Quantos são, quantos são?
Já vimos, no post anterior, que as (apenas) três fotos divulgadas sobre a pretensa “xenofobia” visando estudantes brasileiros da Universidade de Lisboa não passam, afinal, pelo menos duas delas, de simples aldrabice, desinformação, Internet memes, montagem e composição de conteúdos por definição falsificados.
XENOFOBIA NÃO É PIADA! Após um ataque xenofóbico contra estudantes brasileiros da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em Portugal, um protesto em frente a instituição foi realizado hoje, para denunciar a incitação à violência e o discurso de ódio. pic.twitter.com/QHhgiLvLJp
— Mídia NINJA (@MidiaNINJA) May 2, 2019
A histeria colectiva suscitada por esse acto provocatório — ao qual os órgãos de comunicação social portugueses deram imensa atenção, sem hesitar, sem pestanejar, sem investigar coisa alguma — enquadra-se numa perspectiva mais geral do vasto plano delineado em “navegação à vista” sobretudo a partir de 1986.
Assim, será com certeza de toda a conveniência, para que se entenda claramente o que se está a passar e em que ponto do dito plano estamos agora, apurar — além dos pressupostos e motivos subjacentes — de que “universo” estamos a falar, ou seja, quantos são ao certo não apenas os universitários mas também, de forma abrangente, quais são os totais e que implicações terá mais esta convulsão social em concreto. Como é do mais básico senso comum, a ocorrência de conflitos varia na razão directa do número de potenciais envolvidos. Portanto.
Segundo a peça do jornal “O Globo” de 17.12.21, transcrito na 1.ª parte desta pequena série “temática”, a coisa varia… muito. Muitíssimo. Imenso.
«A comunidade que vive no país supera os números oficiais e, na realidade, é muito maior que os dados expostos nas planilhas dos órgãos do governo.
Segundo o último relatório do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), existem 183.993 brasileiros residindo de maneira considerada oficial, com documentos válidos.
Mas a conta do SEF só vai até dezembro de 2020 e exclui brasileiros com cidadania portuguesa e europeia que residem no país. Também ficaram de fora os brasileiros em processo de regularização.» [“O Globo” (Brasil)]
É praticamente impossível deslindar dados em falta, gráficos desgarrados (ou “enfeitados”), relatórios confusos e desactualizados, números sem ponta por onde se lhes pegue, estatísticas paradas há três anos nalguns sítios e outras maroteiras do género.
Mas podemos tentar apurar alguma coisa, ainda assim, com tempo e estudo, cruzando cifras e desmontando verborreias de campanha quando ou se for o caso.
Pelo “Gabinete de Estratégia e Estudos” do Ministério Que Está Sempre A Mudar De Nome não vamos lá. E nem ajuda, de tão obsoletos são os dados e tão paralíticos são os automatismos.
No I.N.E. ainda só há dados provisórios do Census 2021 e nada (pelo menos nos quadros ou por busca) sobre a população estrangeira no país.
Podemos tentar o excelente serviço Pordata. A começar pelo seguinte quadro que, apesar de ir só até 2020, é fidedigno e permite extrapolar resultados em progressão geométrica.
Isto é um ponto de partida mas ainda não chega, de todo, para apurar, ignorando especulações e “cenários” manhosos, afinal “quantos são”.
Voltando a”O Globo”, mais adiante, como sempre por palpite e a ver se cola, dizem que…
«Portugal só fica atrás dos Estados Unidos (1,7 milhão) em número de expatriados. Segundo o Itamaraty, são 276 mil brasileiros em Portugal, quase 100 mil pessoas a mais que no relatório do SEF.»[“O Globo” (Brasil)]
Ora então, mesmo que apenas presumindo que estes dados não são totalmente inventados, vejamos o que representa uma correspondência “estatística” de ordem de grandeza. Uma “regra de três simples” (mas simples que até chateia) comparando — como se fosse possível comparar caganitas com nêsperas — a dimensão geográfica e a população total dos Estados Unidos da América com ambas as “contas” no que diz respeito a Portugal:
USA: 0,52% (1,7/329,5) – 9.834.000 km²
PT: 2,6% (0,276/10,345) – 92.212 km²
Ou seja, números redondos, para um território 107 vezes maior e com população que monta a 32 vezes a de Portugal, o Brasil exporta para os EUA o equivalente a 0,52% (1,7 milhões) da população americana (329,5 milhões), enquanto que em Portugal já estarão 276.000 — 2,6% da população portuguesa.
Então… e se afinal não forem apenas 276 mil para 10 milhões e 300 mil? E se forem, como aliás adiantam alguns jornais brasileiros (veremos isso mais adiante), “o dobro das estimativas oficiais”? Serão, no fim de contas, 5,2% de toda a população com passaporte português?
Uma das tácticas políticas mais “batidas” é aldrabar os números. Outra, ainda mais antiga, é demonizar quem se atrever a sequer pestanejar perante as aldrabices; é no âmbito dessa demonização que surgem os rótulos insultuosos (racismo, xenofobia, preconceito) cuja única finalidade é tentar intimidar seja quem for que sequer tente escapar ao rebanho de gado vacum ou da récua de asnos que os DDT pastoreiam. E há ainda uma terceira técnica — cada vez mais pujante, em conformidade com o avançar da ditadura do “pugresso” — que é a (auto-)vitimização, o que sucede quando determinado grupo, tipo ou camada social faz render o seu peixe da espécie Threnu Asininus, tentando alcançar à força de baba e ranho determinado tipo de benesses.
