Mês: Abril 2021

A Avozinha e o Lobo Mau

«No grupo havia, porém, uma criança que não gostava de finais felizes. Retomou a narrativa e acrescentou que o Lobo tinha mastigado tão bem, mas tão bem a avó que esta, ao ser retirada “cá para fora”, estava (des)feita em bocadinhos. Mais “gore” era impossível! E enquanto eu buscava uma saída para aquele desfecho sangrento, Melanie antecipou-se. Era verdade que o Lobo Mau tinha mastigado a avozinha com os seus grandes dentes, mas o pai do Capuchinho Vermelho trazia no bolso uma fita-cola muito forte com a qual colou os bocadinhos da avó muito bem colados, tão bem colados que no fim nem se notava nada.»

Como sabe qualquer doutorado em tautologia, e há bastantes por aí, “truísmo” é algo que pela sua própria natureza se impõe naturalmente, não carecendo de explicações ou considerandos. É o caso daquilo que os seus inventores designam como “AO90” ou, ainda mais estupidamente, como “acordo ortográfico”. Sabendo nós que essa aparentemente inócua designação oculta uma realidade nojenta, uma mentira abjecta, torna-se-nos penoso — ou insuportável — despender tempo e feitio com o asqueroso desconchavo; por vezes, noblesse oblige (e para mal dos pecados), chega a ser necessário fingir que se dá algum crédito aos acordistas ou que se confere uma lasca de credibilidade às baboseiras que militantemente papagueiam. Pura ilusão, quando muito, é claro, se bem que por vezes a atávica imbecilidade dos brasileirófilos até dê jeito, é uma forma de os zurzir onde mais lhes dói, isto é, nos bolsos.

O AO90, repitamos e resumamos de novo o esquema, consiste no extermínio do Português-padrão substituindo-o pela língua brasileira e assim, usando o “acordo” como pretexto e cortina de fumo, promover os interesses geoestratégicos brasileiros nas vertentes económica e política; dito de forma mais incisiva, o AO90 é uma invenção que teoricamente pretende validar e conferir alguma credibilidade política à CPLP; esta sinistra  organização, criada por brasileiros segundo os seus interesses exclusivos, comporta a dupla finalidade de abrir uma espécie de “porta dos fundos” na Europa, usando o estatuto de estado-membro de Portugal na União Europeia, e de, em última análise, saquear as imensas riquezas de Angola e as dos restantes territórios que em determinado momento histórico foram colónias portuguesas. Tudo isto, é claro, entregue de mão-beijada ao “país-continente”, sem uma única contrapartida (que dispensamos, porque a Língua tem imenso valor mas não tem preço) e tendo, ainda por cima, todas as contas e despesas inerentes pagas à cabeça pelo extraordinariamente solícito Estado português e seus sabujos.

Nós sabemos que este é o statu quo do cambalacho, para qualquer adulto minimamente letrado a inacreditável golpada é de uma simplicidade assustadora; mesmo alguém que não disponha de todas as ferramentas mentais poderá intuir — ao menos — que “algo” se passa, que o “acordo” tresanda a roubalheira.

É muito fácil entender porque é tudo afinal muitíssimo mais evidente do que aquilo que prefeririam os envolvidos. Até uma criança entende tudo isto.

Ora bem, nem de propósito, talvez neste artigo de Ana Cristina Leonardo — mesmo não tendo sido essa a sua intenção, calculo — esteja uma possibilidade de explicar a fraude “ortográfica” aos mais pequenos, sem os traumatizar (porque o tema é de facto violento) com os pormenores mais escabrosos,

Através de simples alegorias, utilizando analogias básicas e metáforas elementares, o que é preciso é que se diga às crianças a verdade, toda a verdade e apenas a verdade sobre o tráfico da nossa Língua; que a CPLP serve exclusivamente os interesses do Brasil e de um bando de salteadores portugueses, uma espécie de “Irmãos Metralha” do lado português; que o AO90 não passa de uma capa muito parecida com a do Mancha Negra para entrar disfarçadamente na Europa e como disfarce de gatuno para assaltar os cofres de Angola e as riquezas naturais das nossas ex-colónias em África; que o golpe (AO90) foi obtido através de negócios secretos entre políticos, às escondidas, sem provas e quase sem deixar rasto.

