Mês: Maio 2021

Um realmente piqueno aborrecimento

Não é bem assim. Ou, em rigor, não é nada assim. Pelo menos no título da “notícia” há uma piquena truncagem.

Que se passe a ferro, salvo seja, a contestação desde (até antes de) 2010, isto é, apagando toda uma década com apenas um sopro, bem, ainda vá, de facto a ILC-AO foi entregue no Parlamento há “apenas” dois anos. De tudo o que antes dessa entrega se passou, da luta contra o AO90 iniciada nos trepidantes meses finais do já longínquo ano de 2008, do antes, do durante e dos entretantos sobeja com certeza alguma ponta solta mas o essencial está devida e claramente escarrapachado n’”Uma História (Muito) Mal Contada“. Acresce que, desde então e agora ainda, não apenas foi conservado o seu “sítio” original como está disponível a actual versão “online” da iniciativa cívica pela revogação da entrada em vigor do AO90.

Dois aninhos, portanto, levaram os “serviços” da Assembleia a “despachar” o assunto, com uma displicência assombrosa e, não desfazendo na igualmente parlamentar lata descomunal, um desprezo assinalável manifestado pelo sistema parlamentarista português para com a mais elementar das regras do regime democrático, isto é, para com a democracia propriamente dita. Desprezo esse que abarca não apenas o sistema político que a enforma mas também, ou principalmente, os votantes que a consagram, aquele povo que os deputados dizem representar e que através da cruzinha legitimam o funcionamento, as instituições e, em suma, toda a estrutura do próprio Estado. 

730 dias, contas redondas, uma bagatela, portanto, segundo o padrão de infindável arrastamento que é característica intrínseca de “nossos” 230 tribunos, para os quais uma piquena demora de dois anitos é coisa pouca (ou nenhuma), que jamais lhes tira o sono e não perturba nunca seu sagrado remanso, digo, ressonar. Em todo este tempo, sempre escudados num mutismo escandalosamente suspeito e deambulando no secretismo das negociatas e dos lobbyists, em plenos Passos Perdidos ou nos “clubs” privados das imediações, os eleitos da Nação apenas tiveram tempo para inventar “razões”, mentir descaradamente e perverter a própria figura legal (a Iniciativa Legislativa de Cidadãos) que eles mesmos criaram, enquanto “legislador”, mas que afinal jamais passou de figura de estilo “democrático”.

Tal e tão prolongada descanseira terá, nessa farsa teatral, obedecido obviamente não apenas a piquenas necessidades fisiológicas, uma das quais e a mais ingente será dormir, como também a outras urgências que realmente não devem ser lá muito piquenas ou no mínimo não serão realmente assim tão piquenas. Os negócios, pelo menos os estrangeiros, parecem estar rolando  sobre carris, não apenas em geral mas também em particular para alguns dos mais “empreendedores”, especialistas em “indústrias” várias, como a das “portas rotativas”, o fabrico de “factos”, a manufactura de vontades e “solidariedades”, transitários de turismos vários e geniais inventores de tudo quanto há, das “energias alternativas” aos “mercados” (da alta finança, isto é, da vigarice global), passando pelas tretas pacifistas (tráficos sortidos) e por outras fabulosamente imaginativas formas de enriquecer brutalmente à custa do povinho ignaro. Convenhamos que, no fim de contas, nunca antes tão poucos enganaram tanto e durante tanto tempo tanta gente.

Nesta abrangente (e horripilante) acepção, no âmbito da geral corrupção a chamada “questão linguística” (“adotar” o brasileiro como Língua nacional) será para alguns um pormenor. Não é. A História não é um pormenor.

Sucede que, portanto, segundo relata o serviço público de “télvisão” sobre o despacho de Ferro Rodrigues, ou a ILC-AO amocha “ou não há discussão“.

Bem, nada de novo, em especial porque nunca houve discussão alguma, estamos portanto habituados ao conceito de discussão inexistente ou de diálogo de surdos que geneticamente caracteriza a chamada “casa da democracia” de São Bento: a entrada em vigor do AO90 foi “aprovada” à sorrelfa, através da “Resolução da Assembleia da República” n.º 35/2008, uma golpada parlamentar tão obscenamente evidente que nem a uma ameba poderá passar despercebida.

A intenção era bem clara e os pressupostos regimentais pareciam ser sérios.

