O assunto destas duas notícias não diz respeito a algo que tenha a ver directamente com o AO90; não no conteúdo, pelo menos; já quanto à forma como o tema é apresentado, isso sim, não só tem tudo a ver como ilustra perfeitamente, pela enésima vez, a inacreditável arrogância com que o Brasil ignora a CPLB por grosso e Portugal a retalho.
Trata-se de uma polémica actualmente muito em voga no Brasil e que em Portugal também já vai soltando alguns miados: o género “neutro”. Se bem que o género do próprio “género” seja masculino (não consta que exista “a génera”), e ainda que a génese do substantivo seja substantiva, o berbicacho apenas importa para alguma coisa, no âmbito do AO90, como ilustração da forma como uma ex-colónia portuguesa na América do Sul apossou-se da designação “língua portuguesa” para nomear a sua própria língua nacional, o brasileiro.
Essa forma, mais selvática do que meramente impositiva e ditatorial, impingida a Portugal e PALOP como sendo uma espécie de língua a que chamaram“univérsáu”, não passa de mero restolho da vasta e sinistra operação política inventada por uma quadrilha de “académicos”, políticos e idiotas úteis de ambos os lados do Atlântico. No que ao Brasil diz respeito, o AO90 não teve o mais ínfimo efeito nem implicou uma única alteração (na língua brasileira todas as alterações resultaram do “acordo” de 1945, nenhuma do rubricado em 1990), pelo que tanto no passado como hoje em dia é perfeitamente consequente que o Brasil continue a modificar a seu bel-prazer a língua que sempre foi a sua e que agora nomeia como sua propriedade (daí capitalizando dividendos políticos, estratégicos e económicos).
Não carecerá de grande destreza visual nem de especial acuidade neuronal detectar a carga ultra-nacionalista do discurso que se refere à sociedade… brasileira; ou as menções ao idioma… brasileiro; às “regras gramaticais… brasileiras; aos “acordos”… brasileiros. Portugal e PALOP não entram sequer em equação, não contam para absolutamente coisa alguma. O costume, portanto, uma evidência comezinha que entra pelos olhos dentro, por mais que jurem o contrário os vendidos, por mais que estrebuchem os “académicos” pagos e os políticos subornados.
Também como sempre sucede, até porque na língua brasileira o AO90 apenas “afetou” o que já tinha sido acordado em 1945, a actual polémica sobre a língua e o sexo (passe a obscenidade) incide exclusivamente em utilizar de novo o dito AO90 como arma de arremesso política (o que é, de facto), usando esse instrumento (passe novamente a mesma coisa) para efeminar e/ou tornar de repente machões determinados substantivos. Isto significa, portanto, que em breve também Portugal será contaminado pela maleita no sexo das palavras (idem), ditando o Brasil, enquanto potência colonial, como passará a ser obrigatoriamente a nova regra na sua colónia europeia e nos agora seus indigenatos africanos.
Este mais recente desiderato ditatorial — uma lindeza, aliás, como podemos constatar — fundamenta-se nuns trocadilhos a armar às gramáticas que teoricamente sustentam o direito natural dos donos da língua a torturá-la e a, depois de devidamente estropiada, entregá-la aos escravos das colónias para que a usem a chicote.
A respeito da pretensa relação directa entre o AO90 e as palavras e os palavros dizem os zucas: «esses acordos ocorrem de maneira natural e são atualizados pelo uso do dia-a-dia». O uso deles, é claro; o dia-a-dia deles, evidentemente; “atualizados” por eles, ora pois não; e “natural” o tanas, está bem de ver, mas adiante.
Mais “consideram”, no mesmo embrulho linguístico-político-ocioso, que «o acordo contempla a atualização da língua». Ah, mas que engraçado (salvo seja). Isto significa, então, que mudando a situação política no Brasil (o que não é nada costume, é até raríssimo, isso só acontece à média de quatro ou cinco vezes por década) muda também a língua brasileira, logo, muda o AO90, logo, Portugal que se desenrasque a “adotar” a mais recente cambalhota dos “coroné”. Lindo.
Acrescenta ao arrazoado com feijão uma obscura sumidade lá do pedaço que «a língua portuguesa começa com uma inclinação machista» e já não sei quem, ao certo, perdi-me no emaranhado de delírios, acrescenta que é preciso uma intervenção cirúrgica (coitado do idioma, aquilo deve doer à brava) para obter uma espécie de sacrossanta «“neutralização de gênero” da Língua Portuguesa [brasileira]».
Não adianta sequer tentar entender estas subtilezas e muito menos as respectivas miudezas. Todo este paleio desconchavado diz exclusivamente respeito ao Leblon, a Búzios e a outros destinos turísticos do género. O problema é que meia dúzia de turistas portugueses trocaram a sua identidade por uns quantos fins-de-semana em tão solarengas paragens.
E isso sobrou para nós. Todos e todas.
Língua Portuguesa se adapta à sociedade
Acordos ortográficos ocorrem de maneira natural aos acontecimentos da sociedade. Atualmente, discute-se sobre a inclusão do gênero neutro no idioma
por Alfredo Carvalho
m.leiaja.com, 16.21.21
Nesta quinta-feira (16), completam-se 31 anos desde que foi firmado o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor a partir de 2004. Por ser considerado um idioma vivo, as regras gramaticais costumam se adaptar aos atuais momentos da sociedade, o que torna comum a existência desses acordos.
