Anatomia da escrita

A caligrafia desperta na opinião pública, salvas as devidas distâncias, uma atitude semelhante àquela que a própria ortografia suscita, em especial, no sistema de Ensino: à tradicional indiferença por tudo o que vagamente pareça “antiquado” (ou anacrónico) junta-se a atávica (ou congénita) aversão pelo que “dá trabalho”. Pura preguiça, portanto, mistério nenhum, o que aliás explica o consequente desprezo político a que é votada a Língua Portuguesa.

No sistema de Ensino, notoriamente, a classe docente aplaude com um entusiasmo distraído quaisquer “inovações” que substituam as anteriores, por mais imbecis e inúteis que sejam (aliás, imbecilidade e inutilidade são requisitos básicos para os experimentalismos tipo coiso, buéda fixe), inventados em série por uns quantos “pedagogos” e por não menos “psicólogos”, todos eles super-hiper-qualificados pela Universidade do Principado da Pontinha.

Desta mescla de indiferença e bovino seguidismo resultou a aprovação do AO90 e o subsequente enxerto da aberração em todos os níveis de Ensino. Tal inimaginável pesadelo jamais poderia ter sucedido sem a criminosa conivência dos professores, com sérias agravantes no que toca aos que leccionam a disciplina de Português, cuja intolerável passividade permitiu a consumação do… estropício.

Uma língua é um corpo nacional distinto, é a presença, a memória, o carácter, a identidade do seu povo. Nessa identidade a ortografia é tão estruturante como o esqueleto no ser-humano. Nenhuma amputação ou enxerto algum poderá provocar outra reacção orgânica que não a da imediata (e por vezes violenta) reacção de rejeição.

Daí a urgência de que se iniciem desde já as inúmeras tarefas necessárias à reconstrução da Língua Portuguesa que meia dúzia de políticos transitoriamente poderosos decidiram adulterar gravemente e dela oferecer os restos a uma potência estrangeira.

Tenham lá santa paciência os viciados em mandamentos da fé Botabaixo (ah, isso não dá nada, ah, isso é muito antigo, ah, isso ninguém liga nenhuma), mais tarde ou mais cedo vão ter mesmo de reagir, o que implica fazer alguma coisinha (ui, que horror, sim, bem sabemos, isso é como o barbeiro arrancar dentes). Mal-grado a indolência generalizada, será necessário começar… pelo princípio, o “bê-á-bá”. Ou seja, como já anteriormente aqui esboçado, a Ortografia no Básico, usando a Caligrafia como forma de abordagem (ou “estratégia pedagógica”, em linguagem ministerial).

Afinal, seria talvez interessante que ao menos por uma vez os responsáveis portugueses e os 2% da população a quem a questão interessa fizessem de facto algo, em vez de apenas arrotar a postas de pescada linguística, e que finalmente deixassem de armar aos cucos passando a enfrentar o assunto em vez de se dedicarem à pesca de “aberrações”, “contradições flagrantes” e outros peixinhos escorregadios que são só espinhas…

 

A Beleza da Escrita

A escrita manual, especificamente a escrita cursiva, acciona o nosso sistema cognitivo permitindo que as aprendizagens aconteçam de forma mais orgânica.

Maria Paula Branco
“Público”, 23 de Janeiro de 2022

“Treinar a caligrafia é treinar uma forma de destreza motora para o desenho do grafema, mas também uma forma de literacia visual” EleniKoureas/Unsplash

 

No Dia Mundial da Escrita à Mão proponho uma breve reflexão sobre as vantagens deste tipo de escrita para crianças e jovens. Como é sabido, o termo caligrafia tem origem na palavra grega Καλλιγραφια, constituída por: Kalli (que significa beleza) e Grafia (que significa escrita). Assim, caligrafia terá como significação a beleza da escrita.

Essa beleza, porém, tal como sucede com o avanço da idade em todos nós, tem vindo a perder predicados.