«No pressuposto de que as leis da República têm por finalidades a defesa dos interesses e a regulação das relações entre os cidadãos que são parte integrante e a própria razão de ser dessa mesma República, caberá a estes exercer os seus direitos de cidadania, nomeadamente através de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC), caso considerem que houve prejuízo para os seus interesses colectivos ou que foram afectadas as relações entre os indivíduos e/ou entre os grupos sociais.» [ILC AO90: revogação da RAR 35/2008 (Preâmbulo)]

Porém, por fim, depois de deixar arrastar infindavelmente o caso ao longo de meses a fio, a alguém lá na parlamentar barraca ocorreu passar uma cruz sobre o assunto e, sem bulir com as datas — que ficaram inalteradas, atarrachadas ao atraso deles que assim passa a ser culpa dos interessados — mandaram tecnicamente “arquivar” a ILC contra o AO90. E chiu, que os ilustres não têm vagar para se ralar com “minudências” nem pachorra para aturar poviléu.

Que ingenuidade, oh, deuses! Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa. Afinal tudo aquilo, qualquer ILC, a “ferramenta cívica”, a arma legislativa democrática ao dispor da “sociedade civil”, a partilha do poder legislativo (como o executivo, como o judicial) entre políticos e cidadãos, tudo mentira, tudo encenação, tudo uma farsa miserável.

“Poder soberano” significa muito mais do que uma simples tradução literal.

Grupo de cidadãos contesta há dois anos aprovação do Acordo Ortográfico

RTP Notícias – actualizado 5 Maio 2021
por Ana Isabel Costa

 

Continua a não ser consensual a aplicação do acordo ortográfico em Portugal. A aplicação do novo acordo ortográfico, está em vigor apenas em alguns dos países de Língua Oficial Portuguesa, onde se inclui Portugal. Um grupo de cidadãos nacionais contesta a aprovação do Acordo Ortográfico e apresentou um projecto de lei na Assembleia da República, há mais de dois anos.

Desde então a iniciativa pública para fazer marcha atrás no acordo não tem tido qualquer avanço.

Nuno Pacheco, um dos subscritores desta iniciativa de cidadãos explica que a alternativa proposta – petição – quase nunca tem efeitos práticos.

O jornalista também garante que este movimento não quer rasgar todo o acordo ortográfico, apesar de não concordarem com ele. Querem apenas eliminar a parte que permite que tenha as assinaturas de somente três países.

Do lado dos defensores deste acordo está Edite Estrela. A deputada do PS e antiga presidente da Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, que analisou o assunto e explicou à Antena 1 as vantagens que esta mudança implicou.

[Notícia RTP (sem imagens no original). Imagens de: parlamento.pt]

Estópi

«Mal muralhada e defendida, a língua deixa-se invadir por assassinos silenciosos, que, numa manobra de guerrilha, se dedicam à implantação de um dialecto semi-bárbaro.»

Exacto. O autor da frase, retirada de um texto publicado no DN, refere-se à língua brasileira. Certo?

Bem, não. Errado. É só mais um texto contra os estrangeirismos e com mais uma listinha de termos, “tipo” salada mista, baralhando deliberadamente contaminações do brasileiro e verdadeiros barbarismos, sejam estes de origem anglófona, francófona, “espanholófona”; parece, talvez derivado ao  tempo de “bazuca”, que andar numa fona a armar ao fino, catando até os estrangeirismos suecos, é mesmo o que está a dar.

No caso deste artigo, à mistura com a louvaminha habitual aos “extraordinários” brasileirismos e ao ainda mais persistente embasbacamento pelo “gigantismo” brasileiro (ah, e tal, 210 milhões, ah, que espanto), temos a já patológica mania das listinhas, ou seja, bocejantes  sequências de palavras a eito exemplificando isto, aquilo e aqueloutro, mai-lo diabo a quatro.

Os estrangeirismos são inevitáveis, pela sua tão estranha quanto absurda recorrência, seu uso e abuso sem qualquer conta, peso, medida ou critério? Sim, certamente, isso acontece. Até “estrangeirismos” incompreensíveis, segundo o estilo inconfundível do “Chef sueco”, há marretas que os usam julgando estar a falar “estrangeiro”.

