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- «o idioma continua vivo e a evoluir»
- «património intangível»
- «ecologias endógenas e diaspóricas»
- «registos e padrões de linguagem que denunciam uma sub-língua»
- «“Através desta língua é possível descobrir aspectos inerentes à comunidade […] como, por exemplo, o seu próprio humor, a forma como se olha para as coisas da vida e o olhar crítico sobre as questões do seu dia a dia”»
- «[…] muitas pessoas esquecem-se que […] evoluiu em muitos sentidos, por exemplo em termos lexicais. Não se pode pensar que o […] que se utiliza agora […] é a mesma língua que se falava há 200 anos. Há outros elementos lexicais que foram importados […]”»
Como? Se isto é sobre a língua brasileira? Bom, não exactamente mas na verdade estes tópicos e as respectivas formulações poderiam perfeitamente referir-se a essa outra língua de raiz portuguesa. Aquilo de que aqui se fala é do Patuá macaense; no entanto, os conceitos linguísticos, históricos, sociológicos e culturais, atendidas as inerentes idiossincrasias e as devidas distâncias, são rigorosamente os mesmos. Como aliás não poderia deixar de ser, até porque os processos e pressupostos atinentes à criação e desenvolvimento de uma Língua, qualquer que seja, são (na família linguística do tronco indo-europeu) regulares e genericamente uniformes.
Condicionantes de toda a ordem, com a natural primazia das geográficas e das — consequentemente — sociológicas (variantes de isolamento e de coesão do grupo de indivíduos), determinam o maior ou menor afastamento de uma nova Língua em relação à matriz que lhe deu origem.
Enfim, tudo princípios basilares, coisinhas facilmente acessíveis para o mais coriáceo dos sapateiros, pelo que (com a agravante de me irritar solenemente o polvilhado de referências biográficas, além de não ter aqui à mão quem trate de me semear a “bibliografia” nos rascunhos) parece dispensável, porque redundante, continuar a bater no ceguinho.
Percebe-se a ideia muito mais claramente do que os planos para fabricar um avião em papel A4.
Além do Patuá (Papiamento), em Macau, existem inúmeros crioulos de base portuguesa, os nove de Cabo Verde (sendo um deles Língua nacional) e os da Guiné Bissau, de São Tomé (dois) e (do) Príncipe, de Casamansa (Senegal), de Ano-Bom (Guiné Equatorial), na ex-Índia Portuguesa (Goa, Damão e Diu), e ainda um pouco por toda a Ásia.
Como sabe o sapateiro anteriormente mencionado, bem como grande parte dos demais mal-vestidos que a intelligentia tuga evita prudentemente, com mal disfarçado horror, o Crioulo é uma Língua de base (lexical) portuguesa; nos casos deste caso, passe a redundância, resultam da fusão do Português enquanto língua-franca com o falar autóctone local; de forma abrangente, os crioulos integram as diversas variantes da ou das línguas das colónias e países que resultaram da Conferência de Berlim (1885) e de convulsões históricas subsequentes; autonomizando-se progressivamente, os diversos crioulos acabam fatalmente por reivindicar — pela sua própria natureza de património nacional intangível – o estatuto de Língua independente. Ao fim e ao cabo, um processo em tudo paralelo, similar e concomitante da própria independência política.
Nesta acepção, que muito pouco ou nada tem de objectável, o processo de autonomização linguística do Brasil, com 200 anos de atraso em relação à sua independência política, está já para além da simples crioulização. De Português, ao brasileiro pouco mais resta do que as raízes. Já é uma língua independente.
Ainda que dando trinta de anos de avanço à premissa, a língua do “gigante” brasileiro — que bem poderá servir como língua-franca nos 26 Estados daquela espécie de sub-continente – existe já hoje e que lhes faça muito bom proveito. Pódji fala i isscrêvê como quisé, cara, viu? Viva a língua Brasileira, morô?
Porém, contudo, no entanto, não obstante, cada um brinca c’a sua, salvo seja, valeu? Não tentem vossemecês passar o filme histórico de trás para a frente.
Portugal colonizou o Brasil e levou consigo o Português; não impôs a Língua, a Língua impôs-se por si mesma, naturalmente.
