«Resumo: O objetivo deste trabalho é avaliar o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa num contexto histórico que invoca as metas de simplificação e unificação nas diversas fixações ortográficas que se sucederam. A orientação teórico-metodológica se assenta na metaortografia e na historiografia linguística direcionada para a questão ortográfica da língua. Com tal foco definido, faz-se uma retrospectiva reflexiva dos acordos ortográficos do português a qual, sem atenção para uma análise de pormenores das diversas mudanças, põe no centro da reflexão os direcionamentos que governaram as tratativas, para que se possa concluir sobre a validade histórica dessa nova medida. Palavras-chave: acordo ortográfico; simplificação; unificação; política linguística.» (…)
«Todos ouviram acerbas vozes, especialmente de Portugal, que gritaram contra o que consideraram uma violência: o povo de uma nação ter de abrir mão de determinados hábitos ortográficos para igualar sua escrita com a de outra nação.»(…)
«É em nome de unificação (mais do que de simplificação), e de unificação entre povos, que se há de aceitar bem esse novo documento de fixação ortográfica do português.»
«Palavras-chave: acordo ortográfico; simplificação; unificação; política linguística.» [“O ACORDO ORTOGRÁFICODA LÍNGUA PORTUGUESA E A META DE SIMPLIFICAÇÃO E UNIFICAÇÃO“. Maria Helena de MOURA NEVES (Universidade Presbiteriana Mackenzie; UNESP)] (transcrição ipsis verbis em língua brasileira)
«Em termos quantitativos e com base em estudos desenvolvidos pela Academia das Ciências de Lisboa, com base num corpus de cerca de 110000 palavras, conclui-se que o Acordo de 1986 conseguia a unificação ortográfica em cerca de 99,5% do vocabulário geral da língua. Mas conseguia-a, sobretudo, à custa da simplificação drástica do sistema de acentuação gráfica, pela supressão dos acentos nas palavras proparoxítonas e paroxítonas, o que não foi bem aceite por uma parte substancial da opinião pública portuguesa.»
«Também o Acordo de 1945 propunha uma unificação ortográfica absoluta que rondava os 100% do vocabulário geral da língua. Mas tal unificação assentava em dois princípios que se revelaram inaceitáveis para os brasileiros.» [Nota Explicativa do AO90]
Resultando dos objectivos políticos primordiais traçados pelos promotores do AO90, a chamada “simplificação” significa, na prática, não apenas a anulação pura e simples de qualquer tipo de exigência ou requisito mínimo, em todo o sistema de ensino nacional, como também a “adoção” de uma escrita “simplificada”; extremamente “simplificada”, de facto, dado que tal “simplificação” significa a eliminação sumária da Língua Portuguesa e a sua substituição por uma espécie de transcrição fonética do “falar” brasileiro. A “regra” única para simplificar ainda mais a “simplificação” é “o que não se diz não se escreve”; ou seja, traduzindo a formulação para Português, o que os brasileiros não pronunciam elimina-se, o que eles “falam” (a forma como dizem seja o que for) escreve-se e, portanto, passa a ser obrigatório em Portugal escrever em brasileiro e, aguentem-se, falar em brasileiro. Se porventura houver algum engulho com o sutaki, pobrema nium naum, tem ki áprendê.
Como claramente fica demonstrado no artigo que se segue, está já em curso um dos pressupostos para a definitiva “implementação” da língua brasileira em Portugal (e PALOP): depois do abaixamento até zero dos requisitos de conhecimentos mínimos e depois de tornar virtualmente impossível que um aluno seja “retido” (chumbado), mesmo que chegue ao fim da formação básica sem saber ler nem escrever, “diretchiva” similar chega agora aos próprios professores.
Até pode ser que um ou outro “setor” (não confundir com “setor” em brasileiro) entenda alguma coisa de gramática e “trapalhadas” semelhantes, mas aquilo que nenhum deles deve ensinar aos seus alunos (por “inconsistência” dos próprios, em linguagem oficial) é precisamente a ler e escrever; qualquer coisa vale, joguinhos e brincadeiras, pois claro, isso é extremamente “pedagógico”, agora cá dessas chatices que metem letras e assim, ui, não, de todo, isso são porcarias do “antigamente”, reaccionarices do piorio, a escola deve ser um “espaço lúdico” para a “criançada” divertir-se, conviver (“sociabilizar” em linguagem politicamente correcta), em suma, tem de ser, há-de ser um local de diversão onde ninguém se aborreça e passe as horas todas, desde que entra até que sai, sempre com um sorrisinho nada idiota nos lábios.
