Mês: Setembro 2021

Margarita no sofá

Sofá… de psiquiatra, não de psicólogo. Evidentemente, confundir um cientista profissional com um amador de coisinhas esotéricas é algo parvo; o psiquiatra está para o psicólogo assim como CR7 está para um apanha-bolas: até pode suceder que, por excepção extraordinária, algum dos garotos que vão buscar o esférico às bancadas chegue a profissional, mas até lá ainda vai ter de comer muita relva. Bem, adiante, não nos emaranhemos em trapalhadas sobre estofos.

Se bem que, na verdade, também seja uma questão de estofo, isto é, de tê-lo ou não tê-lo, aquilo de que se trata no conteúdo deste textículo, da autoria de uma pessoa que até nem ganha nada à conta do AO90 e que até nem interesse nenhum em continuar a ter emprego por via do estropício, é tentar convencer as pessoas normais de que estão a precisar da “ajuda” de um profissional, ou seja, que os anti-acordistas estão contra o dito porque… são uma cambada de destrambelhados. Gente avariada da caixa dos martelos, por conseguinte, o que contrasta, na nada douta opinião da senhora, com o perfil de urbanidade e fino gosto que atribui por inerência (e mandato divino) a acordistas como ela e outros desequilibrados em geral.

Esta técnica de intoxicação política e de silenciamento da dissidência, gravando na testa de qualquer renitente o rótulo de “louco”, era o método privilegiado de aniquilação da dissidência em prática na ex-União Soviética, por exemplo. Citando, também por exemplo, o “opinion maker” e comentador Pacheco Pereira: «A dissidência era considerada uma doença mental no período de Brejnev e este argumento soviético é hoje muito usado no mundo do ataque pessoal da direita radical [“Público”, 19.06.21]

O artigalho agora transcrito (conservei nesta transcrição a cacografia brasileira do original, para não amenizar de forma alguma o nojo que provocam as baboseiras tresloucadas da amanuense acordista) é uma retumbante demonstração de que a técnica soviética (e chinesa e fascista e nazi) do silenciamento pelo “internamento” existe ainda, está pujante em algumas cabecinhas — de extrema-direita ou de extrema-esquerda, por igual — para as quais os motivos são sempre uma maçada, as razões um sacrifício intolerável, a verdade algo de odioso e sumamente insuportável.

À laia de troca de cumprimentos, devolvo a “recomendação”: esta fulana deveria procurar ajuda especializada, pois sim, ela sim, mas que ao menos nisso se abstenha do amadorismo a que está obviamente agarrada. Consulte um psiquiatra a sério, não um psicólogo a brincar. O seu caso é sério, qualquer leigo em matéria de medicina psiquiátrica poderá constatar (e até diagnosticar) facilmente o que se passa consigo.

Basta ler algumas frases suas, alucinações como esta: 《se querem “combater” a “invasão” do português do Brasil, produzam conteúdos atractivos e de qualidade em português de Portugal》.

Portanto, admite que a invasão está em curso e reconhece que existem duas línguas diferentes e não a “língua universáu”, uma invenção.

Ora, para alguém que está enterrada até acima do pescoço, ao serviço dos interesses brasileiros, na profissão de demolição da Língua Portuguesa, isto é doentio, é grave, é de facto uma patologia mental.

O sofá espera-a. As melhoras.

«Margarita Correia é doutora em Linguística Portuguesa pela Universidade de Lisboa, tendo-se especializado nos estudos do léxico. Actualmente é professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e investigadora integrada no Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC), onde coordena o grupo de Léxico e Modelização Computacional. Coordenou a realização do Vocabulário Ortográfico do Português (VOP) e, com José Pedro Ferreira, o Lince – Conversor para a nova ortografia. Garante a coordenação científica do Portal da Língua Portuguesa.» [Webinars da DGEDA]

Linguística para psicólogos. Precisa-se.

 

Margarita Correia

www.dn.pt, 13.09.21

A palavra “terapia”, proveniente do grego “therapeia“, é usada em diferentes áreas de conhecimento e na língua corrente, significando, de acordo com a Infopédia, “meio ou método usado para tratar determinada doença ou estado patológico; tratamento; terapêutica”. Há atualmente terapias para todos os gostos: e.g. familiar, sexual, da fala, do casal, de grupo, psicoterapia, isto para ficarmos só no âmbito da psicologia. A necessidade de terapia pressupõe a existência, no indivíduo ou no grupo, de um distúrbio, doença ou patologia.