É possível ainda, dentro da mesma lógica pedagógica, apontar como modelo de resistência a extraordinária personalidade da rapariguinha da história e, com a tenacidade da sua coragem e o exemplo da sua tenacidade, demonstrar que não somos poltrões, que as crianças são grandes heróis em tamanho pequeno, ninguém desiste nem desistirá jamais porque a nossa luta é justa e ninguém irá lutar em vez de nós.

Bem pode o Lobo Mau (o AO90) tentar matar e comer a nossa Avozinha (a Língua Portuguesa), desfazê-la em bocadinhos. A rapariguinha, apesar de criança, é mil vez mais persistente do que todos os animais ferozes e do que milhares de adultos.

Tão corajosa, tão resistente, tão determinada e coerente que vai já acumulando um arsenal com todos os rolos de fita-cola que há no mundo.

No fim, a Avozinha ressurgirá de novo inteira, íntegra, digna e solene. Nem se vai notar nada.

Portugal, “we have a problem”, (pelo menos)

 

 

«Diz a lei de Murphy que, se uma coisa tem hipóteses de correr mal, correrá mal de certeza e da pior maneira. Apesar de ser uma lei que faz as delícias dos pessimistas encartados, a sua formulação condicional — “SE…” — prova que Murphy era, na realidade, um optimista.

Um enunciado realmente negro da referida lei seria: dado que nada do que é humano exclui a hipótese de poder correr mal, então, tudo correrá pessimamente. Resumindo: aquele “SE” salva-nos do desastre total.

A razão por que se tem um olhar pessimista ou optimista sobre a realidade continua um mistério. Há quem lhe encontre explicação nas experiências de vida, mas basta que eu invoque um pequeno episódio (real) passado com crianças para que essa interpretação se prove coxa.

Numa colónia de férias à beira de um lago (o lago não conta para o caso, mas é um facto que havia um lago), ao final de tarde costumava sentar o grupo de crianças que me estava atribuído. As crianças tinham entre cinco e seis anos e o propósito da reunião consistia em que uma delas começasse a contar uma história a que depois outra daria continuidade e assim sucessivamente, como diria João César Monteiro.

Um dia, a cena desembocou numa versão livre do “Capuchinho Vermelho”. Uma das crianças (chamemos-lhe Melanie que era mesmo o seu nome) deu-a por terminada após, devorada a avó pelo Lobo Mau, ter aparecido o pai do Capuchinho Vermelho que conseguia tirar a coitada da barriga do “Canis lupus”. No grupo havia, porém, uma criança que não gostava de finais felizes. Retomou a narrativa e acrescentou que o Lobo tinha mastigado tão bem, mas tão bem a avó que esta, ao ser retirada “cá para fora”, estava (des)feita em bocadinhos. Mais “gore” era impossível! E enquanto eu buscava uma saída para aquele desfecho sangrento, Melanie antecipou-se. Era verdade que o Lobo Mau tinha mastigado a avozinha com os seus grandes dentes, mas o pai do Capuchinho Vermelho trazia no bolso uma fita-cola muito forte com a qual colou os bocadinhos da avó muito bem colados, tão bem colados que no fim nem se notava nada. E foi quando eu, evidentemente, me apressei a dar por terminada a hora do conto.

Às vezes penso no que será feito daquelas duas (então) crianças, esperançosa de que, pelo menos Melanie (a única de quem, curiosamente, fixei o nome), tenha continuado vida fora a guardar no bolso uma fita-cola das muito fortes.

Havendo, portanto, situações em que um olhar pessimista ou optimista permanece inexplicável (a criança da versão “gore” não vinha de uma família disfuncional ou sequer problemática…), outras há em que só um cego não vê que a coisa vai acabar em despautério. E sendo verdade que muitas dos provas de efectividade da lei de Murphy assentam numa falácia — por exemplo, aquela que diz que se andarmos à procura dos óculos, só havemos de encontrá-los no último sítio em que os procurarmos (claro que quando os encontramos, damos por finalizada a busca…) — , tratando-se do famigerado Acordo Ortográfico, Murphy só parece ter pecado por defeito.