Não tentem agora vir pelo caminho das caravelas tentar colonizar Portugal ao contrário, trazendo sobranceria a tiracolo e fazendo estalar o chicote neo-colonialista, com a fraqueza do número que apenas impressiona distraídos, com a xenofobia que usam como arma de arremesso, com esse estranho ódio histórico de um passado mal resolvido, com a insuportável arrogância da soberba que vegeta na ignorância.
E não se esqueçam, se fizerem a fineza, de que mais tarde ou mais cedo a verdade faz como o azeite em água. É fatal como o destino.
Saúde.
Miguel de Senna Fernandes quer passar peças dos Dóci Papiaçam di Macau para livro
“Hoje Macau”, 29.04.21 – hojemacau.com.mo
Andreia Sofia Silva e Pedro Arede
Miguel de Senna Fernandes quer editar em livro as quase 30 peças levadas à cena pelos Dóci Papiaçam di Macau. Por ocasião da palestra online “Os Crioulos de Origem Portuguesa na Ásia”, o advogado afirmou que o idioma continua vivo e a evoluir, por exemplo, na forma de falar português dos macaenses. Os académicos Mário Pinharanda Nunes e Raúl Gaião apresentaram estudos sobre o crioulo e discorreram sobre a sua evolução
Miguel de Senna Fernandes, advogado e director do grupo teatral Dóci Papiaçam di Macau revelou ter planos para publicar em livro, pelo menos em patuá, português e chinês, os textos que estiveram na base das peças levadas à cena pelo grupo. O projecto, contou ao HM, está a ser delineado com a investigadora académica macaense, Elisabela Larrea.
“Ainda vou publicar as peças de teatro [em livro]. Já lá vão 28 ou 29 peças. Seriam vários volumes. Tenho um projecto pensado para isto com a Elisabela Larrea. É fundamental. O trabalho dos Dóci Papiaçám tem de ser convertido em obra escrita. Suspendemos este trabalho, mas temos mais ou menos uma ideia de como fazer a coisa. Não nos interessa ter um livro só em patuá, isso ninguém vai ler, mas, naturalmente, uma edição também em português e em chinês”, partilhou. O director dos Dóci Papiaçam vinca ainda que, por isso mesmo, “é muito importante definir bem uma estratégia”, considerando ser uma obra “sobre o património intangível de Macau”, que poderá ser apoiada pelo Instituto Cultural (IC)
As várias vidas do patuá
O Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM) realizou ontem a sessão “Os Crioulos de Origem Portuguesa na Ásia”. Contando com presença de vários linguistas e académicos especializados na área, a sessão abordou temáticas como as “ecologias endógenas e diaspóricas do patuá”, o português de Malaca e iniciativas de revitalização destes crioulos luso-asiáticos.
Miguel de Senna Fernandes, que também participou na sessão “Resgate do Patuá”, considera que, apesar de o idioma já não ter expressão prática, é necessário “olhar para o fenómeno linguístico do patuá de uma perspectiva actual e compreender o seu estado, onde é que se utiliza e porque é que se utiliza”. Isto porque continua a ser usado, de forma mais ou menos inconsciente, por muitos macaenses quando se exprimem em português.
“O patuá não morreu, há é várias formas de o falar. Muitos dos macaenses, quando se exprimem em português, falam a partir do patuá e, essa forma de falar e mesmo como constroem as frases, misturada com o português e o cantonês, por exemplo, tem muito de patuá. São registos e padrões de linguagem que denunciam uma sub-língua”, partilhou Miguel de Senna Fernandes, ainda antes do início da sessão de ontem.
Quando questionado sobre se é efectivamente possível resgatar o patuá, sublinha que um “resgate” não pode ser entendido com a finalidade de “pôr as pessoas a falar patuá outra vez”, pois é uma língua que já não tem razão prática para existir.
“As condições do aparecimento da língua já não existem. O patuá formou-se há mais de 200 anos, num contexto social muito próprio da altura. Hoje em dia, este contexto não existe e, se existisse, teria que ter características muito especial e uma função para que as pessoas voltassem a utilizar com frequência o patuá como veículo de comunicação”, acrescentou.
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