A Notícias Magazine publicou, a 26 de agosto, uma reportagem intitulada “O Brasil está a invadir o vocabulário dos mais novos”. A escolha das palavras nunca é inocente, pelo que o título da peça deixa antever uma opinião (muito) negativa relativamente ao fenómeno tratado. Olhando para algumas das aceções de “invadir”, vemos que significa “1. entrar pela força; irromper; 2. MILITAR tomar ou ocupar militarmente um lugar ou território; 3. penetrar de forma hostil ou intrusiva em; 4. infestar”. Desconfiamos que a escolha da autora da peça visou expressar a opinião generalizada das pessoas com quem conversou sobre o assunto, que olham para o fenómeno com desagrado, preocupação, hostilidade e, claro, medo, muito medo. Fez, portanto, bem em utilizar o verbo “invadir”, não tanto por ser descritivo do fenómeno, mas sim da visão predominante que encontrou.
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‘Está tudo vivo’

18percentgray / Canva

É de facto gratificante verificar, até pela raridade do fenómeno, que existe ainda quem não se limita a “dar aulas”, bem pelo contrário, trata os alunos como seres-humanos e não como retardados incapazes de atar os próprios atacadores.

Não é da responsabilidade dos alunos que alguns adultos (pelo menos em idade acumulada), “pedagogos” e “técnicos” da corda, tenham por profissão inventar inanidades como a «“Leitura Recreativa” ou de “Entretenimento” para o texto literário», salteando esses pratos indigestos com temperos ainda mais intragáveis, como a TLEBS, e, para rematar, o molho de cicuta da marca AO90.

Não sendo de todo necessário ir tão longe na matéria quanto o parnasianismo nem tão perto quanto o nihilismo, a verdade é que nos crescentes escalões etários — ou seja, em cada um dos “ciclos” curriculares do Ensino no nível Básico e no Secundário — existe uma espécie de consciência artística colectiva à qual a população estudantil é sensível, está receptiva e demonstra entusiasmo sem hesitações nem considerandos.

https://www.facebook.com/poets01/photos/a.102296028635339/193269342871340/Aproveitar ou dar vazão às capacidades artísticas inatas, no sistema de Ensino português — à semelhança do que sucede com o processo de ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa –, tornou-se hoje em dia numa empreitada que, além de ingrata e arriscada, é também profundamente tantálica; dito de outra forma, se a algum professor ocorrer tentar uma abordagem pedagógica escorada pela Arte, seja esta qual for ou um pouco de todas elas (recapitulando, para abreviar: som, imagem, cor, volume, movimento, espaço e palavra), pois então esse infeliz docente irá, ainda que em absoluto inocente, ser crucificado como indecente. O que significa, muito para além do mero jogo de palavras, que vivemos uma era em que ser docente é indecente, logo, indocente,

Veja-se, como ilustração do governamental postulado quanto ao “item”, uma espécie de orientação oficial sobre “A educação através da arte” escarrapachada num blog por certa entidade obscura de que, devo confessar, jamais tinha ouvido falar:

«Também o gabinete responsável pela execução do Programa Rede Bibliotecas Escolares (RBE) em Portugal instituiu a questão da cultura e das artes como uma das prioridades para a acção das bibliotecas escolares em 2020/21 e, como forma de a tornar visível, disponibiliza na sua biblioteca escolar digital uma recolha de museus presentes no mundo virtual que pode ajudar as bibliotecas a desenharem actividades e a impulsionarem experiências educativas inovadoras nas escolas.» [escrita brasileira corrigida para Português]

Mesmo dando de barato o erro de Português no parágrafo transcrito (não aguento mais do que uma bacorada de cada vez, lacuna minha, só li o resto de relance), e mesmo não chamando a atenção para o facto indesmentível de haver erros até em sites oficiais de Ensino e sobre Português, ainda assim será de destacar a total vacuidade do palavreado, a ausência de qualquer conteúdo objectivo ou programático e, em suma, o abjecto “verbo de encher” que aquilo é. Nesse vazio de ideias atafulhadas com expressões idiomáticas do ensinês bacoco (não confundir com barroco) consiste todo o “pugrama” da tal educação através da tal coisa que os tais burocratas debitam por ócio e vício.