Habituados que estamos já à enorme variedade de “fatos” do Diário da República, eis que no outro dia vimos, com estes que a terra há-de comer, o primeiro-ministro na televisão a apontar para um quadro explicativo das medidas de desconfinamento onde aparecia a palavra “contato”.

Aqui chegados, e plagiando Manuel Bandeira, há que reconhecê-lo: “contato” “é outra civilização”!

Dirão — como sempre fazem os defensores do AO, apesar de andarem muito calados — que a culpa de contato por contacto está na ignorância e não no Acordo em si. Sem entrar em celeumas sobre o “Ser-em-Si”, o “Ser-para-Si”, o “Ser-para-Outro” e etc. — razão tinha Jorge Luis Borges quando escreveu que “a metafísica é um ramo da literatura fantástica” — a pergunta absolutamente pragmática que se impõe é: quem, em Portugal e antes do AO, escrevia contacto sem C? E a mesma pergunta vale para os incontáveis “fatos” do Diário da República.

São dois exemplos singelos, mas que vêm dar razão a Murphy: se algo tem hipóteses de correr mal, correrá mal de certeza e da pior maneira.
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‘Será então o cAOs’

“Escrever mal” e “falar pior” não tem nada a ver com o AO90, em textículos como este; o qual servirá, quando muito, de contraponto pelo absurdo: como é possível escrever uma coisa sobre “o Português a saque” sem jamais referir a cacografia brasileira que pretendem impor-nos?

Não é de brasileiro ou de erros em língua brasileira que se trata; os ilustres lá do “pedaço” que se assoem ao seu próprio guardanapo, que fiquem lá com as suas bacoradas, desenrasquem-se, o que até não há-de ser difícil visto que o brasileiro não está sujeito a qualquer tipo de regras ou norma — é uma língua “tipo” CC, ou seja, Consoante Calha: o erro em geral e a asneira em particular, aliás, são a regra e não a excepção na “língua universáu” brasileira. Problema deles. Os nossos erros, por simples corruptela ou elementar ignorância, são nossos, são exclusivos, são  gramatical, terminológica e enciclopedicamente portugueses.

Ao invés do que se entende, segundo a Vox Populi (a que se juntam uns quantos especialistas da asneirola), escrever mal e falar pior sempre foi uma espécie de desporto nacional. A tanga mais disseminada, neste particular, é que no tempo da outra senhora (ou “dantes”, para os mais tímidos) toda a gente escrevia (e falava) com correcção e só hoje em dia escrever com os pés não é ridículo, é currículo. Nem uma coisa nem outra, claro. Wishful thinking ainda não tem nada a ver com a realidade.

E isto em especial no que à escrita diz respeito, até porque a regra geral é que as formas artesanais de fazer seja o que for são, por regra e definição, bem mais simples do que a sua materialização com saber e arte; premissa que vale tanto para uma pintura como para qualquer partitura, escultura ou obra de arquitectura, o texto mais básico ou a obra literária mais fascinante e memorável.

Em suma, sempre se escreveu por cá pessimamente; declinar com correcção uma única frase parece ser um exercício excruciante para a esmagadora maioria dos portugueses; pronunciar umas palavrinhas sem desfiar asneiras a granel é algo quase tão complicado como calcular a velocidade (e a trajectória) do vento solar quando “sopra” nas “velas” do Space Shuttle.

Tanto na escrita como na fala existe um infindável anedotário no qual até altos dignitários e diplomatas, governantes, altos quadros e ministros em geral participam. O que, por conseguinte e por contraponto, em pura antítese e a título de ilustração a contrario, poderá remeter-nos de novo até ao ponto de partida, ou seja, poderá  suceder que afinal escrever com os pés tenha também a ver com a língua brasileira impingida pelo AO90: o erro que resultava de ignorância passa a ser obrigatório por lei e é o próprio Estado (português) que nos impõe esse inimaginável horror.

