Gerundiando o estando ensinando
Como prevê expressamente o acordo cacográfico da língua brasileira, «há que procurar uma versão de unificação ortográfica que acautele mais o futuro do que o passado e que não receie sacrificar a simplificação também pretendida em 1986, em favor da máxima unidade possível.» Evidentemente, a expressão “unificação ortográfica” não passa de uma falácia repugnante, dado que as intenções subjacentes a essa “unificação” vão muito para além de tão impossível quanto absurda “minudência”.
As verdadeiras finalidades do plano estabelecido por meia dúzia são de carácter exclusivamente político-económico e geoestratégico: a anexação de Portugal — a sua soberania enquanto Estado, a identidade nacional, as suas Língua e Cultura — a um putativo potentado brasileiro de implantação mundial, através da criação da porta dos fundos para a União Europeia e à custa das outras sete ex-colónias portuguesas. O “acordo” de 1986 foi o ponto de partida negocial, sendo a oferta gratuita (a Língua Portuguesa e demais “facilidades”) oficializada através do AO90; a isto seguiu-se a invenção ad hoc da CPLB, em 1996, servindo esta “comunidade” (paga pelos contribuintes “tugas”) como cobertura política para os avanços da novel potência colonial e a referida versão final do “acordo” de 1990 funcionando como uma espécie de pretexto ideológico para atabalhoadamente “justificar” o golpe inicial por precaução e os subsequentes por antecipação.
Tem de facto costas largas, este “acordo” dito “ortográfico”. Largura essa que se resume ao ditame único “serve para tudo”. A pretensa “língua unificada” (a brasileira, claro) que teoricamente o justificaria serve como a camuflagem perfeita para a imposição selvática a Portugal (e PALOP) de uma língua alienígena — em todas as suas partes constituintes, não apenas numa única categoria gramatical — e para o esmagamento sumário, por arrastamento ou inerência, de todo e qualquer resquício da identidade nacional… portuguesa.
Os acontecimentos mais recentes envolvendo diversos episódios de supostos “racismo, preconceito e xenofobia”, dos quais vão resultando cada vez mais “queixas” que os media exploram até à náusea, servem na perfeição os fins em vista, ou seja, a cada vez mais descarada discriminação selectiva (dita “positiva”, em jargão politiqueiro), privilegiando com prerrogativas exclusivas os imigrantes de uma única proveniência em detrimento de todos os outros e das suas origens geográficas, culturais e identitárias — a começar pelos próprios portugueses, aos quais tais privilégios estão também vedados. Claro que, aliás na senda da narrativa habitual, a governamental hipocrisia e o proverbial mercenarismo dos órgãos de propaganda tratam imediatamente, munidos das suas pinças “ideológicas” de respeitinho a “eles, que são 230 milhões e nós somos só 10 milhões”, de produzir o máximo de ruído possível e de “tomar medidas” — sempre com os mesmos fins, os mesmos pretextos, os mesmos destinatários.
Em Portugal, de entre todas as comunidades de imigrantes (anglófonos ou francófonos e os provenientes de Ucrânia, Rússia, Roménia ou Moldávia, por exemplo) apenas os brasileiros se recusam sistematicamente a falar e ainda mais a escrever usando a Língua nacional; pelo contrário, aliás, os brasileiros fazem absoluta questão de impor aos nacionais a sua própria linguagem e não se coíbem sequer de manifestar irritação quando algum português se “atreve” a não entender o que dizem; fazem absoluta questão de jamais tentar sequer adaptar o seu linguajar às regras gramaticais mais básicas ou de usar um vocabulário inteligível ou as expressões idiomáticas mais comuns em Portugal. Nem quando eles próprios não entendem o que diz um português usam qualquer das formulações normais e usuais (como?, desculpe?, não entendi, como diz? etc.) ; em qualquer caso utilizam por sistema a interjeição que pelos vistos no seu país é a única: “oi”?
Este aparente pormenor é apenas mais um indício do bizarro fenómeno de “preconceito linguístico” ao contrário, ou seja, a imposição a quem está do “falar” de quem chega. Do “falar” e do “escrever”, bem entendido. Neocolonialismo de sentido inverso, portanto, uma horrorosa perversão politicamente motivada que vai muito para além do mero paradoxo semântico ou idiossincrático.