Nesta mesma lógica de infantário para bebés com idades entre os 6 e os 10 anos, aquilo que se pretende dos professores é que sejam, “acima de tudo”, bons babysitters e que, por fim, passem todos os petizes à sua guarda para o 2.º ciclo, onde tudo recomeçará de novo… e depois logo se verá.
Em qualquer dos casos, aquilo que o Ministério da tutela pretende, no âmbito das orientações político-partidárias da situação, é que o plano de erradicação da Língua Portuguesa seja cumprido sem hesitações nem percalços: primeiro, a “adoção” da transcrição fonética (check); em simultâneo, e por consequência, a transposição taxativa de um sistema de “ensino” alienígena, facilitista e promotor da ignorância (check); depois, a importação maciça de instrumentos de lavagem cerebral em massa (check) para aniquilar ab ovo qualquer veleidade de contestação ou solavanco de protesto (check); por fim, com a “revisão” do AO90, que o brasileiro, incluindo léxico, sintaxe e (ausência de) morfologia, substitua radical e definitivamente o Português; esta penúltima fase continua em curso e falta ainda a derradeira, aquela que ditará — caso em Portugal já não reste ninguém na posse das mais elementares faculdades mentais — o fim da história (e o fim da História), a solução final.
A frase lapidar da presbiteriana acima citada, se não diz tudo, ao menos diz muito, diz o que em essência visa o “acordo ortográfico”: «o povo de uma nação ter de abrir mão de determinados hábitos ortográficos para igualar sua escrita com a de outra nação.»
Pois. “Igualar a sua escrita com a de outra nação; portanto, que aqui se escreva forçosamente como os brasileiros escrevem na sua língua, a brasileira.
Note-se a conjugação perifrástica (“ter de”), a forma implícita de “ser obrigado a”. Nesta “obrigação”, cuja semântica remete para uma hipotética retaliação ou castigo, caso haja incumprimento por parte do tugazito, denota e demonstra o carácter violentamente impositivo que define “invasão” ou, mais prosaicamente, “colonização” do “outro”. Sendo que este “outro” não é um, é dez milhões de outros.
Note-se ainda a expressão “hábitos ortográficos” — formulação que arrasa tudo, qualquer razão técnica, gramatical, política, histórica, identitária, idiossincrática ou simplesmente nacional. Os portugueses (por “teimosia”, como diz a Nota Explicativa do AO90) não têm nada que usar a sua própria Língua, até porque o Brasil chama “língua portuguesa” ao brasileiro, se fazem questão disso então é só porque os portugueses, “teimosamente”, “viciados” na escrita para eles aberrante, têm o “hábito” de escrever em Português, mas que escândalo, se têm esse “hábito” assim tão pernicioso então internem-se numa clínica de desintoxicação.
Diz ela. E dizem outros enormidades que tais, insultos, enxovalhos, provocações de igual calibre.
Até um dia.
Cursos que formam professores têm base “sólida” de linguística, mas inconsistências no ensino da leitura e escrita
O estudo “Como estão a ser preparados os futuros professores para o ensino da leitura e da escrita?” conclui que no que respeita a aprendizagens essenciais, como a consciência fonémica e a relação entre linguagem oral e escrita, as fichas das unidades curriculares estão incompletas, com essas componentes omissas.
Daniela Carmo
“Público”, 5 de Julho de 2022
daniela.carmo@publico.ptEstudo analisou cursos que formam professores
LUSA/MÁRIO CRUZOs cursos do ensino superior (público e privado) que formam os futuros professores do primeiro ciclo (do 1.º ao 4.º ano de escolaridade) apresentam fragilidades no que diz respeito aos conhecimentos e competências pedagógicas no ensino-aprendizagem da leitura e da escrita. Por exemplo, o ensino do vocabulário ou da compreensão da leitura são aprendizagens que não constam das fichas das unidades curriculares da maioria das licenciaturas ou mestrados. Esta é uma das conclusões que um estudo da plataforma Edulog aponta e que é apresentado nesta terça-feira. Apesar disso, a análise dá conta de que quase todos os cursos têm uma sólida preparação do ponto de vista linguístico.