Porém, reiteremos também, não é essa a questão ou, pelo menos, não o busílis dela. Sempre se escreveu em Portugal com os pés e sempre se falou abaixo de cão. Por excepção absoluta, a única vantagem do AO90 foi — acrescendo à galopante falência do Ensino do Português, dos bancos da escola aos anfiteatros das faculdades — pôr algumas pessoas (que nunca antes ou muito raramente se tinham metido em tais assados) a estudar, a escrever, a falar sobre o erro “de” Português.

Evitando quase sempre encarar de frente os reais problemas que afectam a Língua Portuguesa, sim, aqueles que o AO90 gerou a partir do nada, mas ao menos deixando algumas pistas para a missão quase impossível que nos coube em sorte: acabar com o saque do Português pelo AO90.

Português a saque

O escrever mal e o falar pior nos media portugueses

 

Por Rui Cardoso 1 de Abril de 2021

in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa,
[consultado em 09-04-2021]
ciberduvidas.iscte-iul.pt

 

 


 

«Entre o inglês contrabandeado e o brasileiro das novelas, a língua portuguesa agoniza. Nunca se falou e escreveu tão mal e o exemplo vem de cima.»

Assim se fala e escreve nos tempos que correm. Vejamos em pormenor.

JOVENS MULHERES

Se dissermos «uma jovem» estaremos a definir sem ambiguidades aquilo de que estamos a falar. Um pleonasmo, além do mais sexista, já que não consta que se costume aludir a «jovens homens». Tudo radica, diz Joana Rabinovitch, ex-docente da Faculdade de Letras de Lisboa e da Universidade Nova, no facto de «em inglês, ao contrário do português, os adjetivos e os artigos não terem género». Daí que a young woman, não se possa traduzir à letra. Em português, palavras como forte ou jovem são neutras. É o vocábulo que as antecede que lhes dá o género: «uma jovem», «várias jovens», «diversas jovens»…

TRIBUTO

Quem pagava tributo a Vasco da Gama era o Samorim de Calecute e, de uma forma geral, os vassalos aos senhores feudais ou os cativos aos seus captores. É certo que em dicionários portugueses recentes se refere que “tributo” pode ter a aceção de homenagem. Mas isso parece resultar, não da etimologia, mas de um anglicismo recente. Até porque não consta que a Autoridade Tributária tenha como principal missão homenagear os contribuintes…

OFICIAIS

Em inglês, officer tanto pode designar um oficial das forças armadas, como um agente policial, um funcionário da administração pública ou de uma companhia privada. Atenção ao contexto, portanto.

SERVIÇOS DE INTELIGÊNCIA

Se existisse tal coisa, sendo a natureza tendencialmente simétrica, seria combatida pelo seu contrário, ou seja, pelos serviços de estupidez… Os serviços ou agências de informações (é disso que se trata) dedicam-se às mais diversas coisas: espionagem, contraespionagem, vigilância pessoal, eletrónica, etc.

FOCO

Os dispositivos óticos, dos faróis às lentes, é que têm profundidade de campo, distância focal, etc. A expressão to be focused on significa «estar empenhado, concentrado ou atento».

ENCRIPTADO

É certo que existe uma técnica ou ciência chamada criptologia, relativa à forma de comunicar secretamente entre emissor e recetor. Mas o que faz é codificar ou descodificar, cifrar ou decifrar mensagens e não encriptá-las ou desencriptá-las, o que literalmente significaria enterrá-las ou desenterrá-las numa cripta ou cave…
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«Em defesa da ortografia XXXIII» [por João Esperança Barroca]

Em defesa da ortografia XXXIII

João Esperança Barroca

26 de Março de 2021

 

«Que fique escrito a fogo: quem se opõe ao Acordo não deve aceitar uma revisão do mesmo. Não há polimento possível que retoque o que não tem ponta por onde se lhe pegue. É um exercício fútil tentar ancorar algo no vácuo: a ideia de a ortografia navegar à mercê das ondas do elemento mais indomável, flutuante, contingente, mais variável geográfica, temporal e individualmente que há na língua – a pronúncia.»***

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Uma das estratégias adoptadas na aprendizagem de uma língua (e, no que diz respeito à ortografia, não poderia ser de outro modo) é a da utilização das famílias de palavras. No estudo de uma língua estrangeira também se fala do parentesco entre as línguas, mostrando as semelhanças no vocabulário, mesmo em línguas de diferentes origens.