São inevitavelmente ridículos, é verdade, variando a medida do ridículo na razão directa, isto é, quanto maior o número de ocorrências (e erros), maior o absurdo. Se bem que, pontualmente, possam também ser úteis e até, em alguns casos, insubstituíveis: experimente-se falar, por exemplo, de haute cuisine sem usar o Francês, de futebol (football), informática, Internet  ou rugby (pronunciado em Portugal como “reiguebi”) sem recorrer ao Inglês, de tauromaquia sem utilizar terminologia em Espanhol ou… de Fado, mesmo no Japão ou na Mongólia, sem usar a Língua Portuguesa. Os galicismos, os anglicismos, os espanholismos ou (principalmente, claro) os portuguesismos, nada disso é para deitar fora.

Já quanto à novilíngua apalhaçada que o AO90 implica, utilizando uma espécie de gatafunhos com a transcrição fonética brasileira (prônúncia cuuta, viu?), a história é completamente diferente. Uma coisa não tem absolutamente nada a ver com a outra.

Confundir exagero com destruição em massa, ridículo com extermínio ou meia dúzia de parvos com uma divisão de tropas de assalto é um “raciocínio” que em si mesmo transporta o agente patológico de que diz pretender livrar-se.

Rendidos às evidências

Pedro Fontes

 

Quarta-feira foi o dia mundial da Língua Portuguesa. E vale a pena assinalá-lo. Não para constatar que se escreve mal, como sempre se escreveu, mas para reparar na novidade de ninguém se importar com o que está mal escrito.

Com as redes sociais, a língua seguiu uma evolução curiosa. Por um lado, globaliza-se, confiscando expressões do inglês e de outras línguas dominantes. Por outro, sentimentaliza-se, preferindo palavras mais chamativas e sensacionais, extraídas de tradições orais mais maleáveis, como a do português do Brasil. Mal muralhada e defendida, a língua deixa-se invadir por assassinos silenciosos, que, numa manobra de guerrilha, se dedicam à implantação de um dialecto semi-bárbaro. E não são poucos.

Começamos pelo capitão da companhia anglófila: o verbo “escalar”. Num dicionário clássico, escalar significa galgar ou trepar, e ainda abrir, estripar e salgar um peixe. Na nova língua (e o “nova” usa-se com suspeição, como em “novos-ricos”), é sinónimo de “crescer rápida e progressivamente”. O capitão obteve a patente numa missão de alto risco, depois de se infiltrar num discurso de Estado a propósito de uma infecção viral. O resto da equipa, que também escalou, é composta por sicários da mesma ordem e quilate. Temos o “mandatório”, encarregado de tirar o pio ao “obrigatório” e ao “compulsivo”. “Parquear”, para tirar o lugar ao “estacionar”. “Aportar, que, além de parquear navios, é um rival pretensamente fino de “contribuir”. “Endereçar”, um verbo antes reservado a carteiros, escriturários, e namorados por correspondência, sequestrou o “abordar”, o “confrontar”, e o “lidar com”. E o comando “briefar” aguarda, camuflado, a sua estreia num relatório do Infarmed.

O grupo é maior do que se julga, e mais insidioso do que se imagina. Quando há dias ouvi comentar que alguém teria “comportamentos aditivos”, julguei que se tratava de um aficionado da matemática. Era afinal um toxicodependente, que se debatia com uma “adição”. Há depois uma beleza lepidóptera nestes neologismos, onde por pouco qualquer lagarta dá em borboleta. Semanas depois do drogado, falaram-me numa mulher “empóderada”. Confiante de que farejara vestígios etimológicos de “pó”, perguntei, com estudada perfídia, se a senhora sofria de comportamentos aditivos. Cá nada! A pequena dava formação em auto-ajuda. E tinha público. Perdão, “audiência”!