Diferentes estudos realizados concluem pela importância da escrita à mão, visto tratar-se de um exercício psicomotor com as vantagens adicionais de activar partes do cérebro e de gerar ideias, que fluem com mais facilidade e rapidez, permitindo-nos expressar os sentimentos e emoções mais livremente.

Num estudo recente (2020), levado a cabo por investigadores da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, “escrever com as mãos ajuda as crianças a aprenderem mais e memorizarem melhor”. Os resultados desta investigação mostram que “o cérebro tanto nas crianças quanto nos jovens adultos fica muito mais activo quando escrevem à mão”.

A escrita manual, especificamente a escrita cursiva, acciona o nosso sistema cognitivo permitindo que as aprendizagens aconteçam de forma mais orgânica.

Treinar a caligrafia é treinar uma forma de destreza motora para o desenho do grafema, mas também uma forma de literacia visual. Por tais razões deve promover-se nas crianças a capacidade de conhecer bem a forma das letras para as escrever, com rigor e proporcionalidade, dentro de um texto, para além de permitir uma melhor compreensão e apreensão de novos conceitos.

Estudos demonstram, por outro lado, que as crianças que praticam a escrita manual não só desenvolvem melhor a leitura como a ortografia, uma vez que os movimentos necessários à escrita manual ajudam a formar representações ortográficas na memória.

O uso de papel e lápis proporciona às crianças informação acrescida, que lhes permite consolidar essas mesmas memórias.

As crianças aprendem mais e lembram-se melhor do que estudam quando escrevem à mão. Está mais que provado, cientificamente, que o estudo, a memorização e expressão ocorrem de forma mais orgânica quando escrevemos à mão. Os movimentos necessários à escrita manual ajudam a formar representações ortográficas na memória.

É verdade que, com o advento das novas tecnologias de comunicação, foi-se perdendo o hábito da “escrita à mão”, assim como o da leitura em suporte papel. Sucede mesmo, em alguns países, que as crianças já aprendem a escrever usando o computador, tornando a letra e a sua escrita cursiva como algo quase desconhecido.

Na Noruega, um estudo recente (conduzido em 2020) aponta para a necessidade de se adoptarem medidas nacionais, de modo a garantir que as crianças recebam um mínimo de treino de escrita cursiva, porquanto os resultados obtidos garantem que as aprendizagens e memorizações são mais significativas pela escrita à mão do que utilizando o teclado.

Perante este problema, neuro-investigadores e psicopedagogos concluíram que escrever à mão proporciona imensas vantagens face à escrita no teclado.

Qualquer de nós, indivíduo adulto, que utilize a escrita num teclado, quer no telefone, no tablet ou no computador (dispositivos cada vez mais sofisticados e dispondo de teclados confortáveis para uma digitação mais fluida), estranha e sente já algum desconforto (parece ter “desaprendido”) ao ensaiar a escrita cursiva.

É interessante verificar que, no auge dos ecrãs e dos teclados, tem aumentado o número de workshops destinados a pessoas interessadas em treinar a caligrafia e o lettering em busca do reencontro com a arte de comunicar através do suporte papel.

Diferentes estudiosos observam que os movimentos sequenciais da mão utilizados na escrita activam regiões do cérebro responsáveis pelo pensamento, linguagem e memória e deve ser praticado ao longo da vida.

Isto não significa, contudo, que a aprendizagem através de suporte digital não tenha aspectos positivos. A questão é que a escrita cursiva não deve ser abandonada.

Quando a criança escreve num teclado, exerce-se o mesmo tipo de movimento e a mesma pressão para qualquer letra. A escrita à mão requer uma coordenação óculomanual e exercita todas as capacidades envolvidas na motricidade fina. A pressão gráfica exercida sobre o lápis e o papel faz com que se ganhe maior destreza e maior velocidade de movimentos na escrita.

Vivemos cercados de letras e não conseguimos deixar de as ler, sempre que as olhamos, mesmo que distraidamente.

Então, porque não as continuamos a desenhar, manualmente?

