Margarita no sofá

Sofá… de psiquiatra, não de psicólogo. Evidentemente, confundir um cientista profissional com um amador de coisinhas esotéricas é algo parvo; o psiquiatra está para o psicólogo assim como CR7 está para um apanha-bolas: até pode suceder que, por excepção extraordinária, algum dos garotos que vão buscar o esférico às bancadas chegue a profissional, mas até lá ainda vai ter de comer muita relva. Bem, adiante, não nos emaranhemos em trapalhadas sobre estofos.

Se bem que, na verdade, também seja uma questão de estofo, isto é, de tê-lo ou não tê-lo, aquilo de que se trata no conteúdo deste textículo, da autoria de uma pessoa que até nem ganha nada à conta do AO90 e que até nem interesse nenhum em continuar a ter emprego por via do estropício, é tentar convencer as pessoas normais de que estão a precisar da “ajuda” de um profissional, ou seja, que os anti-acordistas estão contra o dito porque… são uma cambada de destrambelhados. Gente avariada da caixa dos martelos, por conseguinte, o que contrasta, na nada douta opinião da senhora, com o perfil de urbanidade e fino gosto que atribui por inerência (e mandato divino) a acordistas como ela e outros desequilibrados em geral.

Esta técnica de intoxicação política e de silenciamento da dissidência, gravando na testa de qualquer renitente o rótulo de “louco”, era o método privilegiado de aniquilação da dissidência em prática na ex-União Soviética, por exemplo. Citando, também por exemplo, o “opinion maker” e comentador Pacheco Pereira: «A dissidência era considerada uma doença mental no período de Brejnev e este argumento soviético é hoje muito usado no mundo do ataque pessoal da direita radical [“Público”, 19.06.21]

O artigalho agora transcrito (conservei nesta transcrição a cacografia brasileira do original, para não amenizar de forma alguma o nojo que provocam as baboseiras tresloucadas da amanuense acordista) é uma retumbante demonstração de que a técnica soviética (e chinesa e fascista e nazi) do silenciamento pelo “internamento” existe ainda, está pujante em algumas cabecinhas — de extrema-direita ou de extrema-esquerda, por igual — para as quais os motivos são sempre uma maçada, as razões um sacrifício intolerável, a verdade algo de odioso e sumamente insuportável.

À laia de troca de cumprimentos, devolvo a “recomendação”: esta fulana deveria procurar ajuda especializada, pois sim, ela sim, mas que ao menos nisso se abstenha do amadorismo a que está obviamente agarrada. Consulte um psiquiatra a sério, não um psicólogo a brincar. O seu caso é sério, qualquer leigo em matéria de medicina psiquiátrica poderá constatar (e até diagnosticar) facilmente o que se passa consigo.

Basta ler algumas frases suas, alucinações como esta: 《se querem “combater” a “invasão” do português do Brasil, produzam conteúdos atractivos e de qualidade em português de Portugal》.

Portanto, admite que a invasão está em curso e reconhece que existem duas línguas diferentes e não a “língua universáu”, uma invenção.

Ora, para alguém que está enterrada até acima do pescoço, ao serviço dos interesses brasileiros, na profissão de demolição da Língua Portuguesa, isto é doentio, é grave, é de facto uma patologia mental.

O sofá espera-a. As melhoras.

«Margarita Correia é doutora em Linguística Portuguesa pela Universidade de Lisboa, tendo-se especializado nos estudos do léxico. Actualmente é professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e investigadora integrada no Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC), onde coordena o grupo de Léxico e Modelização Computacional. Coordenou a realização do Vocabulário Ortográfico do Português (VOP) e, com José Pedro Ferreira, o Lince – Conversor para a nova ortografia. Garante a coordenação científica do Portal da Língua Portuguesa.» [Webinars da DGEDA]

Linguística para psicólogos. Precisa-se.

 

Margarita Correia

www.dn.pt, 13.09.21

A palavra “terapia”, proveniente do grego “therapeia“, é usada em diferentes áreas de conhecimento e na língua corrente, significando, de acordo com a Infopédia, “meio ou método usado para tratar determinada doença ou estado patológico; tratamento; terapêutica”. Há atualmente terapias para todos os gostos: e.g. familiar, sexual, da fala, do casal, de grupo, psicoterapia, isto para ficarmos só no âmbito da psicologia. A necessidade de terapia pressupõe a existência, no indivíduo ou no grupo, de um distúrbio, doença ou patologia.