A escrita sensacional consegue ser ainda mais manhosa. Os infiltrados são expressões utilizadas por aproximação fonética, cujo sentido intuitivo substituiu o intelectual. Soam melhor assim. O chefe é o general “assertivo”, que agora se escreve “acertivo”, e mesmo quando não se escreve “acertivo” se usa no sentido de “acertado”, e não de “determinado” ou “categórico”. A correspondência agora “recepciona-se”. Quando nos ocorre estar ao corrente, estamos afinal “ocorrentes”, que é como fica alguém que visita o “Ocorrências da Madeira”. Os madeirenses têm um infiltrado de estimação: é o “genuíno”. Algures entre o “autêntico”, “verdadeiro”, ou “sincero”, genuíno significa uma coisa ser neutramente o que é. Por cá, porém genuíno é “benevolente”, “puro”; ou “cândido”, e significa uma coisa ser positivamente como deve ser. Mas o genuíno madeirense anda enganado. É que um defeito genuíno é muito pior do que um defeito envergonhado. Basta olhar para os genuínos burgessos, e ver como agem como superiores técnicos da demais burgessura, dando barraca de bom grado e até pretensiosamente. Nesses casos, a boa educação mandaria domesticar a genuinidade, optando antes por alguma discrição e reserva. Melhor do que ser burgesso, é ao menos fingir que não se é. “Genuíno” pode, pois, ser uma qualidade. Só não para toda a gente. Estou também convencido de que se julga que “chármoso” é diferente de charmoso, e quer dizer bonito. Mas fica para outro dia.

O Acordo Ortográfico não ajudou. Se o brasileiro é um português dilatado pelo sol (Eça), o Acordo Ortográfico é um brasileiro encolhido pela chuva. Num esforço integrativo simpático mas fútil, abastardou a escrita, e nada mais fez senão instalar praga de “cês”. Pelos “cês” que morreram, temos uma certa ternura. São como chapéus atirados a um bengaleiro que o AO aposentou. Convém é lembrar que nem todos chegaram a viver: “contrato” nunca foi “contracto”, “retrato” nunca foi “retracto”, e “quarteto” nunca foi “quartecto”. Assim foge o pé para o chinelo. Erudito, erudito, é queixar-se das palavras carequinhas, que continuam a precisar do seu chapéu de “cê”. Depois do AO, por exemplo, é impossível a uma senhora escrever, com correcção e seriedade, sobre os “tetos” de sua casa.

É tudo joio? Não, há algum triguinho. “Engajamento” por exemplo, é uma corruptela de engagement, e significa adesão, compromisso ou activação. Em condições normais, deveria ser fulminado. Excepcionalmente, é tolerável. Mas só na imprescindível premissa de derivar de “gajo”, e não da foleirice inglesa. Arrasta muitos gajos – e gajas – consigo? Parabéns. É um gajo engajador.

Carinho merece também a pérola “realizar”. Realizar, já se viu, é “aperceber-se”, ganhar noção de algo. Mas nenhum deles captura o dramatismo da descoberta de que a luz ao fundo do túnel se trata, afinal, do comboio da realidade. Há dias realizei, por exemplo, que o Marítimo podia descer de decisão. Mas já me tinha apercebido desde o Natal.

Entre o cómico e o caricato, há extravios que não merecem complacência. O mais irritante é talvez a “evidência”. Passou a ser preciso “indicar evidências”, ou produzir “evidência científica”. E é o mais irritante porque, além de combinar imperialismo do inglês com o colonialismo do brasileiro, é o mais paradoxal. Não só passou a significar outra coisa, como se transformou no oposto do que significava: o que não necessitava de prova transformou-se na prova necessária. Torna-se aos poucos possível afirmar o seguinte escândalo “o evidente dispensa a apresentação de evidências”.

Há quem conviva com estes mutantes sem comoção ou censura, como se fossem derivados criativos da revolução digital. Endereçam as evidências acertiva e empoderadamente, briefando a audiência engajada com o retracto por si apresentado, repleto de emojis como os egípcios.

Perguntam-me se também escrevo “Farmácia” com “PH”, como se fosse a mesma coisa. Convencem-se, e convencem-me, de que a ruína afinal sou eu. Antes assim. Phoda-se.

[Transcrição integral de artigo com o título “Rendidos às evidências”, da autoria de Pedro Fontes, publicado no “DN” em 09.05.21. Destaques, sublinhados e “links” meus. Imagem de topo de: “Razão Automóvel“.]

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Grau zero

«A palavra falada é um fenómeno natural; a palavra escrita é um fenómeno cultural. O homem natural não pode viver perfeitamente sem ler nem escrever. Não o pode o homem a que chamamos civilizado: por isso, como disse, a palavra escrita é um fenómeno cultural, não da natureza mas da civilização, da qual a cultura é a essência e o esteio.» [Fernando Pessoa]

Ainda a respeito do programa da RTP sobre a língua brasileira, essa encenação de ASS que não motiva o respeitável público a ovacionar ou sequer a aplaudir com dois dedos, indolente e sonolentamente, temos aqui em baixo a reprodução de mais um texto sobre a data comemorada em geral e o programa televisivo que a festejou em particular.