Como o leitor já reparou, desde a aplicação do inadjectivável AO90, o País dos Faraós, um dos berços da civilização, passou a grafar-se sem p, Egito. Contudo, como se escrevem (com o AO90) as outras palavras da família de Egipto? Os habitantes designam-se egípcios, egipcianos ou egipcíacos. Os especialistas na civilização, egiptólogos. A ciência e o adjectivo a ela referente, respectivamente, egiptologia e egiptólogo. O leitor poderá hoje num texto acordizado encontrar uma frase tão banal como: Um egiptólogo não precisa de estar no Egito para estudar a cultura egípcia. Isto é, o Egipto divorciou-se das restantes palavras da sua família. Quando os acordistas falam da “unidade essencial da língua” e da “simplificação da aprendizagem”, será a isto que se referem?

Felizmente, alguns órgãos de comunicação como a RTP e o Jornal da Madeira, como se pode comprovar nas imagens que acompanham este escrito, tomam, regularmente, umas doses da vacina contra o ortogravírus e retomam esporadicamente a grafia coerente, lógica e congruente de 1945.

Indo agora a outros factos, que agora não são fatos, como afirmou Pedro Santana Lopes, que, em nome do governo português, assinou o AO90, e a quem voltaremos num próximo escrito, vejamos como se escreve Egipto em diversas línguas: Egipte, em africâner e catalão; Eg-jipti, em albanês; Ägypten, em alemão e luxemburguês; Yegiptos, em arménio; Egipto, em basco e espanhol (castelha-no); Jehipiet, em bielorrusso; Egipat, em bósnio, croata e sérvio; Egipet, em búlgaro e macedónio; Ījipṭ, em cana-rim (língua falada na região indiana de Canará), malaiala (língua falada no Malabar, Ín-dia Ocidental) e telugo (língua usada no Sudeste da Índia); Egïpet, em cazaque; Ehipto, em cebuano (língua austro-nésia falada nas Filipinas; Ījiptuva, em cingalês (língua falada no Sri Lanca ou Sri Lanka); Ijibteu, em coreano; Egittu, em corso; Egypten, em dinamarquês e sueco; Egypt, em eslovaco, filipino, inglês, latim, norueguês e checo; Egipt, em esloveno, polaco e romeno; Egiptujo, em espe-ranto; Egiptus, em estónio; Egypti, em finlandês; Egypteem francês, frísio (ou frisão) e holandês; An Èiphit, em gaélico (língua céltica falada na alta Escócia e na Irlanda); Exipto, em galego; Eg v i p’t’e, em georgiano; Aígyptos, em grego; Ijipta, em guzerate (língua falada em Guzerate, estado da Índia), marata (lín-gua falada no Centro e Sul da Índia) e nepalês; Aikupita, em havaiano; Egyiptom, em húngaro, Ijipt, em igbo (língua falada no sudeste da Nigéria); Egipti, em iorubá, (língua fala-da na Nigéria, Benim e Togo); An Èigipt, em irlandês; Egypt-taland, em islandês; Egitto, em italiano; Ejiputo, em japonês; Ēģipte, em letão; Egiptas, em lituano; Ejipta, em malgaxe (língua falada em Madagás-car); L-Eġittu,em maltês; Ihi-pa, em maori (língua do povo com o mesmo nome, da Nova Zelândia); Yegipyet, em mon-gol; Igupto, em nianja (língua banta falada na zona do lago Niassa, no distrito de Tete, Moçambique); Yegipet, em russo, Aikupito, em samoano (língua falada no Arquipélago de Samoa, no Pacífico); Ege-peta, em sesoto (língua oficial da África do Sul e Lesoto); Xīyipt̒, em tailandês, Ekiptu, em tâmil (língua falada no Sul da Índia e no Norte e Oeste do Sri Lanca); Yehypet, em ucra-niano; Iphethe, em xosa, xos-sa ou xhosa (língua falada na província de Cabo Delgado,na África do Sul); Ijipita, em xona (língua falada nas províncias de Manica, Tete e Sofala, em Moçambique, na parte Norte do Zimbabué e no Leste da Zâmbia); Igibhithe, em zulu (língua falada na Zululândia, província da África do Sul).
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Sociedades secretas, negócios discretos

