A ideia é mostrar a crianças a História como quem conta uma história.
Coisas simples e fáceis, factos, intervenientes e datas em contexto pedagógico adequado ao ensino básico, primeiramente, as quais a posteriori poderão ou não ter continuidade no secundário, consoante as áreas individuais de vocação e as determinações (eufemisticamente designadas como “orientações”) da tutela e dos imensos corredores ministeriais ladeados por gabinetes que superintendem na matéria.
Integrando estas noções elementares com as outras duas vertentes cujos esquissos já aqui foram traçados, a ortografia e a caligrafia, a História da Língua Portuguesa, no caso vertente com pouca ou nenhuma reminiscência da maçada habitual (ou do massacre virtual, a tiros de tédio) que por hábito se eterniza na disciplina de História (em geral) viria tornar coesa, conferindo-lhe solidez referencial e estabelecendo uma base epistemológica para a compreensão do fenómeno linguístico em toda a sua latitude. Nada de complicado, detalhado ou miudinho, realce-se de novo, já que é de crianças e pré-adolescentes que falamos quando falamos da (sua) Língua e do que ela significa enquanto memória individual e, sobretudo, colectiva. Desde que de forma estruturada, porque é estruturante, esta nova disciplina curricular (e básica) terá necessariamente de vir a singrar num futuro próximo — assim ressuscitem do estupor os professores e da sua catatónica paralisia os responsáveis do Ministério da Educação.
Tal disciplina (ou matéria, no 1.º ciclo do Ensino Básico) poderia reunir as três áreas de conhecimento e estudo, num acrónimo simples como, por exemplo, HOC – História, Ortografia e Caligrafia do Português. Sendo nuclear, na vetusta acepção entretanto caída em desuso mas hoje tão válida como sempre, a nova disciplina seria coadjuvada por outras áreas curriculares, a começar, evidentemente, pelas disciplinas de Língua Portuguesa e de História, mas envolvendo também as da área das artes visuais (ou manuais).
Construída sobre uma base dirigida à compreensão, sem excluir as extraordinárias capacidades de memorização, características intrínsecas da infância e da pré-adolescência, sem quaisquer pretensões de uma pormenorização excessiva ou redundante, diversas matérias poderiam servir, quando muito, de mera ilustração da sequência cronológica e das relações de causa e efeito entre o passado e o presente da nossa Língua. Alguns desses exemplos poderiam ser, entre outros e apenas como ecos do passado mais remoto, o Tratado de Zamora (1143), a Notícia de Fiadores (1175), o Testamento de D. Afonso II (1214), o Pentateuco de Gacon (1487), a Gramática de Fernão de Oliveira (1536). Referências a um passado mais recente, digamos assim, desde a Carta de Pero Vaz de Caminha à Peregrinação de Fernão Mendes Pinto (servindo esta obra como ponto de partida para a compreensão do fenómeno da efabulação, da qual o AO90 foi o ponto de chegada) poderiam também enquadrar, porque respondem à pergunta elementar “como chegamos aqui, não apenas o que é a Língua Portuguesa mas principalmente porque é assim e não de outra forma qualquer.
A fruição estética, em termos de técnica de abordagem pedagógica, é um método com bastas provas dadas. Se a essa vertente, que apela à sensibilidade individual, juntarmos a do apelo à compreensão — para a qual a memória contribui decisivamente –, então poderemos ao menos acalentar a esperança de que as crianças e jovens transportarão para o futuro, intacto, porque sabem explicar o presente com exemplos do passado, o legado mais precioso dos seus antepassados: o Português.
Tudo começou, como sabemos, pelo Tratado de Zamora, em 1143, e, uns anos mais tarde, pela bula “Manifestis Probatum”, em que o Papa Alexandre III outorga a D. Afonso Henriques o título de Rex. Os dois documentos desencadearam as consequências políticas inerentes, absolutamente decisivas, pelo que podemos afirmar que foi somente após a materialização por escrito dos actos, factos e personagens envolvidos que nasceu o país a que ainda hoje se chama Portugal. À excepção da tradição oral, meramente utilitária, individual ou grupal e meramente pragmática, não existe História sem suporte escrito. É desse mesmo suporte, constituindo no caso o corpus linguístico português (ou do Português), que às crianças e jovens portugueses deve ser dado ao menos algum conhecimento — o mínimo indispensável para que o conhecimento dado fique e perdure no tempo como legado.
Apenas por essa via, o caminho do saber que leva ao entendimento, será possível travar o passo a qualquer ataque e liquidar na origem quaisquer aberrações que atentem ou façam perigar a sua Língua nacional, ou seja, a independência nacional que em comum os identifica.
Os estudantes entenderão, com toda a certeza e com ainda maior facilidade, a relação de causa e efeito. Outro tanto não se poderá presumir quanto aos professores e em especial no que diz respeito à mais recente aberração, aquele “acordo ortográfico” imposto por políticos que da sua pátria apenas estão interessados na moeda… e não exactamente como excêntricos numismatas.
Haja fé, porém. O tempo, assim como a História, que se repete, tem o condão de, mesmo podendo tardar, expor a mentira. Daí a importância de que os alunos aprendam a interpretar, a “ler” o futuro através das lições do passado.
Não é, por conseguinte, nada nova a nova disciplina. Serve para compreender e apenas para isso. Ad hoc.
«O documento mais antigo escrito em português data de 1175 – início do século XII, quando era ainda o rei D. Afonso Henriques Rei de Portugal. Este documento designa-se “Notícia de Fiadores” e faz parte do espólio do Mosteiro de São Cristóvão de Rio Tinto. Neste documento são identificadas as dívidas de Pelágio Romeu.» [História da Língua Portuguesa – up.pt/portuguesuporto]
“Primeiramente mando que meu filho infante D. Sancho que eu hei da rainha D. Urraca haja meu reino integramente e em paz. […]”.
“[…] E mandei fazer treze cartas cum aquesta, tal una como outra, que per elas toda minha manda seja cumprida, das quais tem uma o arcebispo de Braga, a outra o arcebispo de Santiago, a terceira o arcebispo de Toledo, a quarta o bispo do Porto, a quinta o de Lisboa, a sexta o de Coimbra, a sétima o de Évora, a oitava o de Viseu, a “novea” o mestre do Templo, a décima o prior do Hospital, a undécima o prior de Santa Cruz, a duodécima o abade de Alcobaça, a décima terceira fazei guardar em minha reposte. E foram feitas em Coimbra, 4 dias por andar de Junho”. Contém assinatura autógrafa. [Testamento de D. Afonso II – Arquivo Nacional da Torre do Tombo – DigitArq (arquivos.pt)]
[Imagem em azulejos de cena da assinatura do Tratado de Zamora:
copyright Aires Almeida, CC BY 2.0, via Wikimedia Commons. Imagem de topo copiada de: “O Minho”]