Um Povo Resignado e Dois Partidos sem Ideias
Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. [.]
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.
Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar. [Guerra Junqueiro, in ‘Pátria (1896)’] [“Citador”]
Pelo menos no que diz respeito ao “acordo ortográfico”, os dois partidos políticos do “centrão”, o PS e o PSD, são exactamente a mesma coisa; uma coisa esponjosa, para não dizer viscosa, sem a mais remota diferença, sem absolutamente nada que os distinga; de Cavaco Silva (PSD) a Sócrates (PS), o pai da criança e a sopeira da criança (sopeira essa das especializadas em roubar o patrão), passando pelos mais diversos e sinistros elementos da seita acordista (gente do calibre de um tal Nuno Artur Silva, por exemplo, ou do próprio Presidente da República), todos eles estão enterrados até muito acima do pescoço no atoleiro imundo baptizado como AO90 e na forma enviesada como foram aprovadas e decorreram as cerimónias baptismais do horripilante pimpolho.
Pois é precisamente um desses partidos gémeos, espécie de Dupond e Dupont em versão Bela Lugosi, que aparece agora brandindo uma revisão da Constituição da República, tremenda novidade, mas enxertando nela a seguinte bambochata lapidar: “adaptar o texto ao novo Acordo Ortográfico”. Evidentemente, como de costume, nesta matéria está mais do que garantida a aprovação por esmagadora maioria absoluta: 206 “votos” a favor, contando com o penduricalho BE, num total de 230 “deputados”.
Como sabe qualquer pessoa com algum tino, em política nada é o que parece. Parafraseando Sun Tzu, não é preciso ter os olhos abertos para ver o sol, nem é preciso ter ouvidos afiados para ouvir o trovão; para ser vitorioso é preciso ver o invisível. E daí o horror, o terror, a aversão que sentem alguns políticos quando algo lhes “cheira” à nudez forte da verdade; preferem, é claro, porque nisso são especialistas (se bem que boçais e ignorantes), o manto diáfano da fantasia.
Daí também, por consequência, o seu encarniçamento contra a verdade e contra quem se atrever a sequer abrir a boca para estilhaçar as suas “narrativas”. Pois bem, senhores tribunos da bravata, cavalheiros e convivas de jantaradas de negócios, a verdade não é negociável. Utilizando as sábias palavras de Mohandas Gandhi, mesmo que sejas uma minoria de um, a verdade será sempre a verdade.
Esta “revisão” da Constituição visa deixar Portugal ainda mais sozinho na “adoção” da cacografia brasileira e, por via do estropiamento da nossa lei fundamental, destina-se a amealhar as sobras que o Itamaraty venha a entender por bem dar de esmola aos seus delegados na “terrinha”.
“ECO”, 9 Julho 2021
Tiago Varzim
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O PSD apresentou esta sexta-feira a sua proposta de revisão constitucional com uma série de alterações. Entre elas está a redução do número de deputados e o aumento do período das legislaturas.
Rui Rio anunciou esta sexta-feira uma proposta de revisão constitucional e as mudanças são muitas, da organização económica à política, aos direitos fundamentais e ao funcionamento da democracia portuguesa. O PSD propõe uma redução de pelo menos 15 deputados e um aumento do período de cada legislatura de quatro para cinco anos.
Esta proposta de revisão constitucional apresentada esta sexta-feira será entregue na mesa da Assembleia da República (AR) no início da próxima sessão legislativa, em Setembro. Na conferência de imprensa, o líder do PSD apelou ao PS para ter uma atitude reformista e deixar de ser um “partido que é ele próprio o sistema”: “Deve haver uma negociação com o Partido Socialista e bem“, disse, explicando que só há alteração à Constituição com dois terços dos votos na AR.
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A proposta dos social-democratas dá uma série de novos poderes ao Presidente da República, além de aumentar os seus mandatos dos actuais cinco para os seis anos (mantendo o limite de dois mandatos). O chefe de Estado passaria a nomear o governador do Banco de Portugal — uma mudança há muito discutida –, assim como os presidentes das entidades reguladoras como a ERC, ERSE, entre outras. O Presidente teria ainda de nomear membros do Conselho Superior do Ministério Público e dois dos membros do Tribunal Constitucional, reduzindo a “partidarização” do TC uma vez que é o Parlamento que os elege, notou Rio.
O PSD pretende também que os referendos possam coincidir com outro acto eleitoral e que se elimine a participação mínima de metade dos eleitores recenseados para que o referendo tenha um efeito vinculativo.
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O PSD pretende também adaptar o texto constitucional para o “modernizar” e “simplificar”, relatou Paulo Mota Pinto, também presente na conferência de imprensa, afirmando que esta proposta mostra o carácter “reformista” do partido. O número de artigos da CRP passaria de 296 para 267, uma redução de 10%, e seria eliminada a linguagem constitucional “ainda com marcas ideológicas desactualizadas”.
Além disso, o texto seria adaptado ao novo Acordo Ortográfico e seria utilizada uma terminologia mais inclusiva. Por exemplo, a expressão “direitos do Homem” seria substituída por “direitos humanos”.
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[Extractos (transcrição parcial) de notícia do jornal online “ECO” publicada em 9 Julho 2021. Corrigi a cacografia brasileira do original. Destaques, sublinhados e “links” meus. Imagem/citação de topo de: “quotefancy“. Imagem/citação de rodapé de: “Thrive Movement” (página Facebook).]
Artigo 9.º (Tarefas fundamentais do Estado) |
São tarefas fundamentais do Estado: a) Garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam; b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático; c) Defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais; d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais; e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território; f) Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa; g) Promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, designadamente, o carácter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira; h) Promover a igualdade entre homens e mulheres. |