Não foi exactamente uma festa, em resumo. Aliás, a julgar pelo ar fúnebre dos convidados, aquilo mais parecia um velório ou, se tal é possível, algo tão solene e  tétrico, sinistro, deprimente, como exéquias em câmara ardente, em sentido literal.

Este artigo do “Público” faz o relato conciso da cerimónia, identificando e apresentando — coisa que eu próprio não fiz num dos últimos “posts” — quem estava lá, que velinhas acendeu e que asneiras disse. Entenda-se aqui “asneiras” na acepção de inválidas por omissão sistemática (o que diabo fez, escreveu ou sequer disse essa gente antes contra o AO90?) e também porque afirmações avulsas, esporádicas e inconsequentes (como é o caso) denunciam por regra total indiferença e, por inerência, são “razões” asininas que apenas dependem de circunstâncias, produtos e “figuras” a compor, a adular e, numa palavra, a vender.

“Pormenores técnicos” como o «carácter normativo da ortografia», por exemplo, ou mentiras descaradas como referir a “necessidade” de “eliminar” as consoantes “mudas” porque “atrapalham”, por exemplo, são afirmações que não valem nem 0,0001% de qualquer edição microscópica no Brasil, esse país que para os acordistas e os “neutrais” é um fascinante colosso.

De resto, é dizer que sim, mas não, ou que talvez, quem sabe.

Ou seja, em duas linhas que se entrecruzam, os “não” e os “nim”, “opiniões” colossalmente estúpidas e tibieza militante que valem, ambas, “um pouco” mais do que menos um: zero.

 

 

Como num programa de televisão se demonstrou que o Acordo Ortográfico não era necessário

| Opinião – www.publico.pt, 11 de Maio de 2021

Maria do Carmo Vieira

 

Não pedimos, não queremos e não precisamos do Acordo Ortográfico.
A. E. [*], Apologia do Desacordo Ortográfico, 2010

A ortografia é um fenómeno da cultura, e portanto um fenómeno espiritual. O Estado nada tem com o espírito. O Estado não tem direito a compelir-me, em matéria estranha ao Estado, a escrever numa ortografia que repugno (…).
Fernando Pessoa, A Língua Portuguesa, edição Luísa Medeiros, 1997​

 

O programa “É ou Não É?”, de dia 4 de Maio p.p., na RTP 1, moderado pelo jornalista Carlos Daniel, elucida flagrantemente as epígrafes escolhidas. Aliás, o que li e ouvi, em relação a intervenções, sobretudo no dia 5 de Maio, juntando os gurus oficiais do momento festivo, constitui um manancial de matéria que expõe, sem pejo, contradições, servilismo, arrogância intelectual, culto da ignorância, e porque não dizê-lo, estupidez, implicando lamentavelmente a Língua Portuguesa e a vil roupagem com que a mascararam, ridicularizando-a. Os versos do poeta Luís de Camões, que Augusto Santos Silva não aceita como figura para identificar e representar a Língua Portuguesa, traduzem bem a “surdez” e o “endurecimento” de uma “pátria” que não louva e favorece “o engenho”, mas “que está metida/ no gosto da cobiça e na rudeza/ de uma austera, apagada e vil tristeza” (Canto X de Os Lusíadas). Uma consciência reiterada, ao longo dos séculos, por muitos outros escritores e poetas – António Ferreira, Francisco Rodrigues Lobo, Francisco Manuel de Melo, António Vieira, Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner Andresen, Vasco Graça Moura

