Dia: 30 de Abril, 2021

‘La Reina de la Novela Rosa’


Portela, Setembro de 2000. “Vai com espírito de missão?”, perguntou ele (e os jornalistas todos). “Não”, respondi. “Vou porque não tenho lugar em Portugal.”

É de facto comovente a preocupação de nosso acordita-mor, Sua Excelência o Ministro dos Negócios Estrangeiros, com o seu inexcedível “respeito” pelos Tratados em geral e pelo cumprimento do “acordo ortográfico” em particular.

Mesmo havendo o pequeno senão de esse acordo em concreto, o AO90, não ser, de todo, em rigor ou após uma simples vista-de-olhos, um verdadeiro Tratado ou um papelucho que sirva para algo mais do que os da Renova, vá.

Não o é, seguramente, porque nem a martelo pode essa igualmente macia “folha dupla” ser de alguma forma encaixada no conceito de Direito Internacional nos termos previstos, tipificados e regulamentados pela Convenção de Viena, a que Portugal — como país teoricamente civilizado — está vinculado desde 2003. Não é um Tratado internacional, de Direito, e é absolutamente ilegal a sua entrada em vigor por via da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008; tendo sido elaborado pelos directórios partidários este expediente parlamentar, à revelia de qualquer disposição normativa ou mecanismo legal, internacional ou doméstico, a entrada em vigor do Tratado perde ab initio, por consequência, qualquer efectividade, na forma, no articulado e nas suas disposições.

Desta falsa e ilegal aprovação da entrada em vigor de um Tratado internacional também ele ilegal  decorre, por fim, que toda e qualquer legislação, regulamentação ou simples ordem de serviço subsequente, sendo baseada na referida Resolução parlamentar, fica de imediato anulada, visto que todo o processo legislativo está ferido de ilegalidade; assim, são de igual modo de nenhum efeito, porque se estribam em processo legislativo inválido, o Aviso nº 255/2010 (do M.N.E., depósito dos instrumentos de ratificação), o Decreto do PR n.º 52/2008 (ratifica o II Protocolo Modificativo, nos termos da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008) e ainda, por fim, a Resolução do Governo nº 8/2011 (determina a aplicação do AO90, também nos termos da RAR 35/2008).

Trata-se, portanto, de cabo a rabo, de papelada que não vale a tinta com que foi impressa. Um impressionante calhamaço de inacreditáveis tretas, mentiras, fábulas romanescas ao nível dos grandes (e eternos) sucessos mexicanos. Ainda assim, sabendo perfeitamente que o AO90 é uma fraude maneta (e perneta), pois a longínquas paragens mentais e alucinações filosóficas não chegará certamente a imaginação do pobre governante, o senhor Silva jura ao inválido incríveis coisas, uma oratória pungente regada a “até que a morte nos separe” e assim. Àquela pilha de papéis inúteis declara Sua Excelência sua paixão absoluta, a tal molho de folhas jura “nosso” ministro fidelidade para a vida, batendo no peito, quase ameaçando soltar sua lágrimazita de emoção. Chuif chuif, senhor ministro, até eu, senhor ministro, mais meia horita dessas suas juras e era bem capaz de desatar uma choradeira, ui, que romântico, chuif, repito, lá diz o povo, “o amor é louco, não façam pouco”. 

Bom, enfim, “deslarguemos” estas cenas ridículas “tipo” Corín Tellado, quando não, arriscamos a levar com outros 340 episódios da telenovela AO90, juras de marmanjos, zaragatas entre galãs ligeiramente trogloditas, maledicência à tonelada, listas de compras e mau feitio a gastar.

Todos temos mais que fazer, certo?

Certo. Temos. Só “nosso” coiso parece que não.

Santos Silva: “Acordo ortográfico é para cumprir”

Por Paulo Jorge Pereira
e Fábio Carvalho da Silva

Por que razão se insiste no acordo ortográfico? Não é já o tempo de o acordo voltar para trás?

Bem, isso é da área da Cultura, não é comigo, mas vou responder-lhe com o meu ponto de vista. Eu não.

tenho nenhuma competência técnica nesse assunto, mas pelo que me dizem este acordo ortográfico é um dos que gozam de maior vigência na história dos acordos, porque tem havido revisões sucessivas. As pessoas escandalizam-se muito hoje por “para” não ter acento, assim como o meu grande mestre Vitorino Magalhães Godinho, em plenos anos 80, ainda escrevia e escreveu até morrer “criar” com “e”, porque não tinha aceitado a revisão de um determinado ano.

Agora, eu sou ministro dos Negócios Estrangeiros e Portugal é conhecido e respeitado em todo o mundo por cumprir os compromissos que assume. Há um acordo internacional de que Portugal fez parte – e mais uma vez não encontrará a minha assinatura nesse documento, não porque eu não quisesse mas porque não fazia parte do Governo de então – e Portugal não é um país que não cumpre os acordos internacionais que celebra. De outro ponto de vista, o acordo ortográfico é uma convenção ao abrigo do qual hoje em dia milhares de crianças aprenderam a escrever na escola, que antigamente se dizia primária e agora ensino básico, e julgo que também devemos respeitar os interesses dessas crianças e tudo o que fizemos.

Mas enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros o que posso dizer é que é um acordo internacional que foi celebrado pelas autoridades competentes, um Governo propôs a sua aprovação, uma Assembleia da República aprovou, um Presidente da República ratificou, cumpre ao ministro dos Negócios Estrangeiros verificar que o país respeita esse acordo.