A escrita, mesmo, por vezes, a escrita não literária, é Arte. Como a pintura e a escultura, assentando numa arquitectura própria, escrever é uma outra forma de música, obedecendo ambas por igual a tempo e modo, à pauta — que pode evoluir mas que é imutável enquanto código de interpretação — e às notas que são letras, à clave que é o tom, aos silêncios gritantes que fazem todo o sentido, ao som “mudo” que é solene ou de terror ou estupefacção ou reverencial.

Portugal não teria sequer hino nacional sem as oito notas e as vinte e seis letras. Notas e letras, inseparáveis e solidárias, duas gémeas siamesas unidas para sempre pela memória num só carácter colectivo que torna a existência em algo com sentido.

Quando a escola falha na relação do ensino do Português com a Arte

 

Maria do Carmo Vieira
www.publico.pt, 9 de Setembro de 2021

 

«A finalidade da arte não é agradar. O prazer é aqui um meio. Não é neste caso um fim. A finalidade da arte é elevar.» [Fernando Pessoa (1888-1935)]

«Fazer arte é querer tornar o mundo mais belo, porque a obra de arte uma vez feita, constitui beleza, beleza acrescentada à que há no mundo.»[Fernando Pessoa (1888-1935)]

 

Ao longo dos anos, e enquanto professora de Português, presenciei a reacção de alunos que nunca haviam reflectido sobre o conceito de Arte e cuja sensibilidade não fora educada nesse sentido, em casa, falhando muitas vezes a Escola na seriedade desse trabalho imperioso; presenciei também a reacção dos que eram minimamente capazes de atribuir-lhe um significado e testemunhar a sua influência favorável, em vários momentos da sua ainda curta vida, precisamente porque em casa haviam encontrado diálogo propício. E como a experiência já me evidenciara quão vital era essa força que nos alimenta o espírito, toca, consola e enriquece, tornou-se objectivo proeminente da minha função de professora não só colmatar uma lacuna que, a permanecer nos alunos, determinaria o acentuar de diferenças sociais, mas também revigorar o encontro nos que haviam já dado os primeiros passos na assimilação do Belo, daquilo que comove, que ilumina, que faz pensar e que dá prazer ainda que tudo isso possa acontecer, em pleno, mais tarde, como tive oportunidade de verificar com alguns dos meus alunos. Sempre estive segura de que a minha postura interferiria na formação da personalidade dos que me eram confiados, e que em mim confiavam, em cada início de Outono. E não me enganei porque o tempo demonstrou-o nesse passado e tem vindo a somar comoventes testemunhos, escritos e orais, de inúmeros alunos das muitas escolas onde leccionei.

Foi no ensino do Português, com o estudo de autores programáticos, que me empenhei em demonstrar aos meus alunos, do Básico ao Secundário, a importância da Arte, em geral, e da Literatura, em particular. A Literatura, como veículo privilegiado de reflexão sobre a condição humana e arte da palavra que “vive primordialmente dos [seus] sentidos indirectos”, exigindo uma interpretação da simbologia que expressa. Só compreendendo se pode efectivamente amar e é nessa procura de sentido, no silêncio da leitura e em diálogo tranquilo com a palavra, chave de diferentes olhares e vozes, que nos revelamos tantas vezes a nós próprios, indo forçosamente ao encontro do Outro e treinando assim a nossa capacidade de desobedecer a tudo o que colida com a nossa humanidade ou nos imponha o absurdo. Assim aconteceu também com muitos dos meus alunos, num trabalho cúmplice e comprometido.

Vivo em saudade os cerca de quarenta anos em que ajudei a desbravar ou a intensificar o caminho que leva ao estreito diálogo com uma obra de arte, seja ela escrita, plástica ou musical. Nesse percurso, foi relevante a reflexão de Fernando Pessoa sobre o facto de toda a Arte ser “uma forma de literatura, porque toda a arte é dizer qualquer coisa.” A demonstração é um pouco longa, mas imperiosa a necessidade de a registar: “[…] As artes que não são a literatura são as projecções de um silêncio expressivo. Há que procurar em toda a arte que não é a literatura a frase silenciosa que ela contém, ou o poema, ou o romance, ou o drama.” Por isso me envolvi interiormente nesta causa, nesta urgência de desfazer o mito da dificuldade no estudo da obra de um determinado escritor, com realce para a poesia, ou na compreensão da autenticidade das outras artes na vivência humana, com o firme propósito de desmontar a ignorância subjacente a esses tortuosos preconceitos, íntimos aliados de teses absurdas centradas na apologia da facilidade e do funcional, bem como na perspectiva da literatura como mero tipo de texto, a par de um rótulo de garrafa. Absurdos que se haviam manifestado já no indesejado Acordo Ortográfico de 1990 (AO90), que pôs em causa a função normativa da ortografia e desfigurou a sua vertente cultural, em nome da facilidade, danificando a própria pronúncia das palavras e pondo mais uma vez em evidência a sobranceria da ignorância e a leveza mental de quem a impõe, transformada em lei.
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Contra o AO90 na Feira do Livro de Lisboa