Se dúvidas houvesse sobre o facto de os cidadãos não encontrarem razão para o Acordo Ortográfico (AO) que foi decretado à sua revelia e, no caso português, contra todos os pareceres solicitados pelo Instituto Camões e estrategicamente escondidos do público, o programa da RTP 1, acima referido, demonstrou-o ao vivo: um moçambicano (Stewart Sukuma), um brasileiro (Arthur Dapieve) e um português (António Zambujo). Nenhum deles pensou alguma vez que esse acordo pudesse vir a acontecer, nem vislumbrou qualquer vantagem daí adveniente, muito pelo contrário. Eis as suas palavras: Stewart Sukuma – “O Acordo Ortográfico foi mais usado a nível político e económico, mais do que a nível cultural. Os artistas acham mais piada continuar a cantar no seu português criado por via destes casamentos todos que existem. (…) é isto que faz a língua mais bonita. Pelo que sei, Moçambique nunca seguiu à risca o AO. (…) Não sentimos o Acordo em Moçambique”; Arthur Dapieve – “Esse Acordo Ortográfico nasceu um pouco de uma tentativa de uma certa utopia de que se a gente escrevesse tudo exactamente da mesma maneira, nós nos tornaríamos mais próximos. Nesse sentido, ele fracassou. A riqueza da língua portuguesa é a variedade de falares. Não era necessário.”; António Zambujo – “Exactamente o que ele disse. Subscrevo o que disse o Arthur. Não era necessário.” Naturalmente, não incluí, neste painel a três, os convidados que, directa ou indirectamente, representavam uma posição acordista ou não-acordista.

Situação confrangedora, e que elucidou igualmente em flagrante o porquê do caos linguístico instalado na escola e na sociedade portuguesas, após a imposição do AO, foi a da jornalista, professora e escritora Isabela Figueiredo. Efectivamente, ao afirmar, com uma surpreendente leveza, que usava uma “ortografia mista”, escrevendo à sua maneira (omissão das consoantes mudas, mas manutenção dos acentos) e deixando aos revisores a tarefa da uniformização, Isabela Figueiredo apontou a razão do caos que grassa na sociedade portuguesa, com cada um escrevendo à sua maneira; fez também, e infantilmente, papel de ignorante porque não se acredita que desconheça o carácter normativo da ortografia, que a sua “ortografia mista” põe em causa, bem como a estabilidade que aquela exige. Do alto do pedestal instável em que se posicionou, ao longo do debate, confessou ainda Isabela Figueiredo, com a mesma euforia e no final do debate: “Sempre senti ao longo da minha vida de estudante a necessidade de eliminar as consoantes mudas e o acordo ortográfico veio satisfazer este meu grande desejo de as assassinar, de as fazer desaparecer.”
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“Avisos sobre o futuro”

http://pgl.gal/xxii-coloquio-da-lusofonia-decorrera-em-setembro-em-seia/Surpresa nenhuma. Exactamente como era previsível e foi aqui previsto… há apenas alguns dias.

Cá está, exposto com razoável soma de pormenores, o plano oficial de brasileirização de Macau. Tudo, como de costume, pago pelo prestimoso Estado português, sempre pronto a liquidar os calotes que o Brasil manda “para o tecto”, à conta da sua genial manobra de apoderamento das outras ex-colónias portuguesas e, evidentemente, do saque selvático das respectivas riquezas naturais e das posições estratégicas privilegiadas que os territórios outrora portugueses ocupam em África e na Ásia.

Deste conteúdo programático, facilmente descodificável, dado o inacreditável descaramento dos sabujos tugas, destacam-se os “investimentos” que Portugal semeia por todo o lado para que nada falte aos brasileiros na sua sanha neo-colonialista, xenófoba e lusofóbica — “modernidade” da qual os mais entusiastas são os próprios burocratas, vendidos portugueses envolvidos na tramóia.

Não devendo ser necessário “traduzir” exaustivamente o arrazoado bacoco do “documento“, até porque as pessoas também sabem ler e algumas delas ainda são capazes de raciocinar, fiquemo-nos apenas por algumas pontas soltas, pistas (à mistura com alguns lapsus linguae) que nos conduzem invariavelmente à revelação da podridão infecta que desde o início pariu o AO90 e hoje em dia está a contaminar o ambiente, sob o pretexto político da CPLP e a coberto da gigantesca patranha a que se convencionou chamar “lusofonia”.

Assim, temos no artigo em causa (por exemplo) constantes e reiteradas referências ao “valor económico” da língua; expressões como «as autoridades de Macau estão a fazer um ‘investimento notável’ no seu ensino» ou «numa dimensão pragmática ligada à economia» ou ainda «coisas a valorizar, esperando que os apoios oficiais ao idioma continuem» e desembocando a treta programática em «com a intenção de fazerem investimentos exteriores», bem, mais claro do que isto seria virtualmente impossível. É certo que o dinheiro não tem cor (nem Pátria nem História e muito menos Língua), mas não deixa de ser horripilante, porque demasiadamente obsceno, semelhante despudor.

