“O pai pobre”

Sísifo

Recomeça….

Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças…

Miguel Torga

 

O “acordo ortográfico” de 1990 veio destapar um caldeirão em que esteve a cozer em lume brando, durante quase dois séculos, uma mistela nauseabunda — espécie de arroz com feijão sem feijão e sem arroz — constituída por abundantes pedaços de ressentimento alucinado para com a “terrinha”, desprezo por Portugal, grandes nacos de desdém pelos portugueses e ainda, à laia de tempero, um fio de gordura vingativa por putativas malfeitorias que desde Álvares Cabral os tugas andaram e andam ainda por lá a fazer.

Tal pitéu, cuja receita e respectivas variantes é comum a outros países não muito civilizados, é o que de mais típico da gastronomia mental brasileira nos vão servindo alguns lacaios tugas, brasileiristas empedernidos, deslumbrados em geral, cobardes, vendidos e mercenários, numa vã tentativa de convencer as pessoas normais dos méritos (e da inevitabilidade) do por eles imensamente ambicionado II Império brasileiro (ou coisa que o valha).

O AO90 veio destapar o panelão fervente e expor as suas sobras gordurosas, desde sempre varridas para debaixo do tapete das conveniências, tornando-se assim ainda mais intolerável o enxovalho permanente, a tortura da História, a desonestidade e a maldade, em suma, dos agentes ao serviço dos interesses brasileiros. Esta conjuntura politicamente (isto é, economicamente) motivada inclui, à cabeça, uma tão bizarra quanto presumida unção divina para emporcalhar e insultar em total impunidade a nossa memória colectiva, a identidade, a singularidade, o carácter distinto e distintivo do povo português.

Dos traidores não reza a História. Por mais “argumentos” que inventem e por mais propaganda à mentira que façam, ainda assim, apesar de tudo, há sempre a limpidez resplandecente da verdade fazendo-lhes frente, há sempre resistência firme, há sempre alguém que diz não.

O Brasil tem vergonha da herança portuguesa. Parece não querer reconhecer o pai pobre”

, diz investigador

O jornalista Carlos Fino fala de uma vergonha inconsciente por parte do povo brasileiro, que tem uma tendência para não o reconhecer, no mais recente trabalho de investigação

cnnportugal.iol.pt, 01.01,22

A relação entre Portugal e o Brasil tem sido descrita como uma experiência de ambiguidades e geradora de estranhamento. O Brasil tem vergonha das origens portuguesas e os portugueses menosprezam a antiga colónia, são estas algumas considerações feitas no mais recente trabalho de investigação do antigo jornalista da RTP Carlos Fino, “Portugal-Brasil: Raízes do Estranhamento”.

Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, Carlos Fino fala daquilo que classifica como a existência de uma vontade de “apagar a importância da memória portuguesa” no Brasil, devido ao que diz ser umavergonha da herança portuguesa”.

Há vergonha da herança portuguesa, que é vista como tudo o que era mau, como a origem de todos os males. Rejeitando essa herança, o Brasil rejeita tudo o que é mau, porque há sempre esse lado mau em todas as coisas. Mas perde também todo o lado bom, e esse lado bom nunca é verdadeiramente assumido como sendo uma herança genuína brasileira”, insiste.

Fino diz ainda que essa vergonha não é algo consciente por parte do povo brasileiro e que é “até rejeitada”, particularmente pela “intelectualidade brasileira”, onde a “tendência é de não reconhecer isso”.

Outros dos factores destacados por Carlos Fino são as piadas depreciativas aos portugueses, que fazem com que haja sempre “um olhar por trás de um olhar”.

“Eu sei que, no fundo, assim que eu virar as costas, ou talvez mesmo na minha frente, haverá alguém que conte a anedota do português. Porque o brasileiro pode até perder o amigo, mas não perde a graça. O brasileiro parece que não quer reconhecer o pai pobre”, sublinhou.

Para o jornalista esse desconforto em relação à herança portuguesa deve-se também a uma ausência de debate do colonialismo em Portugal e destaca a marca de 40 anos de salazarismo e propaganda do Estado Novo no país, que exaltou continuamente os feitos heróicos dos portugueses.

[O texto em acordês (cacografia brasileira) no original foi corrigido automaticamente para Português-padrão pela solução Firefox contra o AO90. Destaques, “links” e sublinhados meus.]

Jornalista Carlos Fino lança obra “Portugal-Brasil: Raízes do Estranhamento”

Nova obra do jornalista português traz 500 páginas profusamente ilustradas com imagens de carácter histórico sobre a complexa relação Portugal-Brasil.

21 de Novembro de 2021
“Mundo lusíada”

Da Redacção

 

Uma tese de doutoramento em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho e pela Universidade de Brasília do jornalista português residente no Brasil, Carlos Fino, deu vida ao livro “Portugal-Brasil: Raízes do Estranhamento”.

Segundo o autor, a força da relação Brasil-Portugal por via da história, do sangue e da língua, por um lado, contrasta com a permanência de um sentimento de estranhamento e incomunicação. Confrontado com estas duas realidades contraditórias, quis aprofundar estudo nessas razões.

Em mais de 500 páginas profusamente ilustradas com imagens de carácter histórico sobre a complexa relação Portugal-Brasil, o autor estuda nesse passado comum as razões de um estranhamento e (in)comunicação, como por exemplo, cita um “sentimento anti-lusitano” que existe disseminado no Brasil.

O livro está em fase de pré-lançamento nos dois países pela Editora LISBON BOOKS – Livraria Atlântico.