Este debate promovido pela “Guerra e Paz Editores”, com o apoio da “Editora Gradiva”, teve o condão de — em estreia absoluta — reunir quatro anti-acordistas, incluindo o anfitrião do evento, que fez (aliás muito bem) o papel de moderador. Tal unanimidade significa, portanto, para desgosto de um elemento da assistência que se escamou com a ausência de acordistas no painel, não ter o estimável público presente no evento, bem como todas as pessoas normais que assistirem à gravação aqui reproduzida, de levar com as baboseiras habituais de cérebrozinhos de minhoca, agentes ao serviço dos interesses do “gigante brasileiro”, mercenários, traidores e vendidos tugas.

Bem entendido, não carecendo a dedução de qualquer esforço de compreensão, a julgar — por exemplo — pela adjectivação (substantiva) que acabo de (mais uma vez) formular, neste particular (a cretinice, a desonestidade intelectual, a gatunagem infecciosa) não estou absolutamente nada em sintonia com a maviosidade dos três oradores convidados, a sua algo displicente complacência para com os neo-imperialistas em geral e para com os vendedores de banha-da-cobra em particular. Mas isso ainda é o menos. Questão de feitio, lá diz o povo, síndroma alérgica decorrente daquilo a que se chama vulgarmente ossos do ofício, ou seja, não são eles quem tem de levar com toda a sorte de insultos e ofensas que tugas e zucas (ela por ela, em número e em boçalidade) cuspilham, regurgitam, atiram com raiva e desprezo para cima de Portugal e dos portugueses como “vingança” pela sua História e por aquilo que os define — a começar pela Língua.

De facto, não há nada para “discutir” com acordistas. Muito menos as tretas do costume, todas a pedir desmentido imediato com inúmeros exemplos, as “novas duplas grafias“, os “casos flagrantes” (de absurdo, claro, como se o resto fosse impecável), a necessidade de “despiorar” o AO90, como se tal fosse possível, como se o “acordo” tivesse alguma coisinha de ortográfico, as patranhas pseudo-jurídicas (“o acordo não está em vigor” e outras alucinações semelhantes, ou a anunciada “revisão” — para repor “cá” as consoantes que no Brasil são articuladas. Enfim, quanto a debates desastres estamos todos mais do que fartos (menos uns quantos patuscos) e, basta constatar o óbvio, verificar a triste realidade, já demos para esse peditório.

Não será com certeza à custa de um inexplicável (para não dizer cobarde) temor reverencial que este horror terá fim. Não com tibieza, não com hesitações e dúvidas, jamais cavalgando a onda politicamente correcta cavaleiros zarolhos de ambas as vistas, veneradores, atentos e obrigados.

Obrigados a quê, afinal? A dizer ad aeternum que nim?

 

Guerra e Paz Editores

Partilhamos com os nossos caros leitores a filmagem integral do debate «Português do Brasil e de Portugal. Que Acordo?» que decorreu no último Sábado, dia 10 de Setembro, na 91ª Feira do Livro de Lisboa.

Agradecemos a Roberto Moreno, criador da «Fundação Geolíngua», o envio do vídeo e a presença no evento. Tratou-se de uma iniciativa conjunta da Gradiva e da Guerra e Paz Editores que juntou à mesa, no Auditório Sul, os linguistas, e autores da Guerra e Paz Editores, Fernando Venâncio e Marco Neves e o jornalista Nuno Pacheco, autor da Gradiva, moderados pelo editor Manuel S. Fonseca.

Posted by Guerra e Paz Editores on Monday, September 13, 2021

[Imagem de topo de: SIC Notícias.]

