Dia: 14 de Abril, 2021

‘Será então o cAOs’

“Escrever mal” e “falar pior” não tem nada a ver com o AO90, em textículos como este; o qual servirá, quando muito, de contraponto pelo absurdo: como é possível escrever uma coisa sobre “o Português a saque” sem jamais referir a cacografia brasileira que pretendem impor-nos?

Não é de brasileiro ou de erros em língua brasileira que se trata; os ilustres lá do “pedaço” que se assoem ao seu próprio guardanapo, que fiquem lá com as suas bacoradas, desenrasquem-se, o que até não há-de ser difícil visto que o brasileiro não está sujeito a qualquer tipo de regras ou norma — é uma língua “tipo” CC, ou seja, Consoante Calha: o erro em geral e a asneira em particular, aliás, são a regra e não a excepção na “língua universáu” brasileira. Problema deles. Os nossos erros, por simples corruptela ou elementar ignorância, são nossos, são exclusivos, são  gramatical, terminológica e enciclopedicamente portugueses.

Ao invés do que se entende, segundo a Vox Populi (a que se juntam uns quantos especialistas da asneirola), escrever mal e falar pior sempre foi uma espécie de desporto nacional. A tanga mais disseminada, neste particular, é que no tempo da outra senhora (ou “dantes”, para os mais tímidos) toda a gente escrevia (e falava) com correcção e só hoje em dia escrever com os pés não é ridículo, é currículo. Nem uma coisa nem outra, claro. Wishful thinking ainda não tem nada a ver com a realidade.

E isto em especial no que à escrita diz respeito, até porque a regra geral é que as formas artesanais de fazer seja o que for são, por regra e definição, bem mais simples do que a sua materialização com saber e arte; premissa que vale tanto para uma pintura como para qualquer partitura, escultura ou obra de arquitectura, o texto mais básico ou a obra literária mais fascinante e memorável.

Em suma, sempre se escreveu por cá pessimamente; declinar com correcção uma única frase parece ser um exercício excruciante para a esmagadora maioria dos portugueses; pronunciar umas palavrinhas sem desfiar asneiras a granel é algo quase tão complicado como calcular a velocidade (e a trajectória) do vento solar quando “sopra” nas “velas” do Space Shuttle.

Tanto na escrita como na fala existe um infindável anedotário no qual até altos dignitários e diplomatas, governantes, altos quadros e ministros em geral participam. O que, por conseguinte e por contraponto, em pura antítese e a título de ilustração a contrario, poderá remeter-nos de novo até ao ponto de partida, ou seja, poderá  suceder que afinal escrever com os pés tenha também a ver com a língua brasileira impingida pelo AO90: o erro que resultava de ignorância passa a ser obrigatório por lei e é o próprio Estado (português) que nos impõe esse inimaginável horror.

Porém, reiteremos também, não é essa a questão ou, pelo menos, não o busílis dela. Sempre se escreveu em Portugal com os pés e sempre se falou abaixo de cão. Por excepção absoluta, a única vantagem do AO90 foi — acrescendo à galopante falência do Ensino do Português, dos bancos da escola aos anfiteatros das faculdades — pôr algumas pessoas (que nunca antes ou muito raramente se tinham metido em tais assados) a estudar, a escrever, a falar sobre o erro “de” Português.

Evitando quase sempre encarar de frente os reais problemas que afectam a Língua Portuguesa, sim, aqueles que o AO90 gerou a partir do nada, mas ao menos deixando algumas pistas para a missão quase impossível que nos coube em sorte: acabar com o saque do Português pelo AO90.

Português a saque

O escrever mal e o falar pior nos media portugueses

 

Por Rui Cardoso 1 de Abril de 2021

in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa,
[consultado em 09-04-2021]
ciberduvidas.iscte-iul.pt

 

 


 

«Entre o inglês contrabandeado e o brasileiro das novelas, a língua portuguesa agoniza. Nunca se falou e escreveu tão mal e o exemplo vem de cima.»

Assim se fala e escreve nos tempos que correm. Vejamos em pormenor.

JOVENS MULHERES

Se dissermos «uma jovem» estaremos a definir sem ambiguidades aquilo de que estamos a falar. Um pleonasmo, além do mais sexista, já que não consta que se costume aludir a «jovens homens». Tudo radica, diz Joana Rabinovitch, ex-docente da Faculdade de Letras de Lisboa e da Universidade Nova, no facto de «em inglês, ao contrário do português, os adjetivos e os artigos não terem género». Daí que a young woman, não se possa traduzir à letra. Em português, palavras como forte ou jovem são neutras. É o vocábulo que as antecede que lhes dá o género: «uma jovem», «várias jovens», «diversas jovens»…

TRIBUTO

Quem pagava tributo a Vasco da Gama era o Samorim de Calecute e, de uma forma geral, os vassalos aos senhores feudais ou os cativos aos seus captores. É certo que em dicionários portugueses recentes se refere que “tributo” pode ter a aceção de homenagem. Mas isso parece resultar, não da etimologia, mas de um anglicismo recente. Até porque não consta que a Autoridade Tributária tenha como principal missão homenagear os contribuintes…

OFICIAIS

Em inglês, officer tanto pode designar um oficial das forças armadas, como um agente policial, um funcionário da administração pública ou de uma companhia privada. Atenção ao contexto, portanto.

SERVIÇOS DE INTELIGÊNCIA

Se existisse tal coisa, sendo a natureza tendencialmente simétrica, seria combatida pelo seu contrário, ou seja, pelos serviços de estupidez… Os serviços ou agências de informações (é disso que se trata) dedicam-se às mais diversas coisas: espionagem, contraespionagem, vigilância pessoal, eletrónica, etc.

FOCO

Os dispositivos óticos, dos faróis às lentes, é que têm profundidade de campo, distância focal, etc. A expressão to be focused on significa «estar empenhado, concentrado ou atento».

ENCRIPTADO

É certo que existe uma técnica ou ciência chamada criptologia, relativa à forma de comunicar secretamente entre emissor e recetor. Mas o que faz é codificar ou descodificar, cifrar ou decifrar mensagens e não encriptá-las ou desencriptá-las, o que literalmente significaria enterrá-las ou desenterrá-las numa cripta ou cave…
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