Noite e dia vêm de longe Branco e preto a trabalhar E o dono, senhor de tudo Sentado, mandando dar E a gente fazendo conta Pro dia que vai chegar (ei, vai chegar) Marinheiro, marinheiro (marinheiro) Quero ver você no mar (mar) Eu também sou marinheiro (marinheiro) Eu também sei governar Madeira de dar em doido Vai descer até quebrar É a volta do cipó de arueira No lombo de quem mandou dar |
Cá está a primeira reacção ao artigo publicado no “DN”, aqui reproduzido ontem, dia 14, sobre o neo-imperialismo brasileiro.
Trata-se de um serôdio fenómeno que algumas pessoas em Portugal — por alheamento — fingem não ver ou, se de facto vêem o processo de demolição em curso e escolhem — por alinhamento — ocultar a realidade, mistificar as mentiras e, em suma, fazer passar por imbecis os seus próprios compatriotas.
Na verdade, o brasileiro que assina a peça agora reproduzida (em baixo), tenta fazer-se passar por amigalhaço dos “tugas” em geral e principalmente por “cámárádjinha” dos “tugazinhos”, mas o objectivo real do textículo não passa, como sempre, de servir como panfleto propagandístico enaltecendo os putativos méritos da aniquilação não apenas da Língua Portuguesa escrita, via AO90, essa arma de destruição maciça, como também a eliminação da Língua propriamente dita: depois da ortografia, o léxico, a construção frásica, a morfologia, toda a Gramática, qualquer tipo de norma do Português… incluindo a prosódia (ortoépia), a fonética, a própria acústica articulatória.
Tudo isto, um horror que já não é nada poucachinho, muito embrulhadinho em palavreado aparentemente manso, num tom que de conciliatório tem tanto como a moca troglodita. É o faz-de-conta da ordem, um rosário de ladainhas para converter coleccionadores de nautiladae aos milagres do candomblé.
Seria de extrema utilidade vacinar-se cada qual que tais patranhas leia tendo presente apenas uma das muitas premissas que de imediato fazem implodir o paleio acordista, neo-colonialista, neo-imperialista: em Portugal, professor que se recuse a utilizar a cacografia brasileira sofre represálias que podem terminar em despedimento; em Portugal, qualquer funcionário público que se atreva a ignorar a RCM 8/2011 (equivalente a uma ordem por escrito, logo, irrecusável, mesmo se ilegítima) é sujeito a processo disciplinar sumaríssimo, cuja primeira consequência será o despedimento imediato; em Portugal, os órgãos de informação que se mantenham fiéis à Língua Portuguesa sujeitam-se seriamente a deixar de receber quaisquer financiamentos ou sequer obter receitas publicitárias do Estado, o mesmo valendo para grupos de teatro, clubes (desportivos ou outros), Fundações e outros organismos privados. Ora, sabendo-se que 100% das alterações ortográficas foram imposições brasileiras, então será mais do que evidente que no Brasil não existe a mais ínfima violência neo-nazi — nenhum processo disciplinar, zero despedimentos à conta do AO90.
Tendo presente essa base, sabendo-se que foi a pretexto do “acordo” da “língua universáu” que tudo começou, segue-se a desmontagem pontual do tal artigalho zuca.
Os tentáculos.
- «o imperialismo sempre inclui a volta do cipó de aroeira». Apesar de ser duvidoso, para um português não versado em línguas alienígenas e/ou anárquicas, o significado desta expressão idiomática da língua brasileira tem um mais do que evidente “tom” de agressividade, muito claramente contendo sua dose de mal contida raiva para com o eterno bode expiatório (Portugal, ainda hoje o eterno “culpado” de tudo aquilo que de mau sucede no Brasil). Mesmo dando de barato que é claríssima a acusação de “imperialismo” (assacada aos portugueses e não aos imperialistas brasileiros), depreende-se com igual clareza a ameaça expressa, nada velada e supinamente rasteira.
- «desencaminhador linguístico de tuguinhas». O tratamento “carinhoso” mais habitual que os “caras” dispensam a portugueses: tugas os adultos, tuguinhas as crianças. Entre nós, tal truncagem contém as implicações que a cada qual interessam ou dizem respeito; pode até não ser um tratamento muito “simpático”; mas coisa bem diferente é que estrangeiros se refiram assim a qualquer um de nós ou, dez milhões de vezes pior, a todo um povo — insultuosamente.
- «o menino não conseguia dizer os r’s nem os l’s“». Exacto, muito bem refere uma portuguesa esse fenómeno, trata-se de uma consequência da contaminação linguística; no caso, aliás terrível, dadas as consequências, as crianças portuguesas começam a deformar o seu “aparelho fonador” à semelhança do que sucede com os brasileiros — absolutamente incapazes de, por exemplo, articular “L” em posição final ou emitir sons de vogais “mudas” (átonas) .
- «havia o mesmo pânico social com os livros do tio Patinhas». Não, não havia nada, isso é uma mentira descarada, mais uma patranha para impingir o AO90 — e abolir a Língua Portuguesa — a incautos, ingénuos e demais “gente confusa”.
- «Português europeu e português brasileiro são duas vertentes da mesma língua». Não, já não são simples “vertentes” de coisa nenhuma. Português e brasileiro são línguas diferentes.