Como o tupi e outras línguas indígenas influenciam o brasileiro

«Atualmente, mais de 160 línguas e dialetos são falados pelos povos indígenas no Brasil. Elas integram o acervo de quase sete mil línguas faladas no mundo contemporâneo (SILInternational, 2009). Antes da chegada dos portugueses, contudo, só no Brasil esse número devia ser próximo de mil.
No processo de colonização, a língua Tupinambá, por ser a mais falada ao longo da costa atlântica, foi incorporada por grande parte dos colonos e missionários, sendo ensinada aos índios nas missões e reconhecida como Língua Geral ou Nheengatu. Até hoje, muitas palavras de origem Tupi fazem parte do vocabulário dos brasileiros.
Da mesma forma que o Tupi influenciou o português falado no Brasil, o contato entre povos faz com que suas línguas estejam em constante modificação. Além de influências mútuas, as línguas guardam entre si origens comuns, integrando famílias linguísticas, que, por sua vez, podem fazer parte de divisões mais englobantes – os troncos linguísticos. Se as línguas não são isoladas, seus falantes tampouco. Há muitos povos e indivíduos indígenas que falam e/ou entendem mais de uma língua; e, não raro, dentro de uma mesma aldeia fala-se várias línguas – fenômeno conhecido como multilinguismo.
Em meio a essa diversidade, apenas 25 povos têm mais de cinco mil falantes de línguas indígenas: Apurinã, Ashaninka, Baniwa, Baré , Chiquitano, Guajajara, Guarani(Ñandeva, Kaiowá, Mbya), Galibi do Oiapoque, Ingarikó, HuniKuin, Kubeo, Kulina, Kaingang, Mebêngôkre,Macuxi, Munduruku, SateréMawé, Taurepang, Terena, Ticuna, Timbira, Tukano,Wapichana, Xavante, Yanomami, e Ye’kwana[P.I.B.]

«Segundo o Censo IBGE 2010, os mais de 305 povos indígenas somam 896.917 pessoas. Destes, 324.834 vivem em cidades e 572.083 em áreas rurais, o que corresponde aproximadamente a 0,47% da população total do país.» [P.I.B.]

«A população brasileira é formada principalmente por descendentes de povos indígenas, colonos portugueses, escravos africanos e diversos grupos de imigrantes que se estabeleceram no Brasil, sobretudo entre 1820 e 1970. A maior parte dos imigrantes era de italianos e portugueses, mas houve significante presença de alemães, espanhóis, japoneses síriolibaneses,[18] poloneses e ucranianos»

Tomando conhecimento, ainda que pela rama, do gigantesco e muitíssimo complexo de mosaicos que enformam o Brasil, podemos ao menos retirar uma conclusão mais do que óbvia: o “acordo ortográfico” serve para que o Brasil estabeleça uma espécie de referencial linguístico destinado a unificar minimamente a língua brasileira dentro dos limites geográficos politicamente definidos pelo Estado brasileiro. Trata-se de um assunto interno do Brasil, pelo que não devemos arrogarmo-nos o direito de interferir no processo, o qual na íntegra diz respeito apenas aos povos brasileiros e ao seu Governo.

Por conseguinte, o chamado “acordo ortográfico de 1990” é um acto de soberania do Estado brasileiro, produzindo efeitos dentro dos limites das suas fronteiras, e não tem absolutamente nada a ver com quaisquer outros países igualmente soberanos.

A língua brasileira, que o AO90 pretende normalizar e unificar entre os seus 27 Estados federais, engloba todas as componentes classicamente comuns a todas as Línguas do mundo, em simultâneo diferenciadoras entre si: além de uma prosódia (ortoépia) exclusiva, o brasileiro desenvolveu um léxico próprio em cuja diacronia semântica e no estabelecimento pragmático da respectiva sintaxe participaram somente os naturais do Brasil, os povos indígenas e as comunidades alógenas que integram aquele país.

Estas são as facetas fundamentais, porque explicam-se a si mesmas, daquilo que de facto é o AO90 e para que poderá servir — se o Brasil assim o entender, fazendo-o à sua maneira, isto é, “de ouvido” ou conforme aos mandantes brasileiros der na real gana.

O conhecimento dos factos expressos e das variáveis implícitas rebenta de uma vez por todas com as baboseiras do “acordo” e com as hediondas mentiras dos seus agentes. Absolutamente nada dos pressupostos inventados por eles se verifica, a realidade é totalmente outra e a invenção diz respeito apenas a um dos países da CPLP.