Do que se trata, mais uma vez se repete, é, por um lado, de o Brasil “empochar” Macau e assim meter um pé na mais pujante super-potência económica mundial, procedendo a esta torção política, de forma enviesada, sempre mentindo alarvemente, enquanto, por outro lado, ataca literalmente o nosso legado histórico em Angola (para abarbatar o petróleo e  os diamantes), em Moçambique (idem, pedras preciosas e gás natural) e em Timor-Leste (petróleo); São Tomé, Cabo Verde e Guiné-Bissau não entram nesta “estratégia” empresarial, não possuem quaisquer riquezas naturais mas são de extrema utilidade para assinar papéis; papéis como o AO90, está claro, foi com dois deles que o Brasil e os sicários portugueses “assinaram” o II Protocolo, tornando o brasileiro “universáu” na língua oficial das 7 antigas colónias portuguesas — as mesmas que estão agora em acelerado processo de anexação pelo Brasil.

 

Língua Portuguesa | Do “investimento notável” aos avisos sobre o futuro

“Hoje Macau” – hojemacau.com.mo

Celebra-se hoje o Dia Mundial da Língua Portuguesa e, em Macau, vários especialistas afirmam que o idioma está de pedra e cal no território, tanto ao nível do ensino como dos apoios institucionais. No entanto, deixam avisos e apontam falhas: há uma necessidade de mudança e de reinvenção, pois a China pode tornar-se auto-suficiente no ensino e investigação da língua dentro de poucos anos. Rui Rocha diz que não há uma política linguística efectiva

 

O Dia Mundial da Língua Portuguesa, celebrado hoje, constitui o mote para se traçar um retrato do estado do idioma em Macau, onde o português é língua oficial até 2049. Em declarações à agência Lusa, o director do Instituto Português do Oriente (IPOR) defendeu que as autoridades de Macau estão a fazer um “investimento notável” no seu ensino.

“Por parte da Direcção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude [DSEDJ] está a ser feito um investimento notável. E se olharmos especificamente para o trabalho do Centro de Difusão de Línguas [CDL] da DSEDJ, acho que esse trabalho está a ser desenvolvido não só em quantidade, mas também em qualidade”, sustentou Joaquim Coelho Ramos.

“Não só o ensino da língua portuguesa em escolas oficiais e particulares do ensino não superior tem vindo a crescer, mas também em qualidade, e tem sido colocada à disposição das escolas actividades complementares que ajudam este processo de ensino de aprendizagem”, sublinhou.

A justificação pode estar no papel que Pequim atribuiu ao antigo território administrado por Portugal até 1999, para se assumir como plataforma para a cooperação comercial entre a China e os países lusófonos e como base de formação de quadros qualificados bilingues em chinês e português.

O director do IPOR salientou que “isso pode estar ligado ao desenvolvimento da visão da língua portuguesa como língua global e do interesse que existe, prático, do trabalho, através da língua portuguesa, de colaboração, cooperação com os países que a têm como língua oficial”.

O interesse tem-se traduzido no acréscimo de solicitações junto do IPOR, acrescentou Joaquim Coelho Ramos: “Também notamos algumas instituições que vêm pedindo ao IPOR cursos de formação em língua portuguesa para os seus funcionários, com a intenção de melhor servir a população que fala português, mas também com a intenção de fazerem investimentos exteriores”.

Ou seja, concluiu, “quer numa dimensão lúdica, quer numa dimensão pedagógica, quer numa dimensão pragmática ligada à economia, (…) há um desenvolvimento muito sério e muito bem feito, estrategicamente bem orientado para a língua portuguesa aqui [em Macau]”.

No último ano lectivo, o curso de português realizado pelas escolas públicas subordinadas à DSEDJ contabilizava um total de 136 turmas, com 2.409 estudantes, e 27 turmas de actividades extracurriculares, com 429 alunos participantes, segundo dados oficiais.