Não hostilizemos quem acredita piamente em que um dia, algures no futuro, o Sacavenense ganhará a Taça dos Campeões Europeus. E ainda, sobretudo, mantenhamos a compostura, admitamos que num outro dia um OVNI azul às riscas aterrará no aeroporto internacional de Portalegre e dele sairão, como turistas, uma data de Conguitos verdes paridos em Melmac.

Acreditar em tão profanos milagres é o mesmo que negar a existência de uma sociedade secreta (ou discreta), sem dúvida a mais perigosa de todas, perante cujo poderio é virtualmente impossível fazer seja o que for.

Esta terceira mas primordial seita, estranha simbiose das duas sociedades secretas oficiais (por assim dizer), é constituída por homens de negócios e por políticos (há diferença?), por regra membros de uma das outras duas confissões (ou de ambas, que também há disso), não têm aparentemente qualquer ligação entre si e não praticam rituais próprios de espécie alguma, ocupando-se exclusivamente da congeminação (entre os membros) de grandes negócios, desfalques faraónicos, tráfico de influências (e toda a sorte de outros tráficos), extorsão, lobbying, corrupção, especulação e manipulação de mercados. Etc. Absolutamente nada fica de fora ou está ao abrigo deste tipo de ganância, daquela patológica obsessão pela acumulação de riqueza.

A Maçonaria, cujos membros dizem de si mesmos ser “Pedreiros Livres” — que de pedreiros nada têm e de livres muito menos — e a Opus Dei (ou “Obra de Deus”, uma entidade abstracta que se rege pela lei da letra morta), constituem, pela junção das partes, um imenso grupo de pressão (política, de regime, autárquica, diplomática, empresarial) e constituem, cumulativamente, um conglomerado de interesses não apenas políticos como, ou principalmente, económicos. O aparente laicismo de uns e a religiosidade fingida de outros consistem basicamente (e comummente) na propagação de uma fé inabalável no dinheiro e na prossecução da sua crença no enriquecimento pelo enriquecimento. Para tal desiderato, no qual crêem cegamente, uns e outros socorrem-se de lacaios especializados para as tarefas mais sujas e plebeias, como lavar vestígios ou “abrir portas”, com tudo o que implicam os trabalhos de tais criados pagos à peça ou à ordem, em espécie ou numerário, por grosso ou por atacado.

É com incontornável solicitude que os sabujos, a mando de membros da seita de seitas. envergando a “libré” de “facilitadores” especializados, avançam amiúde com questões aparentemente menores. As trupes de auxiliares servem (na perfeição) os interesses da selecta alcateia de gananciosos patológicos e foi assim que, por exemplo, surgiu e medrou a chamada “questão ortográfica”, ou seja, o AO90.

Ignoremos, ao invés do habitual, as já muito badaladas teorias da conspiração que envolvem as duas sociedades secretas. No entanto, bem entendido, não apenas existem bastos sinais do envolvimento de qualquer delas (ou de ambas) em questões relacionadas com o idioma em particular e com o Ensino em geral, assim como parece evidente que ambas tiveram tudo a ver com a “adoção” da cacografia brasileira; os “irmãos” de ambas as famílias estiveram envolvidos e na dita questão continuam enterrados até ao pescoço; sabemos que assim terá sido e é, sim, mas também podemos estar certos de que jamais viremos a saber ao certo em que medida ocorreu tal envolvimento, quais dos “manos” (de toga ou de batina) estiveram envolvidos e o quê ou quanto, ao certo, isso implicou: não existe nas seitas, por definição e inerência, qualquer tipo de registo; não prestam contas de nada a ninguém, nem ao Fisco nem a quaisquer outras entidades do Estado (é óbvio, eles “são” o Estado); os membros gozam de total imunidade e outorgam a si mesmos o estatuto de total e absoluta impunidade.