Segundo o professor dos cursos de comunicação social da Universidade Guarulhos (UNG) e Doutor em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Inácio Rodrigues, esses acordos ocorrem de maneira natural e são atualizados pelo uso do dia-a-dia.
Por conta desses acordos, algumas regras da língua portuguesa foram modificadas no decorrer dos anos, entre elas, Rodrigues destaca o uso da supressão que foi retirado de algumas acentuações e a abolição da trema ( ¨ ). “Algumas acentuações em paroxítonas caíram e também alguns hifens (-)”, ressalta.
Apesar das mudanças, Rodrigues lembra que o mais importante é a maneira como o acordo contempla a atualização da língua, como por exemplo, uma das discussões que ganharam foco nos últimos tempos, que é a inclusão do gênero neutro no idioma. “A língua portuguesa começa com uma inclinação machista para este lado, uma vez que o latim por exemplo, possui o artigo neutro para definir aquilo que não é masculino ou feminino”, exemplifica.
Rodrigues explica que mesmo o alemão, que não é uma língua neolatina, possui o artigo neutro, enquanto a língua portuguesa, que tem como base o latim, não dispõe de opções para nomear o que não é nem masculino nem feminino. “Uma língua não evolui sozinha, e sim dentro dos procedimentos de uso dela em uma sociedade. Então, essa discussão de termos o artigo neutro, passou batida durante muito tempo”, afirma.
Agora que a pauta está em discussão, o professor espera que a língua abrace todos os gêneros. “A ideia é que o idioma seja inclusivo. A língua normativa, aquela que tem uma regra, é elitizada, excludente e possui essas características estranhas”, aponta Rodrigues. “Mas ao mesmo tempo, ela possui uma regra, que de uma certa forma, ordena um pouco o pensamento, principalmente quando saímos do nosso grupo linguístico e vai para outro”, complementa.
Por ser algo novo, Rodrigues salienta que o debate sobre a inclusão do gênero neutro na língua, causa um estranhamento na sociedade. “Eu considero viável, pois é necessário incluir as pessoas, inclusive linguisticamente. Só não podemos banalizar a discussão”, relata.
Para Rodrigues, se todos tivessem acesso a uma boa educação, que garantisse o entendimento das normatizações do idioma, seria um ganho para a sociedade. “Para isso, precisaríamos entender o uso da língua, os mecanismos textuais e gramaticais e as estratégias do texto, que estão ligados ao estudo do idioma, mas que infelizmente possui pouco acesso”, comenta.
O professor pontua que todo mundo deveria saber ler e escrever bem, além de dominar minimamente o idioma falado, para além do seu grupo linguístico. “Infelizmente, no Brasil temos as elites sociais, que possuem uma formação melhor e entendem melhor o texto. Eles terão mais acesso e mais estudos, com isso a língua se torna excludente, já que nem todo mundo tem acesso a essa formação”, lamenta Rodrigues.
[Transcrição ipsis verbis: jornal brasileiro, articulista brasileiro, portanto foi mantida a cacografia brasileira do original. Destaques, sublinhados e “links” meus.]
Pais decidem se unir contra o “gênero neutro” em escolas
Grupo lançou abaixo-assinado contra a medida após colégio no RJ promover a mudança
Após um colégio do Rio de Janeiro decidir inovar e adotar o “terceiro gênero” dentro da instituição, um grupo de pais resolveu promover um abaixo-assinado contra a “neutralização de gênero” da Língua Portuguesa dentro da instituição de ensino.
O documento pede a “não mudança da norma culta da língua Portuguesa em documentos e comunicados oficiais das escolas” por entender a medida “como um movimento de ‘ideologia de gênero’”.
O abaixo assinado ressalta ainda que “discursos ideológicos e com viés partidário dentro das instituições escolares tradicionais e apartidárias promovem maior polarização e dividem a comunidade escolar e a sociedade como um todo”.
A petição já conta com mais de 2.380 assinaturas e pode ser vista aqui.
NEUTRALIZAÇÃO DE GÊNERO
Em um comunicado, o Colégio Franco-Brasileiro, do Rio de Janeiro, informou que a “neutralização de gênero” foi adotada devido ao “compromisso com a promoção do respeito à diversidade e da valorização das diferenças no ambiente escolar”.No documento, o colégio explicou que a “neutralização de gênero gramatical consiste em um conjunto de operações linguísticas voltadas tanto ao enfrentamento do machismo e do sexismo no discurso, quanto à inclusão de pessoas não identificadas com o sistema binário de gênero”.
Eles também citaram como exemplos a substituição de “queridos alunos por querides alunes”, já que a mudança “passa a incluir múltiplas identidades sob a marcação de gênero ‘e’”.
O colégio, no entanto, deixou claro que “essa iniciativa não configura, absolutamente, a obrigatoriedade da adoção de estratégias de neutralização do gênero” por parte dos alunos e professores, “até mesmo porque a normatividade linguística inerente à redação de documentos oficiais ainda configura certa restrição a esses usos”.
[Transcrição ipsisverbis de página do jornal online (?) “pleno.news” (Brasil). Não datado. Jornal brasileiro, articulista brasileiro, portanto foi mantida a cacografia brasileira do original. Imagem: “Pleno.News” . Destaques meus.]
[Imagem/citação de Morgan Freeman de: “Joker Club” (Facebook). Imagem de cachaça: da marca.]