língua espanhola seria a 2ª língua estrangeira no sistema de ensino de Portugal?

Muitos estudos demonstram que uma educação multilingue tem grandes vantagens desde a primeira infância, mas também revelam a importância da alfabetização nas línguas maternas. Como sabemos, em Espanha há regiões onde são introduzidas desde a primeira infância duas línguas pelo que a língua estrangeira é já a terceira língua que tendencialmente é o inglês, também em Portugal. Sabemos a importância que o inglês tem como língua internacional. Sabemos também que o espanhol e o português são duas línguas próximas (mas gramaticalmente complexas), que permitem um mútuo entendimento. Do lado de Portugal, e é apenas uma opinião sem estudo aprofundado, há muito a ideia de que não vale a pena aprender o espanhol porque facilmente o entendemos, lemos e até falamos um pouco. É verdade que há inter-compreensão, mas não dispensa a aprendizagem que é muito vantajosa tendo em conta que as duas comunidades representam 800 milhões de falantes e têm também um lastro cultural que as aproxima e se estende entre continentes.

Abertura oficial da delegação da OEI em Portugal

A implementação do acordo ortográfico de 1990 está a criar diversas dificuldades aos portugueses. Muito frequentemente reparamos na imprensa portuguesa textos com a nova ortografia misturados para a ortografia anterior. Não foi um erro a sua implementação?

Diria que é um debate gasto e será resolvido pelas novas gerações. Ao contrário do que se diz, a proposta para uma nova ortografia resultou de um grupo de conceituados linguistas, entre os quais o Professor Luís Lindley Cintra da Academia das Ciências de Lisboa ou o Professor Evanildo Bechara da Academia Brasileira de Letras. A ortografia é a componente mais mutável da língua como se comprova se consultarmos a escrita da primeira década do século XX. O Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) continua a fazer o seu trabalho, nomeadamente as Terminologias Científicas, com a participação de todos os países.

Em termos culturais o que pode a OEI ajudar as industrias culturais e criativas no desenvolvimento das suas actividades?

Essa é uma das linhas estratégicas do Programa da OEI para o biénio 2021-2022, na sequência do trabalho que já antes havia sido iniciado. A OEI há muito que vem trabalhando em indicadores que permitam melhor compreender e tomar decisões sobre cultura e economia, o que prosseguirá, cada vez mais conscientes de que a cultura contribui para o desenvolvimento sustentável como eixo transversal. Estão também previstos diversos estudos, desde logo sobre os efeitos da pandemia no sector cultural, bem como um estudo comparativo sobre os quadros normativos de financiamento e estímulos à cultura na Ibero-América. Também é de salientar o trabalho em curso sobre Cultura digital e propriedade intelectual, tendo sido criada em parceria uma cátedra na Universidade de Alicante. Em 2006, os Chefes de Estado e de Governo ibero-americanos aprovaram a Carta Cultural Ibero-americana que continua a ser um documento orientador da comunidade para estas áreas e não perdeu actualidade. Este ano comemoraremos os seus 15 anos, mas já em 2006 as Indústrias Culturais e Criativas estavam identificadas como eixo de trabalho.

Internacionalmente os conteúdos das indústrias culturais e criativas, especialmente na internet são produzidos na língua inglesa. O que pode a OEI ajudar esta industria cultural e criativa ibero-americana a ser mais competitiva além-fronteiras?

Fomentar o conhecimento, produzir estudos regionais (já existem vários) e a formação nestes domínios como tem vindo a fazer. A pandemia obriga a acelerar estes processos e a pensar cada vez mais na cultura digital.

Aqui o intercâmbio de ideias e experiências no espaço ibero-americano pode ser uma boa ferramenta para o desenvolvimento das suas actividades. Existem algum programa de apoio da OEI para tais intercâmbios?

A OEI considera mais produtivo produzir conhecimento e apoiar as políticas, sem prejuízo de se associar a alguns programas que podem promover a mobilidade. Em Portugal, temos apoiado a EXIB, uma exposição ibero-americana de música independente que reúne um amplo leque de profissionais, desde programadores, imprensa especializada, empresas de gestão musical, instituições e organizações do sector até, claro, artistas. Pela segunda vez, a EXIB se realizou na cidade de Setúbal, desta vez em modo virtual, mas foi um grande encontro, que promoveu intercâmbios muito ricos. Continuaremos a promover a diversidade cultural ibero-americana.

É inquestionável que a inovação é um factor determinante para o desenvolvimento social. Que meios pode disponibilizar a OEI para a sociedade civil e as empresas possam investigar de forma que a inovação seja uma realidade?

A OEI criou recentemente o Instituto Ibero-americano de Educação e Produtividade que procura ser uma interface entre formação e empresas, com produção de estudos e recomendações que possam impulsionar a produtividade que, sabemos, é uma das grandes dificuldades da América Latina. Importa também destacar que a educação – o capital humano – é um pilar essencial do desenvolvimento e da criação de riqueza. A América Latina tem melhorado muito os seus indicadores educativos e há uma grande consciência ao nível das políticas educativas de que importa desenvolver competências para o século XXI, como demonstra o recente estudo publicado pela OEI – Miradas 2020 – cuja coordenação foi partilhada com Portugal. A pandemia, como também se refere nesse estudo elaborado em plena crise, terá consequências e poderá provocar retrocessos, mas podemos também dar um salto para o futuro e ultrapassar o modelo de escola que conhecemos para melhor o adaptar aos desafios societais. Gostaria também de esclarecer que esses desafios vão muito além das competências digitais.

Na página web da OEI Portugal está escrito que as suas iniciativas servem para “fortalecer a cidadania ibero-americana. O que é a cidadania ibero-americana?

A cidadania ibero-americana manifesta-se, antes do mais, pela sua diversidade, o que a torna numa região muito criativa em que a cultura é uma dimensão essencial. Se eu, portuguesa, vou ao México sinto-me em casa, o que talvez não aconteça se vou à Polónia, embora também aí haja traços da cidadania europeia que partilho (por exemplo, o projecto europeu como forma de construção da paz), como também me sinto em casa se vou a Timor-Leste e podemos comunicar na mesma língua ou partilhamos traços culturais (por exemplo, o sentido de igreja).

[Transcrição integral de entrevista publicada em “Raia Diplomática” em 05.03.21. Destaques meus. Imagem do artigo original; alojei localmente a imagem em cumprimento das regras de “netetiquette” (não usar largura de banda alheia). Corrigi a Ortografia do original, que está num misto Português/brasileiro/gralheteiro (de “gralhas”).]