B de Bechara. Este código também poderia ser “batizado” com a inicial do nome de “batismo” do outro “batista” e “batizador” da língua universal brasileira em Portugal; seria nesse caso o código M, de Malaca, o Casteleiro.
Sintetizando uma longa e muito mal contada história: os promotores do “acordo ortográfico” pretendem não apenas substituir a Língua Portuguesa pela brasileira, como também fazer desaparecer qualquer vestígio identitário, patrimonial, histórico ou cultural de tudo aquilo que expressa, remota ou vagamente distinga Portugal do “país-continente” que alguns promoveram a potência colonial. A operação de “brasileirização” em curso, que alia máxima complexidade nos métodos a extrema simplicidade nos objectivos, consiste basicamente em substituir conteúdos — a começar pela Anschluß, a anexação pela imposição selvática da língua deles — e eliminar quaisquer marcas daquilo que alguns persistem em designar como “portugalidade”, entre aspas, ou, prosaica mas orgulhosamente, como Portugal, sem aspas.
Tendo por conta auxiliares intra muros para a prossecução da(s) manobra(s) respeitantes ao plano urdido em 1986, além de certos e incertos homens-de-mão, os brasileiristas com passaporte português — dos quais alguns representantes foram nos primórdios os autores da “ideia” da solução final — contam ainda com a geral e quiçá idiossincrática “mansidão”, a atávica e proverbial passividade de largas faixas das camadas mais instruídas da população portuguesa, incluindo os que se ventilam com esse abanico.
Dos resistentes, de entre activos, activistas, hiper-activos ou simples palpiteiros, pelo menos ao que parece, jamais ocorreu — por desconhecimento técnico, digamos — que a enormidade da golpada lhes vai passando mesmo à frente das ventas, em sentido literal, não apenas quando compram um jornal ou decifram legendagens e “dublagens” mas também em todos os sistemas e programas informáticos, em todas as plataformas, em todos os serviços e conteúdos que na Internet são impingidos como estando em “português”… adjectivo do qual o Palácio do Planalto se apropriou com ferocidade.
A julgar pelo que se diz e lê por aí, ou seja, rigorosamente nada, nem uma palavra, ninguém reparou ou então, não há terceira hipótese, anda tudo muito distraído, esta é de todas as etapas aquela que mais cedo teve início e a que mais contribui para o apagamento radical de tudo aquilo que “cheire” a… português: antes ainda dos conteúdos em Português ou portugueses propriamente ditos, a própria estrutura técnica da Língua Portuguesa foi aniquilada.
Contraste-se, no quadro comparativo que se segue, o que existia antes do AO90.
Portugal e PALOP |
Brasil |
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Mesmo para quem não sabe ou, principalmente, para quem não quer nem nunca quis saber, uma tabela ASCII era e o seu código continua de certo modo a ser a base estrutural sobre a qual se edificam as mais diversas ferramentas informáticas, das programáticas (sistemas operativos, processamento de texto, cálculo, desenho) às virtuais (“redes” locais, privadas ou públicas, nacionais ou internacionais), passando pelos meios de comunicação (social e outros) e pelos próprios utilitários físicos (os teclados, por exemplo). E isto sem contar com os efeitos devastadores, já aqui por diversas vezes referidos, que afectam e condicionam irremediavelmente serviços universais tão essenciais e disseminados como os “motores de busca”.
Dirão com toda a certeza os do costume, acordistas e assimilados, o seu tradicional “ah, e tal”, em espertíssimas formulações do género ah, e tal, isso era no tempo do MS/IBM-DOS, ui, é coisa antiga, agora já não se usa. Pois então, camaradinhas, ide ao menos quanto a este particular estudar um bocadinho, vá, ide, e vereis o que presumivelmente estareis fartinhos de saber enquanto fingis o contrário: assim como desde a primeira infância da informática (informação automática) a linguagem binária ainda hoje se mantém como unidade básica da informação (não existe, em termos conceptuais, alternativa aos zeros e uns em conjuntos de 8 e seus múltiplos), também ainda não foi inventada — porque seria desnecessário e redundante — um novo e radicalmente diferente sistema codificado de representação dos diversos conjuntos de caracteres e grafemas que representam as diversas linguagens humanas (passe o pleonasmo).
Não é uma língua qualquer de um qualquer país que tem a sua própria página ASCII. Portugal tinha, o Português tinha — o Brasil nem uma coisa nem outra, tinha coisa nenhuma.
Code page 860
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Com o “acordo ortográfico de 1990” o código ASCII de Portugal/Português, que valia também para todas as ex-colónias africanas e para as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, foi liminarmente extinto, liquidado, extirpado e, por fim, seguindo o guião de todas as outras manobras de brasileirização compulsiva, foi apagado da História com efeitos retroactivos.
É claro, fatalmente, pela calada, em seu lugar surgiu — como se vindo do nada – a página da língua “universau” brasileira, a única doravante aceite. CHCP 860 acabou, a que exclusivamente passa a valer em toda a brasileirofonia é aquela que os brasileiros sempre usaram, a “multilingual” CHCP 850.
Nisto como em tudo, como no AO90, para início de conversa, o “acordo” entre as partes foi este: Portugal cede em absolutamente tudo, o Brasil cede em rigorosamente nada.
A Língua Portuguesa não é um objecto que se possa trocar, comprar ou vender. Os portugueses que a usam como ferramenta de trabalho, ao menos esses, não estão em saldo. Nem apreciam particularmente que alguns salteadores e traficantes lhes tentem roubar a enxada, essa alfaia singular com que revolvem o chão da pátria que lhes deu o ser e lhes dá o pão. E que também serve, como qualquer sachola honrada, para dar com ela na cabeça dos meliantes.