- «Não acho justo acusar a reportagem do DN de xenofobia». Pois sim. Outro dos truques característicos: não conseguindo ocultar o seu insuportável paternalismo (julgam-se superiores porque são «20 (vinte!) vezes» mais do que os “tugas”), este exemplificativo autor de pasquim zuca “concede” a extraordinária benesse de não achar “justo acusar”… aquilo que ele próprio, na mesma frase, acusa. Como referido no post anterior, também sobre esta sinistra telenovela brasileira, sucedem-se os enxovalhos e as provocações: de “xenofobia” a “racismo”, passando se calhar por “fascismo”, de qualquer rótulo são estes nacional-socialistas capazes para tentar eliminar na origem qualquer tipo de argumentação ou, pior ainda, a mais natural resistência à invasão estrangeira, o camartelo acordista.
- «na Inglaterra diante da influência avassaladora do inglês americano». A analogia habitual. Totalmente descabida, pois. Não existe a mínima similitude, a começar pelo facto de a Língua inglesa estar fixada há séculos (só a tugas e zucas ocorre amiúde brincar aos linguistas) e a terminar pela dimensão de um e de outro: em Inglês as diferenças são ínfimas (também definidas, coerentes e perfeitamente compatíveis), enquanto que a língua brasileira já se desligou em todos os aspectos da sua matriz original.
- «uma falada por 10 milhões de pessoas, a outra por uma multidão mais de 20 (vinte!) vezes maior». Supremacistas, portanto, e Q.E.D. Para este tipo de imperialistas inveterados e invertebrados, uma língua resume-se a contar cabeças (de gado); o “direito natural”, uma prestidigitação doentia que tanto jeito deu a Adolf Hitler para a “solução final“, não se aplica — de todo — a Língua alguma. Caso contrário, o próprio Brasil teria de “adotar” o Mandarim… porque os chineses são “10 vezes (dez!) mais do que eles”.
‘Miúdos’ que falam ‘brasileiro’ em Portugal
Sérgio Rodrigues
A reportagem publicada nesta quarta (10) no Diário de Notícias de Lisboa acrescenta uma página de comédia – agridoce, mas engraçada – ao novelão dos encontros e desencontros entre as variedades de português faladas aqui e em Portugal.
“Há crianças portuguesas que só falam ‘brasileiro’”, anuncia o título com alarme. O subtítulo explica: “Dizem grama em vez de relva, autocarro é ônibus, rebuçado é bala, riscas são listras e leite está na geladeira em vez de no frigorífico”.
O curioso fenômeno que faz os miúdos soarem como pequenos brasileiros tem explicação mais simples do que aquele abordado pelo escritor português Valter Hugo Mãe no romance “A Máquina de Fazer Espanhóis”. Afinal, a língua no presente caso é a mesma – ou não?
A reportagem resume assim o problema do deslocamento linguístico: “Os educadores notam-no sobretudo depois do confinamento – à conta de muitas horas de exposição a conteúdos feitos por youtubers brasileiros”.
Sim, a raiz do fenômeno está naquilo que “a maioria das crianças portuguesas vê nos ecrãs de tablet, computador ou telemóvel”. Luccas Neto, 36 milhões de seguidores, é citado como o principal desencaminhador linguístico de tuguinhas.
Como António, 4 anos, que “começou a dar sinais há já algum tempo. Ao princípio, a família até achava alguma piada à forma como ele falava (…). Mas à medida que o tempo foi passando, a educadora de infância começou a preocupar-se e foi dando sinais, porque o menino não conseguia dizer os r’s nem os l’s”.
Claro que há muito alarmismo e superficialidade nessa abordagem – como é habitual quando o jornalismo, espelhando o senso comum, trata de temas linguísticos –, para não falar do antibrasileirismo que parece andar em alta na cultura portuguesa. De todo modo, recomenda-se pôr a questão em perspectiva.
Será que pais brasileiros deixariam de se preocupar se, num hipotético – e impensável – caso reverso de imperialismo cultural via Youtube, seus herdeiros em idade pré-escolar começassem a engolir vogais e a chamar a camisa do Flamengo ou do Corinthians de camisola?
Não acho justo acusar a reportagem do DN de xenofobia, embora ela exale sem dúvida um nacionalismo rançoso. O texto até busca algum equilíbrio por trás do ar assustado.Seu maior mérito nesse sentido é dar voz à linguista Catarina Menezes, que relativiza o problema. “Quando eu era menina havia o mesmo pânico social com os livros do tio Patinhas, que era traduzido em português do Brasil”, lembra.
A professora propõe ver no caso uma oportunidade de ampliar a consciência das novas gerações sobre a linguagem, debatendo as diferenças com naturalidade em sala de aula, “porque aí também existe uma interculturalidade que não existia”.
Bingo. Como a que há na Inglaterra diante da influência avassaladora do inglês americano. Português europeu e português brasileiro são duas vertentes da mesma língua – uma falada por 10 milhões de pessoas, a outra por uma multidão mais de 20 (vinte!) vezes maior. Um amigo meu diz, com alguma maldade, que “sem o Brasil o português seria uma espécie de búlgaro”.
Estamos diante de um fato que não se pode abafar, com sua história complexa – o imperialismo sempre inclui a volta do cipó de aroeira – e suas oportunidades de inseminação cultural. Aos interessados no tema, recomendo a leitura do texto integral do DN, que está aberto a não assinantes.
[Transcrição integral de artigo publicado no jornal (exclusivamente online?) “Folha de S. Paulo” (Brasil) em 10.11.21., da autoria de um tal Sérgio Rodrigues (brasileiro). Não corrigi, evidentemente, a cacografia brasileira do original em brasileiro. Acrescentei “links” (a verde). Destaques e sublinhados meus. Figura de aparelho fonador de: Fonética e Fonologia (Brasil), Prof. Veríssimo Ferreira (brasileiro). Imagem de topo de: Pujolle, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons.]
[Nota: agradecimentos a Manuela Carneiro pela ajuda na tradução de brasileiro para Português.]