Que o Brasil petisque, saboreie, engula então o seu próprio acepipe. Com ou sem feijão, alarve ou elegantemente, bom apetite é o que se deseja.

Como o tupi e outras línguas indígenas influenciam o português brasileiro?

jornal “O Povo” (Brasil), Ago. 30, 2021
Autor Mateus Brisa

 

Entenda como diversos vocábulos do português brasileiro foram influenciados pelo tupi e outras línguas nativas

 

Fauna, flora, municípios, gastronomia, expressões: estes são alguns dos setores do dicionário brasileiro influenciados por línguas indígenas. A principal delas, o tupi, foi perdendo importância devido ao estabelecimento da língua portuguesa como oficial do Brasil. No entanto, o tupi deixou diversas marcas no português brasileiro, assim como outras das línguas dos nativos que entraram em contato e foram utilizadas na comunicação com os europeus.

Como a influência das línguas indígenas começou?

O cruzamento da palavra indígena com o português começou a partir da chegada das embarcações portuguesas ao “Novo Mundo” e a colonização subsequente. Quando chegaram às terras que seriam mais tarde chamadas Brasil, o tupi era amplamente falado na região e foi através dele que houve a comunicação entre os povos nativos e os europeus.

Quais línguas indígenas eram faladas à época da colonização?

No período da chegada dos colonizadores, parte dos indígenas da costa brasileira falava línguas pertencentes ao tupi. Se consideramos o tupi como um “tronco”, é possível assinalar outras línguas “raízes”: tupi-guarani, arikém, juruna, mondé, mundurukú, etc.

Eventualmente, o tupi se transformou em outras línguas, como o nheengatu, também conhecida como “língua geral amazônica” e falada até hoje. A partir de meados do século XVIII, o tupi foi sendo deixado de lado após o então primeiro-ministro português, Marques de Pombal, ter proibido o uso e o ensino do tupi no Brasil, decretando o português como língua oficial.

Quantas palavras do português brasileiro têm origens indígenas?

Em entrevista à Agência Brasil, o organizador do Dicionário da Academia Brasileira de Letras (ABL) e filólogo Evanildo Bechara afirmou ser complicado mensurar quantas palavras do português são originárias do tupi. “Nos dicionários, há palavras que não são mais usadas e há algumas até que só têm um uso em determinada região”, declarou ele.

De que forma o tupi influenciou o português brasileiro?

Segundo Evanildo Bechara, o principal impacto do tupi foi no vocabulário do português brasileiro. “Desde cedo, a língua portuguesa entrou em contato com essas línguas [indígenas]. Então é natural que, do ponto de vista do vocabulário, os portugueses tenham encontrado nomes de plantas e animais que não eram conhecidos [até então]. O vocabulário da língua portuguesa está repleto de palavras indígenas, porque os portugueses encontraram aqui um novo mundo da fauna e da flora”, explicou.

Tupi no mundo: o caso do caju

A influência da língua tupi não está limitada ao território brasileiro. Um exemplo disso é a palavra akaîu, que se transformou em caju no português. A fruta, que é tipicamente brasileira, conquistou espaço na gastronomia mundial, seja pela polpa ou pela castanha. Associado a isso está o impacto linguístico.

Hoje, diversas línguas conhecem o caju através de palavras derivadas do akaîu. Alguns exemplos são: cashew (inglês, sueco, alemão, holandês, dinamarquês), acagiú (italiano), kaju (turco), cajou (francês), kásious (grego), kashu (búlgaro e japonês) e kau (estoniano).

Quais palavras tem origem no tupi?

A lista abaixo inclui alguns dos extensos vocábulos do português brasileiro que têm as línguas indígenas em suas origens.

  • Comidas: maracujá, açaí, caju, tapioca, mandioca (ou macaxeira, aipim), paçoca, cacau, pipoca
  • Animais: tatu, jaguar, ariranha, paca, arara, buriti, jacaré, sabiá
  • Lugares: Pará, Curitiba, Paraná, Sorocaba, Pernambuco, Manaus, Copacabana, Iguaçu, Anhangabaú, Macaranã, Guarujá, Bauru
  • Nomes: Moacir, Iracema, Maiara, Ubirajara, Iara, Cauby, Kauane, Tainara,
  • Termos e expressões: pereba, “nhem nhem nhem”, capenga, xará, cutucar, socar, canoa, muquirana, mirim

Com informações da Agência Brasil

[Transcrição integral de artigo, da autoria de Mateus Brisa, publicado no jornal “O Povo” (Brasil) em 30 de Agosto de 2021. Destaques e “links” meus; cortei referências abusivas mencionando a Língua Portuguesa. Imagem no topo do artigo transcrito de: Notibras. Imagem de “tag cloud” gerada em WordClouds.]