À míngua de provas documentais de qualquer espécie, de muito pouco ou nada servirá especular sobre algum ascendente ou assacar-lhes a mais ínfima responsabilidade (claro, nunca foram eles, nunca fizeram nada, são só apreciadores de missinhas, mais nada). Não será, por conseguinte, com vãs (e ocas) polémicas sobre qual das seitas se superioriza moralmente à outra que será possível concluir, por exemplo, pobre analogia, que em Melmac não existe só o Alf. O conceito de moral (ou imoral) está a priori fora de cogitação, no caso vertente, pelo que a frivolidade da comparação é inútil.

Porém, sem teorias da conspiração ou sequer a mais subtil das conjecturas, ainda que, porque não há provas, não saibamos ao certo o que é a “fé” ou o que ali é feito, todos sabemos perfeitamente… o que é uma sociedade secreta, o que ali é feito, quem, quando, como e para quê. E sabemos isso de ciência exacta precisamente pelo mesmíssimo secretismo que define qualquer das irmandades: se são secretas, então têm algo a esconder.

São coisas que se explicam a si próprias e por si mesmas.

Desta premissa podemos nós ter a certeza. Uma certeza clara e limpa e luminosa — o oposto diametral da permanente obscuridade, a escuridão sepulcral da criminalidade ritual.

Frutas, legumes e sociedades secretas

Observador – observador.pt, 28.03.21

António Pedro Barreiro

Imagine-se que o Parlamento decidia aprovar uma nova regulação acerca da produção de legumes – não de frutas, mas apenas de legumes. Certamente, muito haveria a debater sobre uma proposta desta natureza. Seria pertinente? Que efeitos teria na produção agrícola? E que consequências produziria na dieta dos portugueses? Discussões fascinantes e necessárias. Mas, antes de todos esses debates, há uma questão prévia, que é a de perceber que coisa é essa que o legislador entende por legumes. O caso torna-se agudo quando chegamos, por exemplo, ao tomate, que muita gente acredita ser um legume, mas que a ciência sabe, para além de qualquer dúvida, tratar-se de uma fruta.

Eu posso ser o maior defensor da nova regulação sobre a produção de legumes. Mas não posso aceitar que, à boleia de uma lei sobre legumes, o legislador se sinta no direito de legislar sobre o tomate, porque o tomate não é um legume. Seria, aliás, especialmente perigoso que o legislador andasse a brincar com os equívocos e os preconceitos do senso comum, para convencer os portugueses de que o tomate é afinal um legume e deve, por isso, caber no objecto da nova legislação. A política é uma arte nobre de serviço público. Ou se faz com base na verdade – e a verdade, bem o sabemos, é a adequação das ideias à realidade das coisas – ou faz-se mal. E, quando se faz mal, faz mal ao povo.

Em Dezembro de 2019, o PAN propôs que os deputados pudessem, ao preencher o seu registo de interesses, declarar se pertencem a sociedades secretas – ou, como se tem dito, discretas. Dizia então o deputado André Silva que é “inconcebível que os titulares destes cargos continuem a não declarar a sua filiação em organizações marcadas por uma forte opacidade, por um grande secretismo e que apelam a fortes laços de hierarquia”. A proposta tem o seu cabimento, até porque existe o risco real de que algumas pessoas se sirvam das relações travadas no contexto da sociedade secreta para subir na vida à custa do tráfico de influências. Mas o problema, como sempre, está nos pormenores. É que, além da Maçonaria – que é, de facto, uma sociedade secreta, que se caracteriza pela opacidade, que se estrutura segundo relações hierárquicas muito fortes e que constitui, com efeito, um espaço onde o tráfico de influências é possível –, o PAN quis incluir no estatuto de sociedade secreta o Opus Dei, que não obedece a nenhuma dessas características.
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