A investigação “Como estão a ser preparados os futuros professores para o ensino da leitura e da escrita?”, assinada por Isabel Leite, membro do conselho executivo da Edulog — iniciativa para a área educativa da Fundação Belmiro de Azevedo —, conclui que “algumas componentes identificadas na literatura como indispensáveis para um ensino eficaz da leitura e da escrita estão omissas nas fichas de unidade curricular” dos cursos universitários. “Os conteúdos parecem não estar suficientemente consistentes.”
Como a autora explica ao PÚBLICO, entre esses conhecimentos e competências “indispensáveis”, destacam-se a consciência fonémica e a relação entre linguagem oral e escrita, o método fónico, a fluência na leitura, o ensino do vocabulário, o ensino da compreensão da leitura e a forma como todos esses processos se entrecruzam ao longo da aprendizagem.
“Quando olhamos para os planos de estudos não encontramos aquilo que a literatura internacional diz serem elementos absolutamente chave para termos um ensino eficaz. Foi uma das áreas em que detectámos mais inconsistência, mais fragilidade”, elucida.
Na óptica da investigadora, “o desejável será que na ficha de uma unidade curricular apareçam todos os conteúdos que a instituição considera imprescindíveis os alunos dominarem, assim como a bibliografia de base”, uma vez que são “componentes fundamentais para se ensinar de forma mais eficaz”.
Apesar desta característica omissa nas fichas das disciplinas, alerta Isabel Leite, isso não significa que os conteúdos não sejam leccionados. O estudo fez uma análise a todos os programas de 72 cursos (licenciaturas e mestrados) que garantem a formação de professores, além de terem sido feitas entrevistas a docentes e coordenadores de curso de algumas das instituições.
Com a análise das entrevistas, percebeu-se que o facto de estas aprendizagens consideradas essenciais não estarem presentes nas fichas das unidades curriculares não é sinónimo de que não sejam asseguradas durante o decorrer do curso superior. “Em vários casos, quando entrevistámos os colegas, eles apresentaram elementos que podiam não estar presentes em algumas das fichas das unidades curriculares. Ou seja, não significa em absoluto que não estejam a ser assegurados”, refere Isabel Leite.
Apesar da lacuna, é possível concluir que nestas licenciaturas e mestrados dirigidas a futuros professores há um domínio sólido da Linguística. “É fundamental que o professor domine bem a língua nos seus vários aspectos, uma vez que vai ensinar a ler e a escrever. E, em quase todos os cursos, esse conhecimento da língua está a ser trabalhado. Existe uma clara ligação dos professores dos departamentos de pedagogia e das ciências da educação aos colegas que trabalham mais na área da linguística”, desenvolve ainda a investigadora.
Outro aspecto destacado na investigação é que, “por regra, nas unidades curriculares de prática de ensino supervisionada, os estudantes/futuros professores são colocados numa única turma que acompanham ao longo de todo o semestre ou ano escolar e, por isso, a experiência pedagógica adquirida está dependente da turma, ano de escolaridade e trabalho desenvolvido pelo professor cooperante”.
“Os testemunhos dos entrevistados revelaram que os estudantes podem concluir a sua habilitação sem ter contacto com todos os anos de escolaridade do 1.º ciclo do ensino básico, logo sem a garantia de experiência pedagógica em contexto real de ensino e avaliação da leitura e escrita nas suas diferentes etapas de aprendizagem”, lê-se no sumário da investigação.
Isabel Leite dá um exemplo: “Podemos ter um aluno que faz todo o seu percurso de formação para vir a ser um professor de primeiro ciclo sem que tenha, por exemplo, leccionado um primeiro ano de escolaridade. É completamente diferente estar a ensinar a ler e a escrever uma criança que está no primeiro ano, que ainda não sabe ler nem escrever e, por isso, temos de lhe ensinar tudo, de ensinar um aluno que já está no quarto ano de escolaridade”.
[Transcrição integral. Texto de Daniela Carmo. “Público”, 5 de Julho de 2022. Destaques e sublinhados meus. Fotografia de rodapé de: “Observador”.]