«A Língua Brasileira» [por Eni P. Orlandi]

Faz parte da estratégia de intoxicação da opinião pública a omissão absoluta do facto mais do que evidente de que a Língua Portuguesa e a língua brasileira são duas instâncias culturais de comunicação independentes; não existe já qualquer espécie de dúvida quanto à declaração, historicamente fundamentada, de a independência política do Brasil (1822) ter incluído todos os aspectos do seu património, a começar pelo territorial e de soberania, passando pelo histórico e cultural tangível, bem como pelo que de mais intangível define uma nação, a sua História e o seu povo, isto é, a Língua nacional: a Língua nacional do Brasil é a Língua Brasileira.

A estratégia referida, de omissão radical do facto, foi totalmente teorizada por meia dúzia de académicos, inventada por alguns políticos do chamado “arco da governação”, financiada por elementos de organizações tão “discretas” e aparentemente díspares como a Maçonaria e a Opus Dei, e, last but not least, com a colaboração de especialistas em empastelamento (bloqueio, silenciamento) e em outras técnicas de contra-informação.

Sofre pena de clausura em cela “disciplinar”, por tempo indeterminado (que tanto pode ser de perpétua como apenas enquanto der na real gana ao agente de serviço), quem porventura tiver o atrevimento de sequer utilizar a expressão “língua brasileira”. Funcionando como uma gigantesca cela de tipo orwelliano, isolada, escura como breu, insonorizada, com o ar viciado pela ausência de qualquer janela, é esse o “buraco” virtual (até ver) para onde são atirados “discretamente” pelos verdugos acordistas todos aqueles que, por exemplo, recordem datas, refiram factos ou reproduzam escritos sobre o assunto. Segundo a narrativa oficial, é terminantemente proibido mencionar a língua nacional do Brasil, ou seja, o brasileiro; é obrigatório, pelo contrário, encher a boca com paleios gandiloquentes e balofos, absurdos e (de) imbecis, sobre a “língua universáu”, a “difusão e expansão” do AO90 no mundo “lusófono”.

Precisamente, seguindo a mesma lógica dos variadíssimos conteúdos em texto, em imagem e em vídeo anteriormente aqui publicados sobre a língua brasileira, desta vez temos a transcrição de um texto académico — um verdadeiro “clássico” na matéria –, demonstração de rigor academista da transparência e da espectacular simplicidade da resposta a uma questão que jamais existiu: a Língua Brasileira descende da Língua Portuguesa mas já há muito ultrapassou a fase de autonomia, hoje por hoje atingiu o estatuto de independência plena.

O que de novo comprova o carácter neo-imperialista do AO90, isto é, a forma como uns quantos vendidos, mercenários e traidores pretendem selvaticamente impor a Portugal a Língua nacional da República Federativa do Brasil.

Ciência e Cultura

Print version ISSN 0009-6725 On-line version ISSN 2317-6660

Cienc. Cult. vol. 57 no. 2 São Paulo Apr./June 2005

 

A LÍNGUA BRASILEIRA

Eni P. Orlandi

A língua brasileira (bvs.br)

 

INTRODUÇÃO
A questão da língua que se fala, a necessidade de nomeá-la, é uma questão necessária e que se coloca impreterivelmente aos sujeitos de uma dada sociedade de uma dada nação. Porque a questão da língua que se fala toca os sujeitos em sua autonomia, em sua identidade, em sua autodeterminação. E assim é com a língua que falamos: falamos a língua portuguesa ou a língua brasileira? (1)

Esta é uma questão que se coloca desde os princípios da colonização no Brasil, mas que adquire uma força e um sentido especiais ao longo do século XIX. Durante todo o tempo, naquele período, o imaginário da língua oscilou entre a autonomia e o legado de Portugal.