A Notícias Magazine publicou, a 26 de agosto, uma reportagem intitulada “O Brasil está a invadir o vocabulário dos mais novos”. A escolha das palavras nunca é inocente, pelo que o título da peça deixa antever uma opinião (muito) negativa relativamente ao fenómeno tratado. Olhando para algumas das aceções de “invadir”, vemos que significa “1. entrar pela força; irromper; 2. MILITAR tomar ou ocupar militarmente um lugar ou território; 3. penetrar de forma hostil ou intrusiva em; 4. infestar”. Desconfiamos que a escolha da autora da peça visou expressar a opinião generalizada das pessoas com quem conversou sobre o assunto, que olham para o fenómeno com desagrado, preocupação, hostilidade e, claro, medo, muito medo. Fez, portanto, bem em utilizar o verbo “invadir”, não tanto por ser descritivo do fenómeno, mas sim da visão predominante que encontrou.

Muito haveria a dizer sobre o tema, mas, como tive a oportunidade de me expressar, quero sobretudo deter-me nas declarações da psicóloga consultada, que, a meu ver, têm o condão de não só serem pouco informadas do ponto de vista da linguística, mas sobretudo de alimentar preconceitos e medos. Diz a psicóloga já se ter deparado com duas crianças “com total ausência do recurso ao português de Portugal”. Ora, se filhos de pais portugueses só falam em português do Brasil, tal só pode significar que o input linguístico que essas crianças recebem provém, predominante ou totalmente, dos tais youtubers brasileiros. Em casos destes (que me custa acreditar que existam mesmo), quem precisa de terapia (ou mesmo de intervenção das autoridades) não são as crianças, mas a família, que indubitavelmente as negligencia. Mais adiante sugere a psicóloga que crianças com este quadro terão dificuldades de socialização (o que parece evidente), mas também de aprendizagem, presume-se da leitura e da escrita, porque “Os fonemas numa variante [entenda-se, variedade] e noutra são diferentes”. Alguns fonemas são de facto diferentes, mas se esse número fosse tão significativo para perturbar a aprendizagem da leitura, não estaríamos a falar a mesma língua – e estamos – e as crianças brasileiras não seriam capazes de aprender a ler e a escrever usando o mesmo sistema de escrita e ortografia que nós – e são. E a psicóloga remata, ainda, alertando para que “os pais podem procurar ajuda de um terapeuta da fala” e que isso deve acontecer “antes de as crianças entrarem na escola”.

Enquanto linguista e enquanto pessoa que, aos 10 anos, saiu do país hispanófono onde nasceu e foi alfabetizada, aterrou numa aldeia portuguesa sem “paraquedas” em 1971 e sobreviveu para se tornar linguista e professora de português, não posso deixar de manifestar a minha perplexidade perante as afirmações citadas. Será que falar português do Brasil é distúrbio, doença ou patologia, que carece de terapia? Será que as crianças depois dos seis anos são mesmo resistentes à mudança e incapazes de adquirir outra variedade linguística ou até outra língua? Será que os psicólogos não sabem que o período crítico para a aquisição de linguagem (i.e. o período em que as crianças adquirem as línguas a que estejam expostas) vai até ao início da puberdade? Será que os filhos de brasileiros a viver em Portugal não conseguem aprender a ler e escrever? Será que psicólogos e terapeutas da fala sabem que a variação é só uma das características fundamentais das línguas? Será que as crianças são produtos de mercado sujeitos a “controlo de qualidade” a mencionar no “rótulo”?

Ainda hoje ao almoço estava a observar várias crianças portuguesas que, à mesa com os pais, viam o Luccas Neto no Youtube e (pasme-se!) conseguiam conversar tranquilamente com os circundantes em português de Portugal. Deixem as crianças ser crianças. Deixem de as rotular. E, já agora, se querem “combater” a “invasão” do português do Brasil, produzam conteúdos atrativos e de qualidade em português de Portugal. As crianças agradecem.

Professora e investigadora, coordenadora do Portal da Língua Portuguesa

[Transcrição integral e ipsis verbis (com a cacografia brasileira do original) de artigo, da autoria de (uma tal) Margarita Correia, publicado no “Diário de Notícias” e no endereço electrónico Linguística para psicólogos. Precisa-se. (dn.pt) em 13.09.21 Imagem/citação de Aristófanes de: “Remarkable Books” (Facebook). Imagem de topo de: “1stdibs“. ]

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5 Comments

  1. Não se escreve: “… publicou, a 26 de agosto…”
    Escreve-se: “… publicou, em 26 de Agosto…”

    1. Transcrição “ipsis verbis”…
      Naquele estendal ranhoso há muitas outras brasileiradas.

      1. Passam por autoridades em linguística, mas dão calinadas a esmo…

        1. Bem, mas esta, ao menos, até não é muito de se auto-intitular como sumidade linguística (gente de que está o inferno cheio), pelo contrário, está-se perfeitamente nas tintas para esse “aborrecimento”. Basta-lhe abichar umas lecas valentes à conta das engraxadelas a brasileiros.

          1. Assim tem engordado. Ela e a conta bancária.

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