Mas ali, nas minhas mãos, estava algo que desapareceu e que faz toda a diferença. Confere humanidade, sentido e tempo ao que se escreve: a caligrafia. Não falo de grafologias ou outras “logias” que por mim fecharia de vez. É porque acho que a nossa letra também é parte do que somos. E essa a tragédia, amigos: já não me lembro como escrevo. Algo do que me é único e transmissível está em vias de se afogar no mar destes tempos. Não me posso queixar: a culpa é minha porque sem querer me rendi à forma anónima e instantânea como comunicamos hoje uns com os outros. [Nuno Miguel Guedes, 18.11.20]
caligrafiacaligrafia | n. f. “caligrafia”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/caligrafia [consultado em 10-07-2021]. |
São coisas diferentes, como é óbvio, mas na verdade a caligrafia actual tem tudo a ver com a medieval arte da iluminura; aliás, uma e outra são de certa forma uma relação directa de causa e efeito, já que a iluminura era, antes de Johannes Gutenberg, por regra, a primeira letra capitular de um códice; ou seja, o texto copiado à mão nos livros em pergaminho antes da invenção da prensa de tipos móveis, a impressão em papel.
Mas, ainda que sem esquecer a beleza da iluminura (de “lume” e de “luz”), aquilo de que agora falamos é de caligrafia — também ela uma arte, se levada a um extremo de elaboração e classe, que mesmo na sua forma mais básica foi tragada pela voragem consumista e devorada pela sofreguidão do tempo. Praticamente aniquilada pela ditadura do imediatismo, sobrevivem ainda hoje alguns destroços de caligrafia (sob a forma de “escrita de médico”, por exemplo), mas parece ser irrevogável a sua extinção radical num futuro já não muito distante.
Estranhamente — ou talvez não –, nada a substituiu. O sistema de Ensino, ao qual em princípio compete zelar pela transmissão de conhecimentos às gerações que se sucedem, sempre tão entretido a inventar brincadeiras para entreter os meninos e a tornar obrigatórias outras brincadeiras para entreter os adultos (a TLEBS, entre outras imbecilidades), jamais se preocupou (“nem um bocadinho”, para usar uma medida de imbecilómetro) com essa “minudência”; para as entidades oficiais, coadjuvadas por uma seita gigantesca de cabeças-de-vento, saber escrever à mão — que é (“só”) um factor neurológico determinante na aprendizagem, como se explica em neurolinguística, essa bizarria — não tem o mínimo interesse, até porque estudar a matéria dá trabalho, e portanto o que é preciso é que os alunos tenham imensos Magalhães (o computador socretino, que o Fernão ninguém conhece) e que “aprendam” a “divertir-se”, num ambiente pedagógico lúdico e jamais ralando-se com coisa alguma ou ter gosto no que fazem além de jogar futebol. Em suma: a “escrita” foi prescrita sem necessidade sequer de uma lei ou ordem para tal, tendo bastado para o efeito um chorrilho de contradições nos termos, oximoros vagamente hilariantes e umas quantas patacoadas pseudo-pedagógicas “muito giras”.
Porém, quando chegar o dia em que será necessário reconstruir a Língua Portuguesa, após a demolição operada pelo camartelo acordista (da marca AO90), as mesmas entidades não terão outro remédio senão recuperar as verdadeiras ferramentas pedagógicas que já deram sobejas provas de eficácia no passado e que, apesar de toda a evolução tecnológica, continuam a singrar proficuamente nos sistemas de Ensino dos países aos quais jamais ocorreu “modernizar” e tornar “mais fácil” a ortografia em Inglês, Francês, Japonês, Mandarim, Coreano, Árabe e outros “atrasadinhos” do género. Uns quantos por cá e outros tantos no Brasil, “iluminados” de dois países que são portentos de “modernidade” e de “progresso”, eles, sim, eles é que são muito espertinhos e portanto, ao contrário dos “atrasadinhos”, aos moderninhos ocorreu aniquilar a ortografia — o que implicará necessariamente, quando as pessoas normais se aperceberem da aldrabice, voltar a uma norma racional, estável e exequível.
Assim, além de usar, por exemplo, concursos de ortografia (spelling bee) como técnica pedagógica, também a reintrodução da caligrafia no sistema de Ensino português poderia tornar-se num poderosíssimo auxiliar no processo de ensino/aprendizagem. Tratar-se-ia apenas de aproveitar o instinto competitivo, tão próprio da natureza humana, e o orgulho pelas próprias realizações, outra tendência inata, como métodos pedagógicos veiculados, respectivamente, pela ortografia e pela caligrafia.
Recomeçar pela base, enfim; pelas fundações, como as catedrais. Assim como sucede a qualquer criança que o primeiro dia de escola ficará na sua memória para sempre, também as “primeiras letras” — e a forma como são apresentadas aos alunos, com mais ou com menos cerimónia, como se fossem pessoas e não simples caracteres — terão desde logo um capítulo reservado na história de cada qual.
E todos eles, alunos e caracteres, fazem parte do livro de História de Portugal, o que fala de todos nós.
A sua caligrafia contém um pouco de si, expressa o que tem a dizer e demonstra a sua criatividade.
Com as novas tecnologias, a arte de uma bela letra manuscrita perdeu-se. Já ninguém escreve cartas de amor à mão. Já não se passam bilhetinhos de mão em mão na sala de aulas. Para quê escrever à mão se há tantos emojis que se podem usar?
Mas a caligrafia é uma arte que se pode dominar, como o mostra Abbey Sy e os quatro artistas internacionais — João Neves, Lisa Lorek, GooglyGooeys e MeaganHyland — que convidou a participarem neste livro. Juntos, criaram novos estilos de letras, mostrando como as desenhar e usar numa variedade de línguas e situações.
Vai encontrar letras para todos os gostos e com estilos diversos — coloridas, a preto e branco, clássicas ou simplesmente divertidas — e ideias para transformar até a mais aborrecida das frases numa obra de arte.
Seja criativo com as 26 letras do alfabeto!
[FNAC]