De um lado, o Visconde de Pedra Branca, Varnhagen, Paranhos da Silva e os românticos como Gonçalves Dias, José de Alencar alinhavam-se entre os que defendiam nossa autonomia propugnando por uma língua nossa, a língua brasileira. De outro, os gramáticos e eruditos consideravam que só podíamos falar uma língua, a língua portuguesa, sendo o resto apenas brasileirismos, tupinismos, escolhos ao lado da língua verdadeira. Temos assim, em termos de uma língua imaginária, uma língua padrão, apagando-se, silenciando-se o que era mais nosso e que não seguia os padrões: nossa língua brasileira. Assim nos contam B. S. Mariani e T. C. de Souza (Organon 21, Questões de Lusofonia) que, em 1823, por ocasião da Assembléia Constituinte, tínhamos pelo menos três formações discursivas: a dos que propugnavam por uma língua brasileira, a dos que se alinhavam do lado de uma língua (padrão) portuguesa e a formação discursiva jurídica, que, professando a lei, decidia pela língua legitimada, a língua portuguesa. Embora no início do século XIX muito se tenha falado da língua brasileira, como a Constituição não foi votada, mas outorgada por D. Pedro, em 1823, decidiu-se que a língua que falamos é a língua portuguesa. E os efeitos desse jogo político, que nos acompanha desde a aurora do Brasil, nos faz oscilar sempre entre uma língua outorgada, legado de Portugal, intocável, e uma língua nossa, que falamos em nosso dia-a-dia, a língua brasileira. É assim que distingo entre língua fluida (o brasileiro) e a língua imaginária (o português), cuja tensão não pára de produzir os seus efeitos.

Assim é que, em 1826, o projeto apresentado ao parlamento brasileiro pelo deputado José Clemente propõe que os diplomas dos médicos seja redigido em “linguagem brasileira”. Em 1827 temos a aprovação de lei que estabelece que os professores deveriam ensinar a gramática da língua nacional. Nem português, nem brasileiro, estrategicamente, nomeamos de língua nacional. Em 1870, procurando argumentar sobre a língua que falamos, temos a polêmica entre o romancista brasileiro José de Alencar e o português Pinheiro Chagas, um falando de nossas diferenças e autonomia, o outro, sobre o legado que recebemos de Portugal, a língua portuguesa. Essas referências podem ser encontradas em um quadro apresentado no início do livro História da semântica (2004) de Eduardo Guimarães, entre outros. Já no século XX, na década de 1930 há uma discussão na Câmara do Distrito Federal sobre o nome da língua do Brasil: língua portuguesa ou brasileira? Novamente se decide pelo indefinido: falamos a língua nacional. Sobre essa discussão pode-se consultar o livro (tese) de Luis Francisco Dias (1996), que conclui que, na perspectiva daqueles que se posicionaram contrários aos projetos de mudança do nome da língua falada no Brasil, o nome língua brasileira é percebido como algo que viria desestabilizar um eixo social que tem nos percursos da escrita, sob os auspícios da língua portuguesa, o seu suporte, a sua referência, e, na perspectiva daqueles que defendem os projetos de mudança do nome de nosso idioma, língua brasileira tem a sua referência constituída a partir de uma imagem romântica do país, imagem fundada no positivismo e no ufanismo que, ao longo da segunda metade do século XIX e da primeira metade do século XX marcaram nossa história. Finalmente, assim como D. Pedro outorgou uma Constituição em 1823, também em 1946, a comissão encarregada pelo governo brasileiro, em atendimento ao estabelecido pela Constituição de 1946, decide que o nome da língua falada no Brasil é língua portuguesa (2).

Esta questão, no entanto, não deixa de nos importunar, e há sempre alguma razão, um pretexto, ou alguém que a levanta em momentos diferentes de nossa história. Isso quer dizer que até hoje não decidimos se falamos português ou brasileiro. Embora a cultura escolar se queira, muitas vezes, esclarecedora em sua racionalidade e moderna em sua abertura, acaba sempre se curvando à legitimidade da língua portuguesa que herdamos e, segundo dizem, adaptamos às nossas conveniências, mas que permanece em sua forma dominante inalterada, intocada: a língua portuguesa. E quem não a fala, ainda que esteja no Brasil, que seja brasileiro, erra, é um mal falante, um marginal da língua.

É, pois, impressionante como a ideologia da língua pura, a verdadeira, faz manter o imaginário da língua portuguesa.
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