Alinhando os factos mais evidentes de toda a trama obtemos como conclusão a relação de causa e efeito — passo a passo, numa sequência absolutamente nada casual — não apenas das etapas do plano inicial que já foram ultrapassadas como também daquelas que estão em curso e… das que logicamente se seguirão.
Das quais a mais óbvia está contida no artigo de seguida transcrito. O qual merece, evidentemente, não apenas a devida reflexão (consequente) como também, ou principalmente, uma análise minimamente inteligível — “traduzindo” para a corrente a linguagem jurídica da autora — que por fim explique o que há largos anos aqui se escreve sobre as duas verdadeiras finalidades do AO90.
As principais alterações ao Regulamento da Nacionalidade em 2022
“Advocatus” (em eco.sapo.pt), 04.04.22
Ana Sofia LamaresDe salutar a Apensação de Processos de requerentes ligados pelo casamento ou união de facto, adopção ou parentesco, de forma a aproveitar actos, diligências e documentos comuns.
Uma das principais inovações introduzidas pelo Decreto-Lei 26/2022 ao Regulamento da Nacionalidade (RN), é a tramitação electrónica de processos, que apenas será obrigatória para advogados e solicitadores.
O sistema será concretizado por Portaria, mas é já certo que os documentos apresentados por advogado têm força probatória de original, devendo os documentos em papel ser por estes conservados por dez anos.
De salutar a Apensação de Processos de requerentes ligados pelo casamento ou união de facto, adopção ou parentesco, de forma a aproveitar actos, diligências e documentos comuns.Realço ainda o alargamento dos prazos dos requerentes e a dispensa de tradução de documentos em inglês, francês ou espanhol, que antes era “sugestão” e agora é regra.
A conjugação destas medidas levará à diminuição do tempo e maior transparência na tramitação.
Regulamentaram-se matérias, que apesar da “surpresa” de alguns, já tinham sido determinadas na alteração à Lei da Nacionalidade (LN) em 2020, destacamos:
Quanto à nacionalidade originária:
- Os artigos 10.º e 70.º do RN (al. f) no n.º 1 do artigo 1.º da LN) quanto ao nascido em Portugal filho de estrangeiro que no momento do nascimento, residia legalmente ou, independentemente do título, há um ano em Portugal e a confirmação da aplicação retroactiva aos que nasceram após a LN de 1981.
- O artigo 10.º- A (al. d) do n.º 1 do artigo 1.º da LN) quanto ao neto de português originário que não tenha perdido a nacionalidade, ficando claro que a ligação efectiva se basta com o conhecimento suficiente da língua portuguesa.
Estes já desde 2020 têm vindo a ser, e bem, tramitados pela Conservatória, todavia, consideramos de máxima importância o novo
- n.º 2 do artigo 36.º do RN (al. g) do n.º 1 do artigo 1.º da LN) quanto aos “indivíduos nascidos no território português e que não possuam outra nacionalidade” pois a Conservatória tem vindo a exigir que comprovem que “não têm direito a pedir” além do “não possuam”. A previsão de que após 3 meses sem resposta dos países com quem o interessado tenha conexões relevantes se presume a não aquisição, demonstra que o legislador não pede demonstração de não ter direito, mas somente de não ter outra nacionalidade.
Quanto à naturalização:
- Os novos artigos 20.º-A, 24.º-B e 24.-C regulam as novas formas de naturalização na LN no artigo 6.º, n.ºs 3, 8 e 9, quanto a criança ou jovem com menos de 18 anos, acolhido em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado; estrangeiro que resida em Portugal há pelo menos 5 anos e que tenha filho que seja português originário; cidadão que nasceu nas ex-colónias e que a 25.04.1974 residia em Portugal há menos de 5 anos.
- O artigo 20.º regula o artigo 6.º, n.º 2 da LN, confirmando a tendência de aligeirar de requisitos aos menores nascidos em portugal, à semelhança do al. f), do n.º 1, do artigo 1.º, supra.
- O artigo 24.º-A, entre outras coisas veio determinar como os descendentes de Judeus Sefarditas devem demonstrar a ligação efetiva a Portugal.
Quanto à Aquisição:
Aplaudimos o n.º 2 do artigo 57.º, que relativamente à ligação efectiva com a comunidade nacional, isenta os adoptados antes da LN de 1981 (artigo 29.º LN) dessa pronúncia – antes não estavam isentos pois o artigo 16.º do RN que determina que os adoptados adquirem a nacionalidade “por mero efeito da lei” e não por “vontade” se aplica apenas aos adoptados após a LN de 1981 (artigo 5.º LN).
Sobre a prova de ligação efectiva, o n.º 3 do mesmo artigo reitera que oposição à nacionalidade não se aplica quando o casamento ou união de facto decorre há seis anos, nem quando há filhos com nacionalidade portuguesa, mas também notamos alterações na presunção de ligação efectiva dos números 4 e 5 do mesmo artigo.
Finalmente, destacamos negativamente e com preocupação, a alteração ao artigo 56.º do RN, que prevê que o prazo de um ano para dedução de oposição à nacionalidade se conta da data do registo da aquisição da nacionalidade, em vez da “data do facto de que depende a aquisição da nacionalidade”, que era a data do pedido e sempre antes da concessão da nacionalidade.
[Transcrição integral. Autoria: Ana Sofia Lamares. Publicação: “Advocatus” (em eco.sapo.pt), 04.04.22. Destaques meus.]