Estribado na pretensa língua “universau” brasileira (via AO90), o plano de erradicação da Língua e da Cultura portuguesas compreende a táctica de vitimização sistemática como forma de pressão acrescida para “agilizar” e “simplificar” — ou seja, abreviar — o esmagamento da soberania nacional. Esta táctica vai apresentando torções e contorções cada mais imaginativas e chocantemente óbvias, incluindo a vitimização por proxy e sempre contando com o precioso auxílio do chamado coitadismo militante: brasileiros queixam-se imenso de “racismo e xenofobia” e alguns portugueses correm a “solidarizar-se” com eles, coitadinhos, que são tão perseguidos, coitadinhos, e que até não são eles mesmos racistas e xenófobos nem nada, que ideia.
E depois, como seria mais do que previsível ainda nos anos 90 do século passado, a imposição ditatorial do AO90 tem vindo a revelar-se bem mais catastrófico do que aquilo que na altura foram capazes de prever alguns especialistas em linguística, História e pedagogia. Com o tempo, fomos verificando que afinal qualquer parecer seria redundante e frívolo, mero exercício de entretenimento político (todos eram contra, todos foram arquivados, nenhum produziu qualquer efeito); aliás, nem dez vezes mais pareceres e nem mesmo caso incluíssem áreas tão imprescindíveis como a sociologia e, principalmente, a psiquiatria (o “acordo” foi o alucinado resultado de uma obsessão esquizofrénica), pois nem assim serviriam para alguma coisa os estudos de ainda mais prestigiadas autoridades intelectuais. A decisão é política, foi tomada politicamente (mas nunca assumida como tal) e “portanto” a “legitimidade” conferida por uma minoria da população “autorizou” alguns políticos a cozinhar a sua abominável negociata e a impô-la sumária e abusivamente a todos os portugueses.
Algumas das consequências do desastre cacográfico e da submissão canina a uma potência estrangeira têm-se revelado das mais variadas e igualmente imaginativas formas, principalmente aquelas que se revestem de especial ridículo.
É miserável mas não deixa de ser caricato o que vai sucedendo, por exemplo paradigmático, no assim dito “sistema de Ensino” indígena: evidentemente, visto que “eles são 230 milhões e nós somos só 10 milhões”, então há que — além de escrever como “eles” falam — “facilitar” e “agilizar” também o percurso académico “deles” (e só deles, para os alunos portugueses fica tudo na mesma), aceitando que escrevam como falam (ou como de resto lhes der na real gana). Este aparente conflito resultante da aculturação selvagem deixará de o ser de imediato, como que por milagre, com o estalar de dedos do costume — ou seja, via “orientações” internas da tutela, na secretaria da 24 de Julho, e de seguida com a consagração legal na respectiva linha de montagem, a São Bento.
Professores querem regra clara do Iave sobre variante brasileira em exames de Português para evitar desigualdades
Associação de professores vai levar tema a reunião ao conselho científico do Iave. A variante brasileira deve ser aceite em exames? Há professores que dizem que “a língua é a mesma” e quem defenda que alunos se devem adaptar, outros falam em “xenofobia linguística”. Alunos comentam: “Pode ser muito frustrante escrever na sua própria língua e ser penalizado, quando no seu país não era errado”.
João Rodrigues, professor na Escola Secundária Rainha Dona Amélia, em Lisboa, não corrigia exames de Português do 12.º ano havia alguns anos. Mas este ano teve que penalizar respostas escritas na variante brasileira de Português que não iam ao encontro da norma do padrão do português europeu. “É revoltante quando a expressão sintáctica está correcta [na variante brasileira] e tenho que penalizar. Revolta-me bastante porque sinto que estou a prejudicar e a discriminar os alunos”, afirma ao PÚBLICO.
Foi o que aconteceu com os estudantes cujos exames classificou, um deles poderia ter uma nota superior aos 12 valores que atribuiu: “Se não tivesse a penalização”, poderia ter chegado aos 14 ou 15, afirma. “Um falante da variante brasileira dificilmente consegue esquecer aquilo que é a sua norma, pelo que me parece muito injusto a aplicação deste critério.”