Dia: 17 de Março, 2022

“Silêncio escuro de lagoa morta”

«Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.» [Guerra Junqueiro, in ‘Pátria’ (1896)]


Para entender as três “notícias” que se seguem é necessário armar-se a gente de algum arsenal de paciência e de ao menos um módico de perspicácia. O trivial, portanto; a coisa é tão evidente que até dói, salvo seja.

Tanto as “novidades” do “Expresso das Ilhas” como (ou principalmente) a “local” do “Observador” — um dos mais activos órgãos de propaganda e contra-informação governamental — surgem do factor comum habitual, ou seja, através de despachos da Agência Brasilusa (a central oficial de intoxicação e de lavagem ao cérebro), denotando estes de novo o seu habitual esforço para disfarçar a realidade e mascarar as mentiras de Estado com o disfarce da “língua universau” e sob a capa de um “acordo” fictício. As aberrações do costume, portanto, mas estas — se lidas em sequência cronologicamente inversa — sem deixar qualquer margem a que os “distraídos” (tipos que não querem “guerras com o Brasil” e lindezas assim, como se tais guerras existissem fora das suas moleirinhas) finjam que por distracção algo se lhes escapou. Por mais que tentem, com essas mais do que evidentes declarações de intenções, os anjinhos “pacifistas” que se dizem anti-AO90 e tudo não podem desta vez escapar às reais intenções da pseudo-linguística golpada ou iludir as reais intenções (exclusivamente económicas) da diplomacia brasileira e dos colaboracionistas domésticos.

  1. Em 17 de Julho de 2021, na 13.ª Cimeira da CPLB, em Luanda, é “assinado” entre os Estados-membros (quantos deles, ao certo, não consta, mas também não interessa para nada) o Acordo de Morbilidade, garantindo que, por exemplo, um português possa emigrar para a Guiné Equatorial.
  2. Em 12 de Fevereiro de 2022, o “acordo de morbilidade” foi aprovado pelo equivalente — em todos os aspectos, incluindo negociatas de bastidores, corruptos, roubos de “colarinho branco” — que no Brasil faz as vezes do Parlamento tuga. Esta aprovação «seria suposto demorar seis meses, mas foi rápido», dizem os próprios.
  3. 7 de Março de 2022, o «Brasil conclui ratificação do acordo de mobilidade da CPLP e coloca Portugal como prioridade». Na mesma data é “anunciado” (mais propaganda, mais areia p’rós olhos) que o gigantone sambístico «passa a ser o sexto país da CPLP a concluir o processo de adesão ao Acordo» de morbilidade.

Ou seja, em conclusão, a incrível pressa com que homens de negócios brasileiros e portugueses esgalharam este outro “acordo” — apenas oito meses desde a redacção até à assinatura, coisa que é certamente record mundial — demonstra claramente aquilo que por diversas vezes aqui foi bem mais do que exposto, denunciado e esclarecido: a ganância desenfreada é aquilo que exclusivamente move políticos e empresários e foi apenas com essa finalidade objectiva (o petróleo e os diamantes de Angola, o gás natural de Moçambique, Portugal como porta dos fundos para excedentários) que o AO90 foi literalmente inventado, tentando dessa forma conferir algum lustro “académico” e “cultural” à Comunidade dos Países de Língua Oficial Brasileira (CPLB).

A pressa extraordinária em fazer sair esta espécie de lei é só por si extremamente reveladora e ainda mais tresanda a vigarice caso atendamos ao facto de, sem qualquer espécie de transição, nos textos dos despachos dos propagandistas de serviço, passar-se das expressões ocas do costume sobre “Línguas, Cultura, Ciência e Inovação, Educação, Ciência e Cultura, Língua Portuguesa” para o verdadeiro busílis da questão: “Comércio Exterior, Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, ministros da Economia, Finanças e Comércio“. Ou seja, os textos passam de repente do paleio rotineiro sobre a língua brasileira para aquilo que realmente interessa aos vendilhões de pátrias — o dinheiro. Não o dinheiro em migalhinhas, que isso ficará para as comissões dos vendidos portugueses, mas o dinheiro à séria, largas centenas ou milhares de milhões em que se banharão os Tios Patinhas da “metrópole” brasileira.

Desta vez, para esta expedita aldrabice, não serviu de nada a regra de três Estados subscritores valerem por todos os oito (agora nove) que os acordistas e brasileiristas inventaram para aprovar o AO90 à força. Mais uma vez se demonstra que aquilo foi um expediente ad-hoc: serviu exclusivamente naquela data fatídica e, arrancado a ferros o efeito pretendido (a imposição da cacografia brasileira a toda a CPLB), nunca mais a “regra” voltou a ser utilizada.

É portanto natural que o tal Zacarias, o actual capataz do Brasil na CPLB, tenha proferido uma “curiosa”, lapidar “sentença”, sublinhando «a rapidez com que o acordo de mobilidade foi ratificado pelo Brasil: “Em tempo recorde”».

Brasil é o sexto país a ratificar Acordo de Mobilidade da CPLP

 

“Expresso das Ilhas” (Cabo Verde), 7 de Março de 2022

 

“O Ministro das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil, Carlos Alberto França, vai visitar a sede da CPLP (…) para efectuar o depósito do instrumento de ratificação pela República Federativa do Brasil do Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados-Membros da CPLP”, assinado a 17 de Julho de 2021, na cimeira de Chefes de Estado e de Governo, em Luanda, referiu um comunicado da organização.

Assim, o Brasil passa a ser o sexto país da CPLP a concluir o processo de adesão ao Acordo de Mobilidade, que já foi ratificado e completado também por Cabo Verde, Guiné-Bissau, Portugal, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

Esta iniciativa será também um dos pontos altos da agenda do primeiro dia da visita oficial a Portugal do chefe da diplomacia brasileira.

Na sede da CPLP, hoje, o ministro das Relações Exteriores do Brasil “vai ser recebido pelo secretário-executivo, Zacarias da Costa, numa cerimónia que contará também com a presença dos representantes permanentes dos Estados-membros junto da CPLP”, adianta ainda a nota daquela organização emitida sexta-feira.

Carlos Alberto França sublinhou na mesma ocasião que Brasília queria reforçar o seu papel na CPLP e pagar as contribuições em atraso num horizonte de dois anos.

[“Links”, sublinhados e destaques a verde meus.]

Brasil conclui ratificação do acordo de mobilidade da CPLP e coloca Portugal como prioridade

Agência Lusa
“Observador”, 7 de Março 2022

 

O Brasil tornou-se esta segunda-feira o sexto membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) a aderir ao acordo de mobilidade, após depositar o instrumento de ratificação na sede da organização, e colocou Portugal como prioridade para parcerias.
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