Sinopse

A relação entre Portugal e o Brasil tem sido descrita como uma experiência de ambiguidades geradora de estranhamento. Se, por um lado, se reconhece existir proximidade histórica, por outro, é notório que o vínculo entre os dois países é muito menos intenso do que faria supor a partilha de uma mesma língua e um passado de três séculos de convívio sob governo comum.

Em nenhum outro lugar da sua aventura pelo mundo os portugueses se enraizaram tão profundamente como no Brasil, Apesar disso, há já dois séculos, o desfasamento dos respectivos discursos culturais – ambos marcados pelo ressentimento – não podia ser maior: o Brasil sempre procurando obliterar a memória da sua inegável raiz lusitana (“o acto fundador português”, na expressão de Eduardo Lourenço) e Portugal, numa perene nostalgia imperial, repetindo sem cessar os lugares comuns dos “laços de sangue” que os brasileiros simplesmente recusam ou não querem recordar.

Foi esta percepção genérica que motivou o trabalho de investigação apresentado na obra de Carlos Fino; inspirado, por um lado, pela constatação de Amado Luiz Cervo de que “algo especial governa as relações entre Brasil e Portugal, parceria eternamente inconclusa” e pela interrogação que o historiador brasileiro se coloca e fizemos nossa: “Que mistério existe a desafiar a compreensão das relações bilaterais?”

Por outro lado, como escreveu Maria de Lourdes Soares, se há ainda, em termos de distância cultural, “tantas léguas a nos separar, tanto mar”, conforme versos de Chico Buarque, como fazer desse mar tamanho “um mar que unisse, já não separasse”, como sonhou Pessoa?”

Conclusões

Na Universidade do Minho, quando da apresentação do estudo, Carlos Fino falou das principais conclusões sobre o projecto de investigação.

“Primeira: o facto de a nacionalidade brasileira ter no seu DNA – como detectamos ao longo da investigação – um sentimento anti-português que sempre tem sido cultivado desde a independência até hoje, sobretudo através do sistema de ensino, de onde saem gerações sucessivas de brasileiros com uma péssima imagem de Portugal (apesar de um corrente lusófila igualmente presente na sociedade)” disse o autor ao jornal NOS da UMinho.

“Segunda conclusão: a necessidade de Portugal ter isso presente na relação com o Brasil, sobretudo em termos de políticas de comunicação, se quiser que esse sentimento anti-lusitano seja atenuado ou mesmo ultrapassado. Até hoje, essas políticas têm sido muito deficitárias. Há um verdadeiro apagão mediático português no Brasil. Para se mudar essa situação impõe-se a elaboração de uma estratégia de aproximação de longo prazo e de longo fôlego, que vá além das efemérides e dos falsos ditirambos económicos oficiais. E aí, no meu entender, a Academia poderia ter um papel crucial no sentido de congregar esforços de todos os sectores envolvidos: governantes, homens de negócios, jornalistas, diplomatas… sem esquecer, claro, a forte comunidade portuguesa. Em qualquer caso, é urgente mais comunicação entre Portugal e o Brasil”.

Em entrevista ao Mundo Lusíada, o jornalista Carlos Fino falou mais sobre o assunto em 2019, quando defendeu ser preciso combater o “persistente estranhamento Portugal-Brasil”.

[O texto em acordês (cacografia brasileira) no original foi corrigido automaticamente para Português-padrão pela solução Firefox contra o AO90. Destaques, “links” e sublinhados meus.]

«O jornalista português Carlos Fino nasceu em 1949, em Lisboa, mas viveu a sua infância em Fronteira, no Alto Alentejo. Apesar de licenciado em Direito, acabou por optar pela carreira de jornalista, na qual se estreou no início dos anos 70. Destacou-se como repórter de televisão, ao serviço da Radiotelevisão Portuguesa. Começou a ser conhecido dos portugueses através do trabalho que desenvolveu em Moscovo (1976-1982), na ex-União Soviética, onde era correspondente do canal estatal português. Foi correspondente na era do presidente Leonid Brezhnev. Regressou depois a Portugal mas em 1985, com a chegada de Mikhail Gorbachev à liderança da União Soviética, voltou a Moscovo como correspondente da RTP. A partir da capital soviética acompanhou as grandes mudanças políticas que se operaram na época que levaram aos desmantelamentos da União Soviética e ao renascimento da Rússia. Foi também chefe da delegação e correspondente da RTP em Bruxelas e em Washington. Posteriormente, regressou a Portugal, mantendo-se sempre como jornalista da RTP. No canal estatal apresentou telejornais e foi, entre 2000 e 2002, subdirector de informação. No entanto, destacou-se principalmente como correspondente de guerra. Assim, esteve presente na primeira guerra da Tchetchénia, em 1994, no Kosovo, em 1999, e no Afeganistão, em 2001. Carlos Fino movimentou-se com bastante à-vontade nestes cenários de guerra por saber falar russo, língua que aprendeu enquanto trabalhou em Moscovo. Em Março de 2003, quando começou a Guerra no Iraque, Carlos Fino estava destacado pela RTP em Bagdade. Na altura em que as forças norte-americanas iniciaram os bombardeamentos, na madrugada de 20 de Março, o jornalista estava a transmitir em directo a partir da varanda do quarto do hotel onde ficou hospedado. Foi o primeiro jornalista do mundo a noticiar o acontecimento e com imagens em directo através de videofone. Este feito foi destacado em diversas televisões internacionais e teve grande repercussão no Brasil, onde Carlos Fino se tornou famoso e foi proposto para cidadão honorário de Brasília. Recebeu, entre vários outros prémios, o Grande Prémio de Jornalismo do Clube Português de Imprensa.» [WOOK]

 

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