Directora-executiva do Instituto para o Desenvolvimento Social

[Transcrição integral (incluindo imagem). Destaques e “links” meus,]

Já perdeu o hábito de escrever à mão? Neuro investigadores garantem que traz (muitas) vantagens face à escrita no teclado

“HumanResources” (sapo.pt)

 

Neuro-investigadores e psicopedagogos consideram que escrever à mão traz inúmeras vantagens face à escrita no teclado. Diferentes estudos defendem que os movimentos sequenciais da mão utilizados na escrita manual activam grandes regiões do cérebro responsáveis pelo pensamento, linguagem, cura e memória.

 

Por isso mesmo, e tendo como mote o dia mundial da Escrita à Mão, que se assinala amanhã, dia 23 de Janeiro, a BIC, marca de esferográficas e artigos de papelaria, revela seis motivos para promover a escrita manual, tanto entre os mais novos como nos adultos.

1. Melhora o desenvolvimento cognitivo das crianças e a alfabetização
Escrever à mão revela-se essencial para o desenvolvimento cognitivo das crianças, uma vez que activa o cérebro mais do que o teclado e envolve habilidades motoras e cognitivas mais complexas. Especialistas acreditam que o acto de formar letras à mão, enquanto se aprendem os seus sons, activa circuitos de leitura no cérebro, promovendo a alfabetização. Da mesma forma, a escrita à mão é também uma habilidade fundamental para um bom desempenho nas matemáticas.

2. Ajuda a ter uma maior capacidade de compreensão na leitura
Dominar a escrita à mão activa a percepção visual das letras, o que contribui para ler com maior fluidez e alcançar uma melhor compreensão dos textos. Por outro lado, as crianças que apresentam dificuldades em dominar a escrita à mão tendem a produzir um trabalho escrito pouco satisfatório, sendo-lhes difícil detectar e corrigir os seus próprios erros. Adicionalmente, a escrita deficitária pode levar a que o conteúdo seja pouco inteligível, mesmo que tenha qualidade, prejudicando no momento da avaliação.

3. Melhora a memória e o processo de aprendizagem
De forma similar à meditação, a escrita à mão aumenta a actividade neuronal em determinadas secções do cérebro, estimulando-o, e mantendo a sua massa cinzenta em forma, o que ajuda na hora de aprender. Deste modo, diferentes estudos apontam que melhora a memória, de tal forma que quando novos conceitos são trabalhados através da escrita manual em vez do teclado, são mais facilmente retidos.

4. Facilita um melhor conhecimento da ortografia
Alguns estudos demonstram que as crianças que praticam a escrita manual não só desenvolvem melhor a leitura, como também a ortografia, pois existem cada vez mais dados que asseguram que um componente motor pode estar mais envolvido na aquisição ortográfica. Assim, os movimentos específicos memorizados ao aprender a escrever ajudam a formar representações ortográficas na memória.

Além disso, a investigação divulga que a aprendizagem da ortografia é mais eficiente quando é mediada pela escrita à mão do que por outras práticas (como a ortografia em voz alta).

5. Favorece uma maior facilidade e fluidez na redacção de textos
Investigações revelam que a fluidez na escrita está fortemente relacionada com a qualidade e complexidade dos textos dos alunos. Em especial a escrita cursiva (ou itálica), pode activar regiões do cérebro vinculadas com a fluidez da linguagem.

6. Fomenta a criatividade e o relaxamento
A escrita à mão reduz as distracções aumentando o foco e fomentando a criatividade. Através da caligrafia histórica e artística, por exemplo, procura-se satisfazer o impulso de criar algo com as mãos sem intermédio de teclados ou ecrãs, nem a possibilidade de carregar no botão apagar, prática que se converte numa total desconexão digital. Assim, além dos benefícios no âmbito educativo e académico, o acto de praticar a caligrafia é para muitas pessoas uma actividade relaxante.

[Transcrição integral (incluindo imagem, sem menção de autoria). Gralhas em brasileiro corrigidas. Sublinhados meus.]

[Imagem de “Caderno de Caligrafia” de: “Edicare“.]

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