Também em 2019/2020, um total de 43 escolas particulares leccionaram o curso de português, que envolveu 5.591 alunos. Desde 2007 que a mesma entidade encarregou a Escola Portuguesa de Macau (EPM) de promover o curso intensivo de língua portuguesa, em horário após as aulas, para estudantes, com a DSEDJ a proporcionar ainda, gratuitamente, às escolas primárias e secundárias, uma plataforma de leitura ‘online’ de português.

Isto além da atribuição de bolsas extraordinárias dedicada a formar quadros qualificados em cursos nas áreas de língua portuguesa ou tradução chinês-português, bem como para apoiar licenciaturas em Portugal frequentadas por residentes de Macau.

Ainda no último ano, segundo a DSEDJ, 4.598 residentes foram subsidiados para participarem em cursos de português. Instituições como o Instituto Politécnico de Macau têm desenvolvido parcerias com universidades de países lusófonos na formação de docentes, intercâmbio de alunos e cooperação nos cursos de pós-graduação.

Em declarações à Lusa, no final de 2020, o novo coordenador do Centro Internacional Português de Formação do IPM, Joaquim Ramos de Carvalho, assumiu a existência de um caderno de encargos para responder a crescentes exigências que vão da integração na China à criação de redes sino-lusófonas e de cooperação internacional.
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“Uma doença cultural”

Praça do Império

 

De facto. O brasileirismo parolo, ou o brasileirismo tout court, sem adjectivação, é uma “doença cultural”. E dessa maleita, disfarçada de “reforma” ortográfica e com andrajos de “acordo”, que resulta da indigência mental de alguns políticos, o que resta afinal é um concerto ao desafio entre vigaristas e ladrões que à desgarrada se esganiçam a tentar explicar o inexplicável e justificar o injustificável.

Para a já larga massa de tugas deslumbrados pelo “gigantismo” do Brasil, os admiradores — tão indefectíveis quanto feroz e alegremente ignorantes — de um putativo Império do qual iriam apanhar as sobras, o que importa é debitar suas inanidades, seja como for, por qualquer meio, tentando abalar ou ao menos bulir com a firme determinação das pessoas normais que, por definição e inerência, combatem a cacografia, o neo-imperialismo latente, o conceito brasileiro de lusofonia (isto é, o expansionismo político-económico zuca) e o supino desprezo de muitos brasileiros por tudo aquilo que cheire a português.

Será bom, por conseguinte, ao menos por um módico de decência e um mínimo de respeito — por eles, porque por nós isso parece ser impossível –, que o Brasil institua de uma vez por todas a sua própria Língua nacional.

Nestes tempos de pandemia, por maioria de razões, ao menos que tenhamos de ambos os lados do Atlântico aprendido que a contaminação — logo, a violência e a virulência da doença — varia na razão directa dos elementos envolvidos, em contacto, e na inversa das medidas de prudência e de racionalidade tomadas de forma transparente e racional. Não se trata de confinamento, e muito menos de isolamento, é tudo uma questão de bom-senso.

O primado da razão está hoje mais vivo do que nunca; não se extinguiu no século XVIII nem ardeu numa qualquer prateleira de museu. 

Viva a língua brasileira!

Viva a Língua Portuguesa!

 

Lusofonia, adeus!

 

Olá, meu nome é Sérgio e eu já acreditei no mito da lusofonia. Embaraçoso, eu sei. Defendia o acordo ortográfico e tudo. Essas coisas costumam ter raízes fundas na história da gente.

Lembro que lia Fernando Pessoa e sentia que o sujeito, além de frequentar o café A Brasileira no Chiado (onde ainda se encontra em forma de estátua), poderia ter tido um heterônimo brasileiro se quisesse.

Era tão grande minha identificação que, ao publicar em 2016 o livro “Viva a Língua Brasileira!”, usei o homem para me declarar contrário à ideia do português brasileiro como idioma autônomo – ideia amparada por um caminhão de argumentos linguísticos, à espera apenas de uma decisão política.

A defesa que o livro faz da língua falada aqui é cada dia mais atual, mas já não creio na miragem de uma comunidade internacional em que nossas diferenças fossem encaradas como riqueza e não como defeitos.

Eu via beleza naquilo. Pregava uma língua brasileira “sem submissão ao jeito lusitano, mas ao mesmo tempo sem esperneios de independência que pudessem transformar (que horror!) a poesia de Fernando Pessoa em terra estrangeira”.
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